O governo
Chávez possuiu um discurso bastante ancorado na força da lei. Ao ser eleito, em
1998, uma das primeiras medidas foi a de convocar um referendo para que se aprovasse
a abertura de uma Assembleia Constituinte - uma das promessas de campanha era a
revisão da Constituição. O objetivo era lançar as bases de um novo modelo que
se opunha àquele consagrado pela a IV República, com o regime do Punto Fijo¹, e que garantisse o amparo
legal para algumas das transformações que se pretendia fazer.
A ampla
participação da sociedade civil durante o processo de redação da Constituição
de 1999 e a sua aprovação em referendo lhe garantiram profunda identificação
com o povo. Há, por isso, um grande apego à Constituição que se expressa, por
exemplo, no fenômeno que é os “vendedores
de leyes” das ruas de Caracas. Podemos encontrá-los em várias esquinas
vendendo a Constituição em formato de bolso, junto com várias outras leis (de
trabalho, de seguridad social, dos consejos comunales, de trânsito, de
comércio, de transporte, entre outras). A Constituição e as leis tornaram-se
símbolos de uma nova pátria.
Deste modo,
o bolivarianismo e o socialismo do
século XXI estão fortemente atrelados a esse pressuposto constitucional e ao seu
amparo legal.
No entanto,
apesar de todas essas premissas e pressupostos democráticos, o governo
bolivariano provoca uma série de reações na sociedade civil, principalmente
entre os antigos setores que mantinham posições privilegiadas no regime que o
antecedeu.
Este ponto,
em particular, merece uma atenção maior na medida em que desde o primeiro ano
do governo, Chávez se viu envolto por uma guerra midiática sem precedentes no
país e estranha a muitas democracias latinoamericanas. Nos canais de televisão
e nos jornais são recorrentes, até hoje, críticas severas ao presidente que
questionam desde a sua masculinidade em suas relações com Fidel Castro até os
equívocos da política econômica. O ápice desta relação conflituosa foi o Golpe
de Estado de 2002, no qual a mídia, destacadamente televisiva, teve um papel
protagonista. Ainda assim, àquela altura, mesmo com o golpe, o governo não
interveio nas emissoras. A medida mais radical foi a não renovação da concessão
da RCTV por esta ter mantido uma postura demasiadamente ofensiva em relação ao
governo, incitando a violência – diferente dos outros canais que flexibilizaram
seus discursos, apesar de terem mantido uma postura crítica.
Para fazer
oposição à mídia nativa, o governo investiu maciçamente num canal de televisão
estatal. Como resultado, o que vemos hoje na Venezuela é, sobretudo, uma
polarização entre a TV estatal (Venezolana
de Televisión/VTV) e a Globovisión.
Não há diálogos. São dois discursos paralelos que disputam a “hegemonia
comunicacional” no país. Dois universos que não se enfrentam. Cada um possui
seu público de telespectadores que, eventualmente, vão para as ruas tomar
partido de um ou de outro lado por ocasião de medidas polêmicas implementadas
pelo governo. A luta política se faz, na Venezuela, no interior da mídia e esta
se comporta como sujeito político ou, segundo analistas, como “partido
político”. Este é um elemento imprescindível para compreendermos os efeitos e
os sentidos das políticas direcionadas pelo governo à mesma.
1. Considerado a democracia mais estável da América Latina, o Punto
Fijo foi um acordo assinado entre as elites do país, em 1958, com a derrubada
do então ditador Marcos Pérez Jiménez. O acordo consagrou um modelo de
democracia representativa durante os 40 anos seguintes, um modelo no qual se prevalecia
uma concepção de representação apurada principal e quase exclusivamente através
de eleições regulares e com baixa participação popular.
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