domingo, 20 de abril de 2014

Pensatas de domingo



O governo Chávez possuiu um discurso bastante ancorado na força da lei. Ao ser eleito, em 1998, uma das primeiras medidas foi a de convocar um referendo para que se aprovasse a abertura de uma Assembleia Constituinte - uma das promessas de campanha era a revisão da Constituição. O objetivo era lançar as bases de um novo modelo que se opunha àquele consagrado pela a IV República, com o regime do Punto Fijo¹, e que garantisse o amparo legal para algumas das transformações que se pretendia fazer.

A ampla participação da sociedade civil durante o processo de redação da Constituição de 1999 e a sua aprovação em referendo lhe garantiram profunda identificação com o povo. Há, por isso, um grande apego à Constituição que se expressa, por exemplo, no fenômeno que é os “vendedores de leyes” das ruas de Caracas. Podemos encontrá-los em várias esquinas vendendo a Constituição em formato de bolso, junto com várias outras leis (de trabalho, de seguridad social, dos consejos comunales, de trânsito, de comércio, de transporte, entre outras). A Constituição e as leis tornaram-se símbolos de uma nova pátria.

Deste modo, o bolivarianismo e o socialismo do século XXI estão fortemente atrelados a esse pressuposto constitucional e ao seu amparo legal.

No entanto, apesar de todas essas premissas e pressupostos democráticos, o governo bolivariano provoca uma série de reações na sociedade civil, principalmente entre os antigos setores que mantinham posições privilegiadas no regime que o antecedeu.

Este ponto, em particular, merece uma atenção maior na medida em que desde o primeiro ano do governo, Chávez se viu envolto por uma guerra midiática sem precedentes no país e estranha a muitas democracias latinoamericanas. Nos canais de televisão e nos jornais são recorrentes, até hoje, críticas severas ao presidente que questionam desde a sua masculinidade em suas relações com Fidel Castro até os equívocos da política econômica. O ápice desta relação conflituosa foi o Golpe de Estado de 2002, no qual a mídia, destacadamente televisiva, teve um papel protagonista. Ainda assim, àquela altura, mesmo com o golpe, o governo não interveio nas emissoras. A medida mais radical foi a não renovação da concessão da RCTV por esta ter mantido uma postura demasiadamente ofensiva em relação ao governo, incitando a violência – diferente dos outros canais que flexibilizaram seus discursos, apesar de terem mantido uma postura crítica.

Para fazer oposição à mídia nativa, o governo investiu maciçamente num canal de televisão estatal. Como resultado, o que vemos hoje na Venezuela é, sobretudo, uma polarização entre a TV estatal (Venezolana de Televisión/VTV) e a Globovisión. Não há diálogos. São dois discursos paralelos que disputam a “hegemonia comunicacional” no país. Dois universos que não se enfrentam. Cada um possui seu público de telespectadores que, eventualmente, vão para as ruas tomar partido de um ou de outro lado por ocasião de medidas polêmicas implementadas pelo governo. A luta política se faz, na Venezuela, no interior da mídia e esta se comporta como sujeito político ou, segundo analistas, como “partido político”. Este é um elemento imprescindível para compreendermos os efeitos e os sentidos das políticas direcionadas pelo governo à mesma.

1. Considerado a democracia mais estável da América Latina, o Punto Fijo foi um acordo assinado entre as elites do país, em 1958, com a derrubada do então ditador Marcos Pérez Jiménez. O acordo consagrou um modelo de democracia representativa durante os 40 anos seguintes, um modelo no qual se prevalecia uma concepção de representação apurada principal e quase exclusivamente através de eleições regulares e com baixa participação popular.

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