O dia 13 de dezembro entrou para a história do Brasil há 45 anos com a implementação do Ato Institucional nº 5. Diferentemente do que se pode imaginar, no entanto, o símbolo do endurecimento da ditadura militar brasileira não foi uma medida intempestiva ou revanchista do presidente Arthur da Costa e Silva (1967-1969) contra o Congresso, pelo veto à abertura de processo contra o deputado opositor Márcio Moreira Alves¹.
A narrativa mais tradicional desse período da história diz que o ato foi
uma resposta à resistência da Câmara em processar Moreira Alves, que defendera,
meses antes, um boicote às comemorações de Sete de Setembro. “Seria necessário
que cada pai, cada mãe, se compenetrasse de que a presença dos seus filhos
nesse desfile é o auxílio aos carrascos que os espancam e os metralham nas
ruas”, disse o deputado na tribuna da Câmara. E, num trecho que ficou famoso:
“Aquelas que dançam com cadetes e namoram jovens oficiais. Seria preciso fazer
hoje, no Brasil, que as mulheres de 1968 repetissem as paulistas da Guerra dos
Emboabas e recusassem a entrada à porta de sua casa àqueles que
vilipendiam-nas.”
Mas o
documento que fechou o Poder Legislativo, extinguiu o habeas corpus e autorizou a
censura à imprensa já estava pronto muito antes do discurso de Moreira Alves e,
inicialmente, tinha conteúdo ainda mais repressivo do que o aprovado por Costa
e Silva.
Desde julho
de 1968, a cúpula civil e militar do governo discutia o recrudescimento da
legislação de exceção (“revolucionária”, conforme o discurso oficial) para
evitar o sucesso daquilo que chamavam “contrarrevolução”. O país vivia, desde a
morte do estudante Edson Luís, no restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro, em
março, uma grande onda de manifestações, que ao mesmo tempo se antecipou e se
alimentou do mítico Maio de 1968 francês.
Em duas
reuniões, em 11 e 16 de julho de 1968, os integrantes do Conselho de Segurança
Nacional foram chamados por Costa e Silva a opinar sobre o conteúdo de uma nova
medida, que teria o objetivo de interferir na cobertura da imprensa e conter a
subversão.
As discussões foram marcadas pela divergência entre dois presidentes do
Brasil: Costa e Silva e o então chefe do SNI (Serviço Nacional de Informações),
Emilio Garrastazu Médici. Já no início do primeiro encontro, registrado na ata
da reunião, Costa e Silva fez um alerta aos seus conselheiros:
Ao retomar a discussão cinco dias depois, o presidente foi ainda mais claro
em suas palavras. “Nós estamos aqui justamente para decidir se o momento impõe
medida de exceção ou não.”
A posição de Médici era a de que se tornava necessário tomar, “sem demora,
medidas concretas de segurança, agindo energicamente contra os elementos que
ameaçam a integridade do governo e causam desassossego popular”. De acordo com
o então chefe do SNI, o Brasil vivia uma guerra devido à “tentativa de
conquista do poder por forças subversivas”, algo que “não é exclusivo de nosso
país”.
O voto de Médici — favorável ao AI-5 já em julho de 1968 — foi
acompanhado por outros seis conselheiros, sendo a fala do ministro da
Aeronáutica, Marcio de Souza e Mello, aquela que mais claramente caracterizou
os objetivos dessa ala do governo. A defesa pela implementação do AI-5 já em
julho de 1968 não foi feita exclusivamente pelos ministros militares, como
parte da imprensa noticia até hoje. Luiz Antonio da Gama e Silva (Justiça),
Antonio Delfim Netto (Fazenda) e Ivo Arzua Pereira (Agricultura) também
apoiaram a criação de um Ato Institucional cinco meses antes do que realizado
por Costa e Silva.
Apesar de o AI-5 ter representado o endurecimento da ditadura
brasileira, a proposta apresentada em julho era ainda mais restritiva. De
acordo com o jornalista Carlos Chagas, no livro A Guerra das Estrelas
(1964/1984) – os bastidores das sucessões presidenciais, o ministro da
Justiça queria, além do fechamento do Congresso e da censura à imprensa, o
afastamento de todos os governadores e o recesso do STF (Supremo Tribunal Federal).
Na votação terminada em 16 de julho de 1968, o AI-5 perdeu por 11 a 7,
com as abstenções de Tarso de Moraes Dutra (Educação), Leonel Tavares Miranda
(Saúde), Afonso Augusto de Albuquerque Lima (Interior) e José Moreia Maia
(Chefe do Estado-Maior da Armada), que deram seus pareceres sem indicar um
posicionamento.
Apesar da “derrota” do Ato Institucional, o presidente Costa e Silva
deixou claro que a votação era apenas simbólica. “Não costumo fazer e não farei
votações para obter maioria. Quero ouvir cada um e então sofrerei sozinho o
ônus da decisão.”
Posteriormente,
o presidente fez uma observação específica sobre a relação de seu governo com a
imprensa. “Alguns elementos do governo, que têm trânsito livre em algumas
empresas [de comunicação], podem procurar convencer esses homens [diretores de
jornais], mas jamais o faremos pela força, jamais ordenaremos faça isso, aquilo
ou aquilo outro, pois seria proporcionar os elementos que tanto eles querem e
desejam para dizer que isto é uma ditadura. Não demos até hoje este motivo nem
esses elementos, e não o daremos.”
No final das contas, Costa e
Silva acabou cedendo e instituiu o AI-5 há exatos 45 anos. Na mesma noite,
censores entraram em ação e os jornais passaram a ser apreendidos e o
Congresso, fechado.
1. Integra do
discurso em 02/09/1968 do deputado Márcio Moreira Alves:
"Senhor presidente, senhores
deputados,
Todos reconhecem ou dizem
reconhecer que a maioria das forças armadas não compactua com a cúpula
militarista que perpetra violências e mantém este país sob regime de opressão.
Creio ter chegado, após os acontecimentos de Brasília, o grande momento da
união pela democracia. Este é também o momento do boicote. As mães brasileiras
já se manifestaram. Todas as classes sociais clamam por este repúdio à polícia.
No entanto, isto não basta.
É preciso que se estabeleça,
sobretudo por parte das mulheres, como já começou a se estabelecer nesta Casa,
por parte das mulheres parlamentares da Arena, o boicote ao militarismo. Vem aí
o sete de setembro.
As cúpulas militaristas procuram
explorar o sentimento profundo de patriotismo do povo e pedirão aos colégios
que desfilem junto com os algozes dos estudantes. Seria necessário que cada
pai, cada mãe, se compenetrasse de que a presença dos seus filhos nesse desfile
é o auxílio aos carrascos que os espancam e os metralham nas ruas. Portanto,
que cada um boicote esse desfile.
Esse boicote pode passar também,
sempre falando de mulheres, às moças. Aquelas que dançam com cadetes e namoram
jovens oficiais. Seria preciso fazer hoje, no Brasil, que as mulheres de 1968
repetissem as paulistas da Guerra dos Emboabas e recusassem a entrada à porta
de sua casa àqueles que vilipendiam-nas.
Recusassem aceitar aqueles que
silenciam e, portanto, se acumpliciam. Discordar em silêncio pouco adianta.
Necessário se torna agir contra os que abusam das forças armadas, falando e
agindo em seu nome. Creia-me senhor presidente, que é possível resolver esta
farsa, esta democratura, este falso impedimento pelo boicote. Enquanto não se
pronunciarem os silenciosos, todo e qualquer contato entre os civis e militares
deve cessar, porque só assim conseguiremos fazer com que este país volte à
democracia.
Só assim conseguiremos fazer com
que os silenciosos que não compactuam com os desmandos de seus chefes, sigam o
magnífico exemplo dos 14 oficiais de Crateús que tiveram a coragem e a
hombridade de, publicamente, se manifestarem contra um ato ilegal e arbitrário
dos seus superiores."
Fonte: Folha de São Paulo
4 comentários:
Demorou para postar esta excelente e muito oportuna pensata de hoje... parabéns!
Excelente!
Apesar do terrível Ato, sempre é bom recordar a fim de que não mais aconteça. Excelente postagem!
Depois de um tempo sem ler Novas Pensatas, revisito o Blog e encontro, mais uma vez, matéria importante e de valor. Parabéns pela permanência e determinação na denúncia e esclarecimento de fatos que não devem jamais serem repetidos na História do Brasil.
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