domingo, 5 de fevereiro de 2012

Pensatas de domingo. “Contribuição à Crítica da Economia Política”


O texto a seguir, escrito em 1859, eu copiei (1) do Boletim 59 da revista Controvérsia (http://www.controversia.com.br). Há pequenas diferenças entre este livro e a primeira seção de O Capital: "Mercadoria e Dinheiro" que condensou o conteúdo deste Contribuição à Crítica da Economia Política.
Marx começa neste falando da diferença entre “valor de uso” e “valor de troca”, enquanto que em O Capital começa a partir da diferença entre “valor de uso” e, na verdade o “valor trabalho”, para depois comentar o “valor de troca”.
Trata-se de diferença de ordem na hora de expor: neste Contribição..., a mercadoria tem “valor de uso”, e quando é trocada, a é por outras mercadorias (ou dinheiro), estando assim dentro de relações de troca, e, consequentemente nas relações sociais. E dentro da sociedade as pessoas trabalham, e assim nasce o valor (valor do trabalho) que é mais importante que o “valor de uso” e o “valor de troca”.
Que tal ler... E pensar neste domingo?

“Considero o sistema da economia burguesa por esta ordem: capital, propriedade fundiária, trabalho assalariado; Estado, comércio externo, mercado mundial. Sob as três primeiras rubricas investigo as condições econômicas de vida das três grandes classes em que se decompõe a sociedade burguesa moderna; a conexão das três outras rubricas salta à vista.”
Karl Marx

“A primeira seção do livro primeiro, que trata do capital, consiste dos seguintes capítulos:
1.    a mercadoria;
2.    o dinheiro ou a circulação simples;
3.    o capital em geral.
Os dois primeiros capítulos formam o conteúdo do presente fascículo. Tenho diante de mim todo o material sob a forma de monografias, as quais foram redigidas, em períodos que distam largamente uns dos outros, para minha própria compreensão, não para o prelo, e cuja elaboração conexa segundo o plano indicado dependerá de circunstâncias exteriores.
Suprimo uma introdução geral que tinha esboçado porque, refletindo mais a fundo, me parece prejudicial toda a antecipação de resultados ainda a comprovar, e o leitor que me quiser --de fato seguir-- terá de se decidir a ascender do singular para o geral. Algumas alusões ao curso dos meus próprios estudos políticoeconómicos poderão, pelo contrário, ter aqui lugar.
O meu estudo universitário foi o da jurisprudência, o qual, no entanto, só prossegui como disciplina subordinada a par de filosofia e história. No ano de 1842/43, como redator da Rheinische Zeitung, vi-me pela primeira vez, perplexo, perante a dificuldade de ter tambem de dizer alguma coisa sobre o que se designa por interesses materiais. Os debates do Landtag Renano sobre roubo de lenha e parcelamento da propriedade fundiária, a polêmica oficial que Herr Von Schaper, então Oberprásident da província renana, abriu com a Rheinische Zeitung sobre a situação dos camponeses do Mosela, por fim as discussões sobre livre cambismo e tarifas alfandegárias protecionistas deram-me os primeiros motivos para que me ocupasse com questões econômicas. Por outro lado, tinha-se nesse tempo — em que a boa vontade de "ir adiante" repetidas vezes contrabalançava o conhecimento das questões — tornado audível na Rheinische Zeitung um eco do socialismo e comunismo francês, sob uma tênue coloração filosófica. Declarei-me contra esta remendaria, mas ao mesmo tempo confessei abertamente, numa controvérsia com a Allgemeine Augsburger Zeitung, que os meus estudos até essa data não me permitiam arriscar eu próprio qualquer juízo sobre o conteúdo das orientações francesas. Preferi agarrar a mãos ambas a ilusão dos diretores da Rheinische Zeitung, que acreditavam poder levar a anular a sentença de morte passada sobre o jornal por meio de uma atitude mais fraca deste, para me retirar do palco público e me recolher ao quarto de estudo.
O primeiro trabalho, empreendido para resolver as dúvidas que me assaltavam, foi uma revisão crítica da filosofia do direito que Hegel, um trabalho cuja introdução apareceu nos Deutsch-Französische Jahrbücher publicados em Paris em 1844. A minha investigação desembocou no resultado de que relações jurídicas, tal como formas de Estado, não podem ser compreendidas a partir de si mesmas nem a partir do chamado desenvolvimento geral do espírito humano, mas enraízam-se, isso sim, nas relações materiais da vida, cuja totalidade  Hegel, na esteira dos ingleses e franceses do século XVIII, resume sob o nome de"sociedade civil", e de que a anatomia da sociedade civil se teria de procurar, porém, na economia política. A investigação desta última, que comecei em Paris, continuei em Bruxelas, para onde me mudara em consequência duma ordem de expulsão do Sr. Guizot. O resultado geral que se me ofereceu e, uma vez ganho, serviu de fio condutor aos meus estudos, pode ser formulado assim sucintamente: na produção social da sua vida os homens entram em determinadas relações, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada etapa de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. A totalidade destas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se ergue uma superstrutura jurídica e política, e à qual correspondem determinadas formas da consciência social. O modo de produção da vida material é que condiciona o processo da vida social, política e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, inversamente, o seu ser social que determina a sua consciência. Numa certa etapa do seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que é apenas uma expressão jurídica delas, com as relações de propriedade no seio das quais se tinham até aí movido. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações transformam-se em grilhões das mesmas. Ocorre então uma época de revolução social. Com a transformação do fundamento econômico revoluciona-se, mais devagar ou mais depressa, toda a imensa superstrutura. Na consideração de tais revolucionamentos tem de se distinguir sempre entre o revolucionamento material nas condições econômicas da produção, o qual é constatável rigorosamente como nas ciências naturais, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em suma, ideológicas, em que os homens ganham consciência deste conflito e o resolvem. Do mesmo modo que não se julga o que um indivíduo é pelo que ele imagina de si próprio, tampouco se pode julgar uma tal época de revolucionamento a partir da sua consciência, mas se tem, isso sim, de explicar esta consciência a partir das contradições da vida material, do conflito existente entre forças produtivas e relações de produção sociais. Uma formação social nunca decai antes de estarem desenvolvidas todas as forças produtivas para as quais é suficientemente ampla, e nunca surgem relações de produção novas e superiores antes de as condições materiais de existência das mesmas terem sido chocadas no seio da própria sociedade velha. Por isso a humanidade coloca sempre a si mesma apenas as tarefas que pode resolver, pois que, a uma consideração mais rigorosa, se achará sempre que a própria tarefa só aparece onde já existem, ou pelo menos estão no processo de se formar, as condições materiais da sua resolução. Nas suas grandes linhas, os modos de produção asiático, antigo, feudal e, modernamente, o burguês podem ser designados como épocas progressivas da formação econômica e social. As relações de produção burguesas são a última forma antagônica do processo social da produção, antagônica não no sentido de antagonismo individual, mas de um antagonismo que decorre das condições sociais da vida dos indivíduos; mas as forças produtivas que se desenvolvem no seio da sociedade burguesa criam, ao mesmo tempo, as condições materiais para a resolução deste antagonismo. Com esta formação social encerra-se, por isso, a pré história da sociedade humana.
Friedrich Engels, com quem mantive por escrito uma constante troca de ideias desde o aparecimento do seu genial esboço para a crítica das categorias económicas (nos Deutsch-Französi-sche Jahrbücher), tinha chegado comigo, por uma outra via (comp. a sua Situação da Classe Operária em Inglaterra), ao mesmo resultado, e quando, na Primavera de 1845, ele se radicou igualmente em Bruxelas, decidimos esclarecer em conjunto a oposição da nossa maneira de ver contra a [maneira de ver] ideológica da filosofia alemã, de fato ajustar contas com a nossa consciência [Gewissen] filosófica anterior. Este propósito foi executado na forma de uma crítica à filosofia pós hegeliana. O manuscrito, dois grossos volumes, chegara havia muito ao seu lugar de publicação na Westefalia quando recebemos a notícia de que a alteração das circunstâncias não permitia a impressão do livro. Abandonamos o manuscrito à crítica roedora dos ratos de tanto melhor vontade quanto havíamos alcançado o nosso objetivo principal — autocompreensão. Dos trabalhos dispersos em que apresentamos então ao público as nossas opiniões, focando ora um aspecto ora outro, menciono apenas o Manifesto Comunista,redigido conjuntamente por Engels e por mim, e um Discours sur le libre échange publicado por mim. Os pontos decisivos da nossa maneira de ver foram primeiro referidos cientificamente, se bem que polemicamente, no meu escrito editado em 1847, e dirigido contra Proudhon, Misere de la philosophie, etc. Um estudo escrito em alemão sobre o Trabalho Assalariado, em que juntei as minhas conferências sobre este assunto proferidas na Associação dos Operários Alemães em Bruxelas foi interrompido no prelo pela Revolução de Fevereiro e pelo meu afastamento forçado da Bélgica ocorrido em consequência da mesma.
A publicação da Neue Rheinische Zeitung em 1848 e 1849, e os acontecimentos que posteriormente se seguiram interromperam os meus estudos econômicos, os quais só puderam ser retomados em Londres no ano de 1850. O material imenso para a história da economia política que está acumulado no British Museum, o ponto de vista favorável que Londres oferece para a observação da sociedade burguesa, [e] finalmente o novo estádio de desenvolvimento em que esta última pareceu entrar com a descoberta do ouro da Califórnia e da Austrália determinaram-me a começar de novo tudo de princípio e a trabalhar criticamente o novo material. Estes estudos conduziram, em parte por si mesmos, a disciplinas aparentemente muito distanciadas em que eu tinha de permanecer menos ou mais tempo. Mas o tempo ao meu dispor era nomeadamente reduzido pela necessidade imperiosa de uma actividade remunerada. A minha colaboração, agora de oito anos, no primeiro jornal angloamericano, o New-York Tribune, tornou necessária, como só excepcionalmente me ocupo com correspondência jornalística propriamente dita, uma extraordinária dispersão dos estudos. Entretanto, [os] artigos sobre acontecimentos econômicos notórios na Inglaterra e no Continente constituíam uma parte tão significativa da minha colaboração que fui obrigado a familiarizar-me com pormenores práticos que ficam fora do âmbito da ciência da economia política propriamente dita.
Este esboço sobre o curso dos meus estudos na área da economia política serve apenas para demonstrar que as minhas opiniões, sejam elas julgadas como forem e por menos que coincidam com os preconceitos interesseiros das classes dominantes, são o resultado duma investigação conscienciosa e de muitos anos. À entrada para a ciência, porém, como à entrada para o inferno, tem de ser posta a exigência:
Qui si convien lasciare ogni sospetto
Ogni viltà convien che qui sia morta...”
   
Karl Marx
Londres, janeiro de 1859

O texto continua em: http://www.marxists.org/portugues/marx/1859/contcriteconpoli/obra-alternativa.htm 

1. No entanto, tive um certo trabalho em verter o texto extraído do MIA (Marxists Internet Archives) no português de Portugal para o português do Brasil.

8 comentários:

André Setaro disse...

O conhecimento das ideias de Karl Marx, caro Jonga, caro Oliva, caro Jaoli Pinheiro, caro Hulot (pensei em 'As oito vítimas', com Alec Guinness) deu-lhe armas e bagagens para melhor compreender a sociedade e as suas contradições, que se aceleram, como previu o velho barbudo, na contemporaneidade.

Mas, mudando de assunto, Salvador está um caos, com um assassinato por hora, vandalismos, saques a lojas e supermercados, ninguém pode sair à rua sob pena de levar, na cara, um belo e cinematográfico tiro. Mas isso tem tudo a ver com as previsões de Marx. Gosto dos dois: de Karl e de Groucho.

Jonga Olivieri disse...

Sim sr. dr. professor... Estás coberto de sabedoria quando referes que Marx tinha razão.

E eu diria mais: o Velho foi certeiro na análise do sistema, que, se mudou em alguns aspectos de sua infraestrutura, não se alterou na sua essência... O lucro. E mais, o lucro sobre a "mais valia" do trabalhador.

PS - fico triste quando tenho notícias de aí! A terra encantada de Salvador...

Joelma disse...

E Marx, ninguém como ele, conseguiu depurar o sistema como ele é. A partir de um raciocíbio dialético Hegeliano e das análises de Ricardo.

Jonga Olivieri disse...

E assim o velho Marx, entre uma cervejota e outra escreveu aquilo tudo...

Nun'Alvares disse...

Então corrigistes do meu português para o teu?
Ficou menos fácil para mim!
Mas, naturalmente que entendemos mais a língua falada aí, pois há muitas novelas brasileiras a passar por aqui!

Jonga Olivieri disse...

Coisas da vida... Ó Nuno!

Mário disse...

Muito boa Pensata! Valeu!

Jonga Olivieri disse...

Falou, Mário...