quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Lados opostos da realidade no mundo contemporâneo




Um já chegou ao poder e o outro talvez possa chegar. Andrés Manuel Lopes Obrador foi eleito para ser o próximo presidente do México e Jair Bolsonaro tenta ser o do Brasil. O sucesso político desses dois líderes nos diz muito do mundo de hoje. As diferenças entre o mexicano e o brasileiro são profundas e suas semelhanças, reveladoras. Suas origens, carreiras políticas, ideologias e propostas são radicalmente opostas, assim como seus estilos.
 
As diferenças entre o mexicano e o brasileiro são profundas e suas semelhanças, reveladoras. Suas origens, carreiras políticas, ideologias e propostas são radicalmente opostas, assim como seus estilos. Obrador é de esquerda e Bolsonaro, de direita, melhor dizendo de extrema direita. Obrador antagonizou os empresários, enquanto Bolsonaro promete uma política econômica liberal e também declarou uma feroz guerra sem trégua contra os criminosos, enquanto Obrador fala de uma anistia.

Bolsonaro gosta dos militares e Obrador, dos sindicalistas. Os meios de comunicação costumam caracterizar o Bolsonaro como homofóbico, misógino, sexista, racista e militarista. Naturalmente, é contra o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Obrador, por sua vez, evita marcar posição sobre esses temas e diz que “consultará o povo”. Jair Bolsonaro admira Donald Trump e detesta Hugo Chávez, enquanto Obrador é cuidadoso em sua relação com Trump, que habitualmente ofende os mexicanos.
   
Em uma de suas primeiras declarações, Marcelo Ebrard, escolhido por Obrador para ser chanceler, anunciou que o futuro governo tratará a crise venezuelana como um assunto interno daquele país e não intervirá em sua política doméstica. Já o general Hamilton Mourão, que será o vice-presidente do Brasil (se Bolsonaro vencer), disse que eles não reconhecerão o Governo de Nicolás Maduro e que apoiará uma mudança de regime na Venezuela.
  
As semelhanças de Obrador e Bolsonaro são tão interessantes como suas diferenças. Ambos são ouvidos graças a tendências globais que estão rompendo com a política e com os políticos tradicionais em todo lugar. Os dois se apresentam aos eleitores como outsiders, como políticos excluídos e até agora vitimizados pelo que Obrador chama de “as máfias do poder”. Suas campanhas se baseiam no ataque impiedoso a um sistema com o qual, segundo eles, nada tem a ver. Esta última alegação, é claro, não é verdadeira. Ambos são políticos profissionais de longa trajetória. Obrador militou desde jovem no hegemônico “Partido Revolucionário Institucional” (PRI), onde ocupou importantes cargos. Durante cinco anos, governou a populosa capital do México e foi candidato presidencial nas últimas três eleições. Bolsonaro, por sua vez, foi deputado por quase três décadas e três de seus filhos já são políticos.
  
Mas o fato de que ambos se apresentem como candidatos “antissistema” não tem nada de incomum. É o que é preciso fazer para ganhar eleições nos tempos atuais. É uma tendência mundial. Reina a antipolítica, a rejeição popular a todos os líderes e partidos que tenham estado perto do poder. Não é surpreendente, portanto, que os políticos estejam se disfarçando de novos e de pessoas sem culpa nenhuma pelos males dos quais já estão fartos os eleitores −cujo mantra, já universal, é: “Fora com todos”. Sob essa perspectiva, Obrador e Bolsonaro são candidatos normais.
  
Lamentavelmente, nestes tempos também se tornou normal que ganhem eleições candidatos que mostram uma profunda antipatia pelas normas e instituições que limitam o poder do presidente. Minar a independência do Congresso, encher o Poder Judiciário de juízes amigos, atacar os meios de comunicação críticos do governo, criar canais alternativos de comunicação que são favoráveis ao presidente, assim como usar de forma abundante e frequente mentiras que inflamam e fomentam a polarização são, tristemente, parte do menu político que vemos da Hungria à Tailândia e dos Estados Unidos à Turquia.
  
Tanto Bolsonaro como Obrador tiveram atuações e disseram coisas que revelam que, também nesse aspecto, são políticos normais destes tempos. Esta guerra mundial que busca debilitar os pesos e contrapesos que limitam o poder presidencial se beneficia muito da profunda desilusão que os eleitores demonstram aparentemente em relação à democracia; mas na verdade ao sistema capitalista. Mais da metade dos brasileiros afirmam que aceitariam um governo não democrático se “resolvesse os problemas”. As mesmas atitudes são notadas no México.
  
A busca do proverbial homem forte que seja novo, lute contra a corrupção e os criminosos e dê esperança à sociedades traumatizadas por terríveis níveis de violência domina as preferências dos eleitores no Brasil e México. Oferecer-se como o messias salvador da pátria rende mais votos que falar de instituições que limitam o poder presidencial e protegem o cidadão, independentemente de quem seja o presidente. Isto foi bem entendido por Bolsonaro e Obrador.



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