Silvio Mota, 68, peito colado aos escudos dos policiais do choque em Fortaleza |
Políticos
tradicionais não teem ideia de como agir diante de um movimento que ainda não
deu sinais de esvaziamento. Aqueles que esperavam que as ruas fossem
desocupadas depois de poucos dias de protestos e algumas concessões, convenceram-se
que as manifestações continuaram (e continuam) firmes e contrárias a qualquer interferência
dos partidos políticos inseridos no sistema. O curioso é que, de uma hora para
outra, como num terremoto, as massas começaram a sair para protestar nas ruas carregando
as mais diversas bandeiras e reivindicações. Coisa que não tinha nada a ver com
as tradições de luta locais.
Por outro lado a maneira como as redes de televisão (principalmente a Globo)
realizam a cobertura, com comentários focados sobre os “atos de vandalismo”,
contribuíram para criar a noção de um verdadeiro clima de “guerrilha urbana”. Na
realidade, está cada vez mais evidente que este chamado “vandalismo” é liderado
por provocadores ligados à direita (1), a marginais isolados ou ao tráfico de
drogas; sendo que houve muitos “arrastões” e assaltos nas passeatas. Em São
Paulo, na noite em que a prefeitura foi cercada, pequenos grupos saíram depredando
lojas... Inclusive uma joalheria. Sim, uma joalheria... Sugestivo, não?
Neste século 21, a sociedade brasileira
é muito mais complexa, até porque muito mais urbanizada. Porém, diante de
manifestações coletivas embasadas em candentes questões urbanas, muitos governadores
e/ou prefeitos preferiram simplesmente enviar as Tropas de Choque das truculentas
Polícias Militares (PMs), tropas que já deveriam ter sido extintas, sendo, em
sua essência e formatação, fascistas; e algumas testemunhas e/ou vítimas da
violenta repressão compararam-na mesmo à dos tempos da ditadura militar
(1964/1985).
Representantes do MPL (Movimento Passe
Livre) disseram nesta 5ª feira (27) desconfiar que a Polícia Militar infiltre
agentes para incitar o quebra-quebra nos protestos (2).
O que fica é a conclusão de que tudo o que presenciamos neste “despertar
do gigante” foi uma “porrada” nos oportunistas, “come-quietos” e até em nós
mesmos, uma população passiva, que, ao longo de décadas, assistiu à própria
exploração sem protestar.
E no momento histórico em que a pauta
dos novos movimentos anticapitalistas (em todo o mundo) passa pelo protesto
contra as corporações transnacionais que exploram pessoas e países, acordos de
comércio desiguais, condições de trabalho injustas, a destruição do modo de
vida de indígenas e camponeses, a criminalização dos pobres, e a lógica
econômica neoliberal globalizada, vemos o povo brasileiro finalmente chegar ao novo
século.
A realidade é que, ao que tudo parece,
aprendemos a protestar... As manifestações que começaram motivadas por um motivo,
tem hoje uma extensa pauta!
As vozes das ruas estão a dar o seu recado, e, o mais importante, conseguiram
resultados significativos. Os preços das passagens de ônibus, metrôs e trens, o
estopim da crise, baixaram em cerca de uma semana nas principais capitais. Na
reunião de Dilma Rousseff com governadores e prefeitos no Palácio do Planalto, na
última 2ª feira (24), a presidente anunciou a apresentação de cinco pactos
nacionais, tendo como alvos: a responsabilidade fiscal, a reforma política, a
mobilidade urbana, a saúde e a educação. No item reforma política, Dilma propôs
tambem um plebiscito para criar uma Constituinte exclusiva para a reforma política,
o que gerou polêmica entre os muitos setores, inclusive a OAB (Ordem dos
Advogados do Brasil), que julgaram não haver necessidade de uma Constituinte, e
sim de um processo normal para a tramitação da questão no Congresso e um
plebiscito em que o povo possa opinar.
Após a reunião da presidente Dilma
Rousseff (no mesmo dia) com integrantes do MPL (Movimento Passe Livre) de São
Paulo –responsável pela convocação dos atos contra o aumento da tarifa dos
transportes públicos–, o ministro das Cidades, Aguinaldo Ribeiro, que também
participou do encontro, falou que a qualidade do transporte público no Brasil é
de "má qualidade" e "deficiente". "A qualidade é
deficiente", disse em entrevista coletiva após o evento. E mais, admitiu que
muito pouco se fez pelos transportes coletivos no Brasil ao declarar: "Passamos
mais de 30 anos sem investir em mobilidade urbana no país. Foi retomado esse
investimento agora."
Em pronunciamento em cadeia nacional de
rádio e televisão, dona Dilma disse que os representantes dos movimentos podem
e devem contribuir para o debate. "Anuncio que vou receber os líderes das
manifestações pacíficas, os representantes das organizações de jovens, das
entidades sindicais, dos movimentos de trabalhadores, das associações
populares. Precisamos de suas contribuições, reflexões e experiências, de sua
energia e criatividade, de sua aposta no futuro e de sua capacidade de
questionar erros do passado e do presente."
E completou: "O povo tem que ser
ouvido para que tenhamos um sistema político legítimo, que seja expressão maior
da posição dos brasileiros. Achamos fundamental que a reforma política passe
por um processo de ampla discussão com a sociedade.” Quer dizer, no jargão “popular”,
abriu as pernas... Sob a pressão popular!
E por que, senão consequência dessa surpreendente
pressão popular, o Ministro da Saúde anunciou na terça-feira (25) que abrirá 12
mil vagas de residência médica em todas as especialidades em quatro anos... A
medida pretende zerar o déficit da demanda em relação ao número de formados em
medicina.
No mesmo dia os parlamentares aprovaram
em regime de urgência um projeto que destina 75% dos royalties do petróleo para a educação e 25% para a saúde. E, tambem
em regime de urgência, com o plenário lotado pelo povo), colocou em o veto à
PEC 37 (413 votos vetaram, apenas nove foram a favor da proposta e duas
abstenções), atendendo aos protestos e às posições da maioria dos manifestantes
que nas ruas veem protestando. Um mês antes, a posição era oposta tanto no Senado
como na Câmara.
E o Plenário do Senado aprovou no dia 27
(quinta-feira), o projeto que inclui a corrupção ativa e passiva no rol de
crimes hediondos. De autoria do senador Pedro Taques (PDT-MT), a proposta
faz parte da agenda legislativa elaborada para atender o que os senadores batizaram
de “clamor das ruas”.
Em acontecimento inédito, o Congresso
Nacional está trabalhando em ritmo frenético dia e noite (madrugada adentro) na
época das festas juninas, quando por hábito passava por um recesso não oficial.
E mais: no dia 26 (4ª feira) não fechou nem para assistir ao jogo Brasil x
Uruguai, semifinal da Copa das Confederações. Teem sido dezenas de propostas de
emendas, todas ligadas às reivindicações das massas, inclusive o passe livre
para estudantes em ônibus, trens e metrôs (uma das reivindicações do MPL); que
já funciona aqui no Rio de Janeiro, mas não vigora em todo o país.
Ficou claro que o “esporte bretão” não
consegue mais “entorpecer” o povo brasileiro, como nos tempos da ditadura
militar, quando foi farta e com sucesso usado como o “ópio do povo”...
E essas massas, inclusive questionaram claramente –em pleno “país
do futebol”–, os gastos excessivos com as obras pelas copas das Confederações
(2013) e do Mundo (2014), cujo ponto de partida foi o preço de um bilhão e meio
de reais somente com a reconstrução da Arena Mané Garrincha em Brasília; mas
que se ampliam à corrupção deslavada em propinas das empreiteiras em obras
públicas.
Nos dias das semifinais da Copa das
Confederações, tanto em Belo Horizonte, na 4ª feira (26) como em Fortaleza, no
dia seguinte, houve protestos, feridos, mortes e carros incendiados.
Ontem um grupo bloqueou a Av. Paulista
pedindo a saída de Marin, o atual presidente da CBF (Confederação Brasileira de
Futebol). E protestos estão marcados para hoje nas imediações do Maracanã, onde
Brasil e Espanha disputarão a final da Copa das Confederações.
Mas afinal, o que é o mais importante em tudo isso?
O que ficou marcado foi que este movimento surgiu literalmente
de baixo para cima, coisa pouco ou quase nunca vista num país dominado (desde
os tempos de colônia) pelos “conchavos” e pelas elites (sempre de cima para
baixo).
Prova cabal de que este não é apenas
um movimento, mas algo que pode se tornar de fato um “novo tempo”, capaz de
inverter a ordem social desumana que condena os brasileiros a serem, como diria
Millôr Fernandes: “passageiros do planeta Terra com um péssimo serviço de
bordo”.
1.
Na casa de um dos presos em atos violentos foram encontradas armas e bandeiras
com a cruz suástica.
2.
Os protestos nas proximidades da “Arena Castelão”, 5ª feira (27) em Fortaleza, antes
do jogo Itália x Espanha transformaram a Av. Dedé Brasil, uma das principais
vias de acesso ao estádio, em campo de batalha. Torcedores com ingressos na mão
sofreram para furar o cordão de isolamento entre a Polícia Militar do Ceará e
manifestantes. No epicentro das manifestações, moradores da região disseram que
suas residências foram invadidas por policiais.