Transcrito do texto de Camila Nobrega
do Canal Ibase
Enviada a Bonn (Alemanha)
“Cercado de
jornalistas e curiosos de pelo menos 30 países, na noite desta segunda-feira
(17/6), o linguista e crítico político de renome mundial Avram Noam Chomsky, de
84 anos, caminhava lentamente para se retirar da plenária após sua palestra no
“Forum Global de Mídia” em Bonn (Alemanha). Estava acompanhado de seguranças e
assessores que tentavam manter todos afastados e não parecia disposto a
responder mais indagações. Em uma fileira formada ao lado dele, consegui gritar
uma pergunta. Ao ouvir as palavras “Turquia” e “Brasil”, Chomsky virou-se para
mim, respondendo-a:
- Embora
sejam protestos diferentes e com suas peculiaridades, as manifestações nos dois
países são tentativas de o povo recuperar a participação nas
decisões. É uma forma de ir contra o domínio dos interesses de grupos econômicos.
Acho ambos muito importantes e posso dizer que estou com os manifestantes
– disse o linguista, entusiasta do movimento “Occuppy”, declarando apoio ao movimento que toma as ruas de cidades
brasileiras e também aos manifestantes turcos.
Ele tem
razão ao tentar separar os dois movimentos. Embora semelhanças pareçam gritar
neste momento, devido ao cunho popular de ambos os protestos, são países
de contextos socioeconômicos e culturais muito diferentes. Qualquer tentativa
de relacioná-los pode ser leviana, se não forem tomadas as devidas ressalvas.
Mas, há, no
entanto, uma característica que une brasileiros e turcos neste momento: a
tentativa de recuperar diferentes formas de liberdade e mostrar que a sociedade
civil está acordada. Durante seu discurso para cerca de duas mil pessoas, entre
jornalistas, autoridades europeias e pesquisadores do mundo inteiro reunidos
para o fórum que ocorre até esta quarta-feira, na pequena cidade de
Bonn, Chomsky afirmou que a ocupação da praca Taksim é um microcosmo
da defesa dos bens comuns.
- Trata-se
de um movimento global contra a violência que ameaça a liberdade em diferentes
países. As pessoas estão indo às ruas para defender bens comuns, aqueles que
são compartilhados dentro das sociedades. O capitalismo baseado na massificação
de privatizações não compreende a gestão coletiva, aí está o problema. Os
movimentos que ocorrem neste momento são legítimos, na tentativa de recuperar a
participação popular na gestão destes bens.
O discurso
de Chomsky esteve centrado principalmente em uma crítica às estratégias de
desenvolvimento norteamericanas e ao poder das grandes corporações
multinacionais atualmente. Para o pensador, as privatizações de recursos
básicos, alicerces dos regimes neoliberais, alteram a relação dos cidadãos
com o mundo a sua volta e reduzem também a noção de bens comuns.
- Para
muitas sociedades, a propriedade privada se tornou aparentemente a única
possibilidade de divisão de territórios e recursos. Isso está
acabando com essa noção do que é comum – disse, ampliando a análise
para a participação social: – Existe um pensamento muito difundido em
sistemas políticos e econômicos pautados em ideais liberais que defende a
manutenção do poder de decisão nas mãos de poucas pessoas, que seriam o grupo
mais “bem preparado” da sociedade. Os demais seriam apenas espectadores. É
contra isso que alguns grupos estão lutando.
A base desse
pensamento parte de um dado bastante claro que Chomsky trouxe à tona: segundo
ele, 70% da população norteamericana, por exemplo, não tem qualquer influência
sobre a política nacional. Ou seja, a maioria da população não tem poder,
por exemplo, sobre políticas públicas que afetam suas vidas diariamente.
Autor de
mais de 70 livros e considerado um dos principais intelectuais vivos atualmente
(a quantidade de vezes que ele aparece em citações bibliográficas nos dias de
hoje se assemelha a de grandes filósofos, como Platão), Noam Chomsky é, na
verdade, um grande defensor da capacidade humana de criar e de se libertar de
estruturas de dominação. Seus pensamentos vieram a público no início da
decada de 1960, quando ele fez uma crítica aberta a outros linguistas, atacando
a noção de behaviorismo, segundo a
qual o ser humano aprende apenas por imitação. Chomsky defendia, já àquela
época, a existência de uma capacidade inata do ser humano de se expressar, de
diferentes formas.
Ao longo dos
anos, ele foi adaptando este pensamento a um contexto político e se tornou um
dos mais vorazes criticos do sistema politicoeconômico e também cultural dos
Estados Unidos. Nascido na Filadélfia, ele se tornou uma voz dissonante dentro
do território norteamericano.
Frente a uma
platéia composta de pessoas vindas de todo o mundo para a conferência em Bonn,
mas majoritariamente de europeus, o discurso de Chomsky pareceu soar um
pouco anacrônico. Foi o que se ouviu nos corredores. Não foi essa a
interpretação, porém, de participantes vindos de países africanos em
desenvolvimento. Não houve também anacronismo para os representantes
turcos que estão por aqui, ou de outras pessoas vindas da região que vive
hoje a Primavera Árabe. Para estes grupos, nos quais
o Brasil parece se incluir, uma fala de Chomsky ecoou:
- O termo
democracia pode parecer óbvio para alguns, e aí está a ameaça. Há vários tipos
de democracia, várias formas de aplicação deste conceito. O que podemos pensar
é: este tipo de democracia onde a esmagadora maioria da população não tem
participação alguma é a que queremos?
Não é
preciso muito mais para explicar o porquê de os representantes brasileiros,
após o discurso de Chomsky, terem se sentado à mesa com turcos,
sulafricanos e outros representantes de países cujos projetos de democracia e
desenvolvimento estão sendo contestados neste momento. Observando de outro
continente as manifestações que estão parando cidades brasileiras nos
últimos dias, o discurso do linguista não parece nem um pouco anacrônico.”
4 comentários:
Noam Chomsky é uma das mais importantes expressões do pensamento de esquerda moderno! Adoro ele!
Quando Chomsky diz:
"O capitalismo baseado na massificação de privatizações não compreende a gestão coletiva, aí está o problema. Os movimentos que ocorrem neste momento são legítimos, na tentativa de recuperar a participação popular na gestão"
faz uma síntese de todo um raciocínio pelo que acontece neste sáculo 21!!!!!
Acho que ele tem toda razão quando diz que uma característica que une nós, brasileiros e os turcos neste instante que é a tentativa de recuperar formas de liberdade e demostrar que a sociedade civil está acordada....
Noam chomnsky foi dos intelectuais que mais apoiaram o "Occupy Wall Street"....
Tavim
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