domingo, 28 de abril de 2013

Pensatas de domingo. O silêncio criminoso da imprensa esportiva brasileira



Ilustração de Josetxo Ezcurra publicada em Rebelión.org de 22/04/2013

Neste domingo a Pensata é de Jorge Vital de Brito Moreira e um excelente texto sobre futebol e política.

“Eu não troco a minha camisa com assassinos”
“Je n’échange pas mon maillot avec des assassins”

               De acordo com o jornal francês “SPORT”, esta é a frase que utilizou Cristiano Ronaldo, a estrela da seleção portuguesa, no final do jogo de futebol entre as seleções de Israel e Portugal, realizado no dia 19 de abril de 2013 (última sexta feira). O jogo entre as duas seleções fazia parte da fase eliminatória para participar da Copa do Mundo que será realizada no Brasil em 2014.
               Ao terminar o encontro, um jogador israelense tirou a camisa e pediu a Ronaldo que trocasse pela sua. Ronaldo recusou o pedido, explicando que não podia vestir uma camisa com a bandeira do Estado de Israel.
               No vestuário, quando os jornalistas perguntaram a Cristiano Ronaldo porque havia recusado a troca de camisa com o jogador de Israel, Cristiano disse exatamente: “Eu não troco a minha camisa com assassinos” ("Je n’échange pas mon maillot avec des assassins" Cristiano Ronaldo après le match Portugal Israel).
            Esta importante notícia do mundo futebolístico, envolvendo a segunda maior estrela do futebol mundial, foi divulgado por diversos jornais espanhóis e latinoamericanos tais como La Republica, Cuba Debate, Kaos en la Red (e outros); também no YouTube.com (http://www.youtube.com/watch?v=o4KRqu2UtAQ), mas não achei nada nos jornais brasileiros.
               Não sou fã de Cristiano Ronaldo, mas me parece muito estranho (ainda que eu tenha buscado a notícia nos grandes e pequenos jornais brasileiros), não ter encontrado essa notícia em lugar nenhum, afora uns poucos blogs.  A inexistência surpreendente (ou não) desta notícia no país do futebol dá o que pensar.
               Não sou torcedor do Real Madrid (um clube de origens franquistas fascistas), nem admiro o estilo de jogar da seleção portuguesa, mas a pergunta continuou na minha cabeça. – Porque a ausência desta notícia na imprensa escrita e televisiva do país do futebol?
               Em alguns blogues na língua espanhola, pude ler comentários dos leitores e suas reações pró ou contra a atitude de Cristiano Ronaldo e decidi partir dessas reações para tentar analisar e compreender a razão para a ausência dessa notícia nos jornais do Brasil.
               Entre as reações que condenavam a atitude e a fala do jogador, selecionei algumas para comentar, e se possível, responder. Classifiquei as reações em 3 grupos.
            As reações do primeiro grupo poderiam ser caracterizadas sinteticamente pela pergunta: - Que culpa tem o jogador da seleção de Israel que seu país esteja assassinando palestinos?
               O segundo grupo poderia ser caracterizado pela frase muito comum entre os torcedores: - Não se deve misturar futebol com política, nem com religião, porque são coisas completamente separadas.
               O terceiro grupo poderia ser caraterizado pela reação mal humorada: - O que disse Cristiano Ronaldo não me interessa. O que me interessa é saber quem é o melhor jogador de futebol do mundo: Cristiano Ronaldo, Messi, Maradona ou Pelé?
               Tratarei de responder aos três grupos, começando pelo primeiro: Não se trata, caro leitor, da culpa de um jogador israelense sobre os crimes do Estado de Israel, pois quase toda a maioria silenciosa (de Israel e dos EUA), é cumplice e responsável (direta ou indiretamente) pela produção e reprodução desse abominável estado fascista de coisas no Oriente Médio.
              Trata, melhor, do seguinte: Cristiano Ronaldo (uma estrela do futebol internacional, sobre a qual os meios de comunicações internacionais não param de fotografar e reportar diariamente), na minha opinião, teve uma atitude completamente apropriada às circunstâncias: se ele tivesse dado sua camisa a um jogador da seleção que representa a nação e o Estado de Israel, estaria fazendo propaganda para um estado terrorista. E, desta forma, estaria sendo cúmplice (indireto) dos crimes de guerra que o Estado de Israel vem cometendo contra o povo palestino.
               Tratarei de dar uma resposta ao segundo grupo: Não se deve misturar futebol (ou esporte) com política, caro leitor, porque já não é necessário. Elas já estão misturadas desde sempre. Para confirmar o que acabo de dizer vou mostrar alguns exemplos que registram estreita relação entre esporte, futebol, poder e política no século XX, perguntando aos leitores:
              Quem poderá negar a relação explicita entre Hitler, o nazismo e os “Jogos Olímpicos de Verão” de 1936 na Alemanha hitlerista.
              Quem poderá ocultar a relação entre o futebol brasileiro (o sucesso na Copa do Mundo de 1970), a ditadura militar no Brasil e o aumento da tortura (do desaparecimento e assassinato) dos presos políticos dentro das prisões dirigidas pelos militares?
               Quem poderá negar que “as boas relações políticas” entre a ditadura militar brasileira, João Havelange e o genro Ricardo Teixeira, conduziram João à presidência da FIFA, e Ricardo, a presidência da CBF? Assim, quem poderá esconder que, como presidentes da FIFA e da CBF, os corruptos e corruptores Havelange e Teixeira realizaram uma das políticas mais desgraçadas da história do futebol Internacional e nacional? Tratar de não ver, esquecer, ou negar todas essas relações entre o esporte e a política me parece simplesmente uma grande estupidez.
               A relação entre futebol, política e religião, também pode ser mostrada através de um exemplo para a geração mais jovem: quando o famoso futebolista brasileiro Cacá (ex-membro da Igreja Universal do Reino de Deus, um milionário jogador do Real Madrid) depois de fazer um gol, olha pro céu, faz o sinal da cruz e agradece ao suposto “Deus”, (pretendendo que “Deus” está do seu lado e do lado da sua equipe), a maioria dos católicos ou protestantes não questionam a atitude de Cacá (ou de outros jogadores). Pelo contrário, esses religiosos afirmam que é uma atitude “normal”, “natural” ou “inocente”, completamente isenta de conotação política ou religiosa.
              Mas esta afirmação, dos católicos e dos protestantes, não é epistemologicamente correta, e me parece eticamente desonesta. Na minha opinião, quando Cacá pretende que Deus está do seu lado, está fazendo política: política econômica e política religiosa.
              No plano religioso, quem, atualmente, poderá negar as estreitas relações entre a Igreja Católica, (padres, bispos, arcebispos, cardeais e o Vaticano) à Máfia italiana e a organização política maçônico- fascista conhecida por “Propaganda 2”?
              Quem poderá ocultar que a principal ocupação e objetivo da Igreja católica é conseguir mais poder e riqueza, pois ela é uma das instituições mais ricas e poderosas do mundo (veja o escândalo do Banco do Vaticano e do Banco Ambrosiano) e sua preocupação crucial é como evitar pagar indenizações às famílias cujos filhos(as) foram violados ou abusados sexualmente por autoridades católicas praticantes de pedofilia?
               Por último, tratarei de responder aos leitores do grupo 3: - Creio que reduzir a discussão esportiva sobre Cristiano Ronaldo às perguntas: Quem é melhor jogador, Messi ou Ronaldo? Quem é melhor, Cristiano Ronaldo ou Cacá?, é simplesmente uma grande bobagem.
               Pessoalmente, penso que na área futebolística, Leonel Messi é um gênio, e os excelentes Cristiano Ronaldo e Cacá não o são, mas a discussão, a rivalidade, a briga de egos, podem ser emocionantes para os fanáticos, mas para mim, é uma grande perda de tempo.  Como disse o inteligentíssimo e falecido jogador brasileiro Sócrates a respeito da velha discussão de mais de 30 anos (quem é melhor, Pelé ou Maradona?): “Este tipo de questão, é uma besteira...” “Essa briga de egos... é uma briga estupida.”
               Concordo com o jogador Sócrates e não entrarei na briga de egos entre Messi e Cristiano, mas continuarei aplaudindo, na área da solidariedade humana, ao extraordinário Cristiano Ronaldo. Por que? Porque no afã de ajudar a um povo oprimido colocou sua bota de ouro num leilão publico para arrecadar dinheiro.  Assim. o dinheiro arrecadado (um milhão e meio de euros) foi doado por ele à Palestina para ajudar às vítimas dos bombardeios israelenses.
               Agora podemos começar a entender porque a atitude e a fala de Cristiano Ronaldo não foram divulgadas pelos meios de (des)informação do Brasil: como sempre, a mídia corporativa brasileira e de outros países ignorou, escondeu ou evitou a publicação da declaração de Cristiano Ronaldo para não contrariar o poder dos EUA e de Israel:  Cristiano Ronaldo, é um jogador famoso, querido, reconhecido e respeitado em todo o mundo pelo talento, inteligência,  sensibilidade, riqueza e fama. E não é bom para os donos do poder que se divulgue pelo mundo que ele está defendendo os palestinos contra a injustiça e a barbaridade do estado de Israel e dos EUA.
               Mas o silencio não é a única tática para sabotar a atitude valente do jogador português contra a política criminosa de Barack Obama e Natanyahu para a Palestina..
               Outra forma usada pelo governo dos EUA, pela mídia corporativa e pelo American-Israel Public Afair Commit, AIPAC (o lobby judeu que controla a política externa dos EUA) para denegrir a CR é chama-lo de anti-semita. Aliás, esta é a forma mais eficiente (usada sistematicamente pelo governo, pela media coorporativa e pela AIPAC), para denegrir aos intelectuais, aos atletas,  aos artistas famosos e a toda gente decente que tem tido a coragem de criticar o apartheid criado pelo sionismo de Israel com a cumplicidade dos EUA. Brilhantes personalidades intelectuais e políticas como o finado Edward Said, Noam Chomsky, Cornel West, James Petras, o ex-presidente James Carter tem sidos chamados de anti-semitas e  atacados virulentamente por se oporem ao sionismo e defender aos palestinos.
               Recentemente, o presidente Barack Obama fez um discurso para os membros da IAPAC (e para o povo norteamericano), que evidencia eloquentemente o que venho afirmando neste texto: que a ausência no Brasil da notícia sobre a declaração de Cristiano Ronaldo estar relacionada com a subserviência (e o temor) da nossa mídia corporativa ao poder dos EUA e Israel.
               Sem mostrar o mínimo de vergonha, Barack Obama, nesse discurso, se auto proclamou agente político financiado pela AIPAC para servir aos interesses de Israel. Vejam e constatem com seus próprios olhos, o caráter entreguista da oratória do governo do presidente dos EUA:
               “O fato é que o compromisso do meu governo com a segurança de Israel tem sido sem precedentes. Nossa cooperação militar e de inteligência nunca esteve tão próxima. Nossos exercícios conjuntos e de formação nunca foram mais robustos. Apesar do nosso ambiente de orçamento difícil, a nossa assistência de segurança tem aumentado a cada ano. E assim como nós estivemos lá: com a nossa assistência à segurança de Israel e através da nossa diplomacia. Quando o “Relatório Goldstone” (1) criticou injustamente a Israel, nós o desafiamos. Quando Israel foi isolado pelo rescaldo do incidente da flotilha, nós apoiamos Israel. Quando a Conferência de Durban foi comemorada, nós a boicotamos, e sempre rejeitamos a noção de que sionismo é racismo. Quando as resoluções unilaterais são criadas no Conselho de Direitos Humanos da ONU, nós nos opomos a eles. Quando os diplomatas israelenses temiam por suas vidas no Cairo, nós intervimos para salvá-los. Quando existiram esforços para boicotar ou alienar Israel, nós ficamos contra eles. E sempre que iniciativas forem feitas para deslegitimar o estado de Israel, a minha administração tem se oposto às mesmas. Portanto, daqui pra frente não deve haver a mínima sombra de dúvida: quando as fichas estiverem em baixa, contarei com o apoio de Israel.” (2)

Notas:

1) Em 1º de junho de 2009, uma comissão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, chefiada pelo juiz judeu sul-africano Richard Goldstone, chegou à Faixa de Gaza, para investigar possíveis violações dos direitos humanos durante a ofensiva israelense contra os palestinos. Em 15 de setembro de 2009, a comissão, mesmo sendo comandada por um judeu sionista, apresentou seu relatório, concluindo que Israel "cometeu crimes de guerra e, possivelmente, contra a humanidade", e que, "embora o governo israelense tenha procurado caracterizar suas operações essencialmente como uma resposta aos ataques de foguetes, no exercício do seu direito de autodefesa, a comissão considera que o plano visava, pelo menos em parte, um alvo diferente: a população de Gaza como um todo.

2) Este é o discurso original do Presidente Barack Obama: “The fact is, my administration’s commitment to Israel’s security has been unprecedented. Our military and intelligence cooperation has never been closer. Our joint exercises and training have never been more robust. Despite a tough budget environment, our security assistance has increased every single year. And just as we’ve been there with our security assistance, we’ve been there through our diplomacy. When the Goldstone Report (1) unfairly singled out Israel for criticism, we challenged it. When Israel was isolated in the aftermath of the flotilla incident, we supported them. When the Durban Conference was commemorated, we boycotted it, and we will always reject the notion that Zionism is racism. When one-sided resolutions are brought up at the Human Rights Council, we oppose them. When Israeli diplomats feared for their lives in Cairo, we intervened to save them. When there are efforts to boycott or divest from Israel, we will stand against them. And whenever an effort is made to delegitimize the state of Israel, my administration has opposed them. So there should not be a shred of doubt by now. When the chips are down, I have Israel’s back.”

domingo, 21 de abril de 2013

Pensatas de domingo e o “teatrinho” montado


O que de fato aconteceu em Boston? Quem realmente plantou aqueles explosivos na maratona daquela cidade? Quando observamos o resultado das investigações do FBI, podemos concluir que os “suspeitos” caíram como uma luva e/ou foram habilmente desenhados para a ocasião. E será que não foram mesmo? Para alem de serem “estrangeiros”, são seguidores do Islamismo
  
Existem muitas contradições neste caso. Por exemplo: Maret Tsarnaeva, tia dos irmãos “suspeitos” disse que não há provas contra seus sobrinhos, e que desconfia da conduta do FBI, que matou o mais velho, Talerman Tsarnaev, 26, e seguiu no encalço do mais novo, Dzhokhar Tsarnaev, 19, até captura-lo.
“Minha primeira declaração ao FBI foi: eles não poderiam ter feito isso”, disse ela. “Estou desconfiada de que tudo isso foi armado. Temos que questionar tudo. Quero mais que uma foto”, afirmou em uma entrevista coletiva em Toronto, no Canadá, onde mora.
  
Em defesa dos sobrinhos, Maret os descreveu como “jovens normais, atléticos e inteligentes” e contou que o mais velho, que era casado, havia se tornado pai recentemente. “Ele estava muito feliz com a filha”, completou.
  
Os pais das vítimas (ou “suspeitos”) já haviam declarado não acreditar (tambem) numa presumível culpa de seus filhos naquela ação. E para completar este quadro, os colegas, principalmente do mais jovem, Dzhokhar, declararam sua extrema simpatia e sociabilidade. Normalmente autores de crimes em grande escala não coincidem com este tipo de descrição...
  
Outro exemplo: por que os “suspeitos” teriam ficado na cidade? Normalmente, uma ação deste tipo teria levado à fuga e à necessidade de esconderijo, imediatos, bem longe dali.
  
E mais, quando os canais divulgavam que o “suspeito” era muito perigoso e “armado até os dentes”, e mostravam o rosto de um garotinho de 19 anos, aquilo tudo parecia de fato algo extremamente ridículo... Depois surgia a informação de que ele estaria com um colete de explosivos, que seria um atacante suicida. Resumo da ópera: foi encontrado banhado em sangue dos tiros que recebeu, deitado num barco nos fundos de uma casa em WaterTown, praticamente desarmado.
  
A ideia que tenho, e, creio, terá qualquer pessoa que raciocine ante o desdobramento dos acontecimentos narrados pela grande mídia – ao invés de engoli-los, – é que um grande “teatro” foi montado bem em baixo de nossos narizes. Um espetáculo teatral com pitadas de um western sanguinário. Enfim, todos os ingredientes para agradar, principalmente o público interno.
  
E agradou! Com pitadas de ufanismo chauvinista e xenófobo! O que nos faz pensar que os Estados Unidos, até hoje, não passam de um grande faroeste...

quarta-feira, 17 de abril de 2013

A privatização da guerra




Desenvolvi em passado não muito distante, principalmente no antigo blogue Pensatas (que antecedeu a este e sumiu misteriosamente no mundo virtual) uma guerra levantando o papel do exército paralelo formado por empresas particulares de segurança em apoio à invasão dos EUA, principalmente nas guerras do Iraque e do Afeganistão. Ficavam evidentes e claras a participação destas empresas, particularmente a mais falada à época, a Blackwater.
A entrevista que se segue, li no jornal Brasil de Fato, aborda muito bem a questão, e foi originalmente publicada no Jornal Página 12 (de Buenos Aires), tendo a autoria de Natália Aruguete e Walter Isaías.

“A guerra não é mais para instalar outro modelo econômico: ela é o modelo”, diz Dario Azzelini, pesquisador italiano da evolução militar, acrescentando que a ideia de um conflito permanente cria condições para o surgimento de um modelo econômico que seria impossível de instalar em condições de paz. Ao mesmo tempo, é cada vez mais importante a intervenção de Companhias Militares Privadas (CMPs) em todo o mundo, com a impressionante terceirização das guerras, abrangendo do Iraque até a Colômbia.

Página 12 - Que significa a denominação de “novas guerras” que o senhor usa no livro O Negócio da Guerra?
Dario Azzelini - No debate acadêmico e − em parte − o político, a expressão “novas guerras” foi introduzida para denominar o fato que mais e mais guerras não se dão entre países mas no interior dos países ou, pelo menos, entre um exército regular e um irregular. A expressão, porém poderia se ampliada porque com as modificações de estratégias de sua condução, vemos que até os países com exércitos regulares estão transferindo a violência para empresas privadas ou estruturas paramilitares: atores que não são os tradicionais nas guerras “comuns”.

P12 - Acabaram as guerras entre Estados?
DA - Não é que tenham acabado. Pelo contrário, na última década tambem houve um aumento das guerras entre países, mas se apresentaram de outra maneira. Os ataques ao Afeganistão ou Iraque foram guerras entre países, mas a porcentagem das guerras irregulares em comparação com as regulares está aumentando.

P12 - Isso obedece à lógica neoliberal?
DA - Dizemos que obedece a certas lógicas do neoliberalismo no sentido de aumentar lucros. O sentido da guerra mudou. Tradicionalmente era para trocar as elites e o controle das economias, ou introduzir outro modelo de domínio econômico ou político. Agora, em muitos casos as guerras são permanentes. Não se faz a guerra para implementar outro modelo econômico, mas a guerra mesmo é o mecanismo de lucros.

P12 - Por exemplo?
DA - Por exemplo, Colômbia. Muito dos lucros nesse país são porque − praticamente − é um país em guerra. Durante os últimos 20 anos, a passagem da pequena e média agricultura para a agroindústria se fez com uma guerra. Se não fosse assim, não teria sido possível expropriar as terras de milhões de camponeses e fazer uma reforma agrária ao contrário, na qual os latifundiários e paramilitares se apropriaram de seis milhões de hectares de terra.

P12 - Neste cenário, como fica o lugar do Estado?
DA - Em todo o discurso liberal se diz que o Estado está supostamente perdendo o controle desses atores armados. Fundamentalmente, no caso da Colômbia. Creio que os Estados não perdem o controle e, se o perdem, é em pequenos pontos. Simplesmente estão terceirizando as funções repressivas ou de guerra, criando mais confusão. Os grupos paramilitares colombianos foram criados pelas dificuldades do Estado em conseguir financiamento internacional nos anos 80, pela responsabilidade do exército ou da polícia em delitos contra os direitos humanos. Logo se montou o show da suposta desmobilização dos paramilitares, mas já no final dos 90 era de conhecimento público que o paramilitarismo estava coordenado, fomentado e controlado pelo exército e as autoridades colombianas. Em 2000, a Human Right Watch publicou uma análise da Colômbia cujo título era Paramilitarismo, a sexta divisão do exército colombiano (o exército colombiano tinha cinco divisões). Nesse informe esclarecem que o paramilitarismo é parte integral da situação do exército colombiano e que o processo de desarmamento é uma farsa. Os supostos paramilitares desmobilizados aparecem em outras zonas da Colômbia onde ainda se necessita o paramilitarismo como estratégia ou como supostos grupos rearmados.

P12 - Como e quando nascem as Companhias Militares Privadas (CMPs)?
DA - As primeiras nascem imediatamente depois da II Guerra Mundial, porque o exército dos Estados Unidos tinha grande capacidade de transporte que já não necessita manter e começou a privatizar parte do transporte. Porém o verdadeiro boom dessas empresas começou em fins dos anos 1980 e foi reforçado de forma maciça nos 1990. Na primeira guerra dos Estados Unidos contra o Iraque, a relação entre os empregados das CMPs e os soldados era de um para 100. No Afeganistão, de um para 50/40. Agora, no Iraque há 180 mil empregados das CMPs, segundo dados do próprio exército norte-americano, que só tem 140 mil homens ali.

P12 - Que atividades exercem estas companhias?
DA - Todas as que alguém possa imaginar. O emprego de armas sofisticadas (como aviões não tripulados, radares ou mísseis de navios estadunidenses) na primeira onda de ataques ao Iraque foi realizado por especialistas de empresas privadas. Além disso distribuem a correspondência, cozinham ou lavam a roupa dos soldados, montam os acampamentos militares, as prisões. No caso da prisão de Abu Ghraib houve julgamentos e investigações contra menos de 10 soldados dos Estados Unidos, quando deveria haver muitos mais implicados. A verdade é que a prisão era administrada em todas as suas funções por duas empresas privadas: CACI e Titan.

P12 - Quais são as vantagens de terceirizar esse tipo de tarefas para as CMPs?
DA - Como formalmente são civis, não podem, portanto, ser julgados pela Justiça militar. Ao mesmo tempo, em seus contratos lhes é assegurado que não podem ser submetidos à Justiça civil dos países em que eles atuam. Praticamente se criou um campo de impunidade. E a única via para fazer algo contra esses crimes é iniciar processos nos Estados Unidos contra essas empresas. Quantas vítimas têm a possibilidade de fazer isso. Quase ninguém.

P12 - Cria-se uma espécie de marco normativo para acionar estas empresas?
DA - Sim. Legaliza-se todo o negócio dos mercenários com esse marco de impunidade. Além disso, terceiriza-se a responsabilidade. Milles Frechette, ex-embaixador dos Estados Unidos na Colômbia, disse que é muito cômodo trabalhar com essas empresas porque se morrem, não são soldados dos Estados Unidos e, se fazem algo errado, a responsabilidade tampouco recai sobre os Estados Unidos. No caso da DynCorp que faz as fumigações de supostas culturas de amapola e coca, na Colômbia há um processo internacional porque fumigaram parte do Equador. Mas a empresa alega que eles não podem dizer nada porque parte de seu contrato é não dar informação a terceiros. O contrato vem do Pentágono. Então, se um congressista lhe solicita prestação de contas , o Pentágono apresenta o contrato e diz: eles fazem estas tarefas. Se faz algo mais não podemos controlá-la porque é uma empresa privada.

P12 - Estas empresas, geralmente estadunidenses, são contratadas pelo Pentágono?
DA - A maioria. De fato, a maior parte do financiamento vem dos Estados Unidos. Do gasto militar no âmbito mundial os Estados Unidos executa a metade. Há empresas também na Europa, empresas russas, na Ásia. Mas as dos Estados Unidos só trabalham sob o consenso do Pentágono. Pode ser que treinem o exército da Coréia do Sul, mas com o de acordo do Pentágono. As empresas russas ou outras de países do Leste, contrata-as quem tem dinheiro.

P12 - Como convive o exército norteamericano com as CMPs?
DA - Depende de que setores do exército falemos. No campo concreto provavelmente haja conflitos, já que os empregados dessas empresas de segurança costumam ganhar mais do que os soldados. Trabalham em assuntos de maior risco com menos segurança. Porém trabalhar juntos funciona muito bem porque as empresas de segurança são fundadas e organizadas por ex-membros do exército dos Estados Unidos. Também muitos políticos são donos ou copartícipes dessas empresas. Há empresas como a MPRI, fundada por generais dos Estados Unidos da primeira guerra contra o Iraque, que estiveram durante um tempo nas reuniões do Pentágono. Há ligações pessoais muito estreitas. A Eagle Aviation Services and Technology (EAST), que prestou serviços à CIA nos anos 80, é a encarregada do transporte de maquinaria no marco do Plano Colômbia e do Plano anti drogas na América do Sul.

P12 - Quanto dinheiro movimentam estas empresas?
DA - É um negócio que deve estar movimentando ao redor de 150 a 200 bilhões de dólares por ano no mundo. As pequenas foram compradas pelas maiores, movimentam muito dinheiro, várias têm cotação na Bolsa. Tornou-se um mega negócio no qual participam empresas que trabalham em outros campos. Mas também há ligações entre empresas transnacionais de recursos naturais como petrolíferas e mineradoras.

P12 - Pode nos dar um exemplo?
DA - Na guerra no Congo, antes que Laurent Cavila ganhasse, havia mineradoras transnacionais que pagavam a mercenários ou a empresas militares privadas para acompanhar as diferentes facções. Uma vez liberado um território mineiro, já havia engenheiros e as CMPs com as mineradoras tinham o controle do território e faziam um acordo com a facção ganhadora para explorar a jazida.

P12 - Como é a contratação das CMPs?
São contratadas para fazer trabalhos. E esse também é outro assunto para escapar do controle. A lei norteamericana estabelece que todos os contratos que superem 50 milhões de dólares têm que ser aprovados pelo Congresso. Normalmente fracionam-se os contratos para que sejam inferiores e o Congresso nem se intera desses contratos ou do que estejam fazendo essas missões. É a possibilidade de os Estados Unidos fazerem intervenções militares em outros países sem que apareçam como tais, porque não são seus soldados que atuam. Todos sabemos o impacto público que causa a imagem dos soldados mortos com a bandeira yankee que regressam aos Estados Unidos. Isso não acontece se morre um empregado de uma empresa privada: não causa indignação pública porque é como se morresse um empregado da IBM em Cingapura. Ninguém se importa com isso. No Iraque pode-se estimar que haja morrido, no mínimo, dois mil empregados das CMPs. Isso ajuda a manter o número de baixas num nível baixo.