A pensata de hoje é um texto de Jorge Vital de Brito Moreira que continua
o da semana passada.
Escrevi no texto da semana passada (parte
1) que o objetivo central da nossa viagem pelos estados de Pernambuco e Bahia
era chegar no rio São Francisco (no velho Chico), ver a barragem do Sobradinho,
conhecer as obras de transposição do rio São Francisco e visitar a cidade e a
hidroelétrica de Paulo Afonso.
Informo ainda que a viagem a barragem do
Sobradinho, tinha um significado existencial-histórico especial para mim e para
o amigo Israel Pinheiro pois fazia aproximadamente 40 anos (1975 e 1976) que
tínhamos trabalhado para a população camponesa das antigas cidades de Santana
do Sobrado, Casa Nova, Sento Sé, Remanso
e Pilão Arcado. Naquele tempo, Israel e eu (dois jovens sociólogos formados
pela UFBa), tínhamos sido contratados, ele, pela EMATERBA, eu, pelo INCRA para informar e preparar a população local
para a moderna e dura realidade que sucederia: A Companhia
Hidro Elétrica do São Francisco (CHESF)
ia inundar as suas propriedades rurais com as aguas do Rio São
Francisco; a CHESF ia construir a Barragem do Sobradinho e produzir energia
elétrica para o país. Assim, era imprescindível que a população fosse
transferida com seus animais e pertences para Bom Jesus da Lapa, a famosa
cidade, nas margens do velho Chico no estado da Bahia.
No meu caso pessoal, a atual ida a
Barragem do Sobradinho, também oferecia um estimulo especial para a memória:
era uma oportunidade única para rever alguns dos lugares por onde passaram o
vapor e o rebocador que conduziam 31 famílias (162 pessoas), com seus objetos e
animais, durante a primeira viagem de transferência de Santana do Sobrado a Bom
Jesus da Lapa. Ainda lembro que eu e
Francisca (a assistente social do INCRA) formávamos a dupla escolhida para
serem os responsáveis pela segurança e bem estar social (transportação,
alimentação e saúde) das primeiras famílias que acreditaram na
CHESF/INCRA/EMATERBA, e embarcaram no vapor para viver nas casas e nas terras
prometidas pelo INCRA na cidade de Bom Jesus da Lapa.
Nesta recente viagem de carro, vivemos
alguns acontecimentos que também eram dignos de registro. Por exemplo,
estávamos regressando de Remanso e nos dirigíamos a Casa Nova. Era
aproximadamente 1 hora da tarde quando Gabriel, que pilotava o automóvel,
percebeu um estranho ruído nos pneus do carro. Depois de estacionar o veiculo
no acostamento, Gabriel e eu saímos para verificar qual das 4 rodas emitia o
estranho ruído. Descobrimos imediatamente que o pneu dianteiro direito estava
deformado pois continha agora três pequenos calombos, umas bolhas de ar na
parte externa do mesmo. Agora ficava claro que era necessário e urgente
encontrar o serviço de um borracheiro para resolver o problema.
Paramos o carro na primeira borracharia
que encontramos em Casa Nova. Pra nossa surpresa, o borracheiro (sentado ou
quase deitado numa rede de pano encardido) disse que o pneu estava bom, sem problemas, e que ainda podíamos rodar
muitos quilômetros naquela situação. Do meu ponto de vista, não dava pra
acreditar por um segundo nem por um metro naquele homem. Então, saindo da
oficina, disse pro pessoal: - Vamos
buscar uma segunda opinião; me parece que esse cabra da peste está com preguiça
e não está querendo deixar o conforto da
sua rede pra ganhar uns 20 ou 30 reais dando duro pra resolver nosso problema.
Na segunda borracharia, encontramos um
sujeito trabalhador: era um pernambucano que resolveu o nosso problema sem
pestanejar. Depois de tirar o pneu deformado da frente direita do carro, ele
colocou o pneu de socorro naquele lugar e o carro voltou a circular
satisfatoriamente: sem o ruído constrangedor de antes.
Este acontecimento me lembrou alguns
fatos, quando, naquele tempo longínquo, trabalhando na região como sociólogo,
podia observar que as roças dos agricultores pernambucanos eram mais limpas,
mas organizadas e mais bem cuidadas que as roças dos agricultores baianos.
Naquele tempo, o pessoal já comentava
que os pernambucanos eram mais caprichosos que os baianos.
Ainda que eu seja baiano da gema, a
comparação a favor da qualidade do trabalho dos pernambucanos, ainda continua
válida para mim: quando comparo, por exemplo, a qualidade do trabalho baiano
empregado para realizar o carnaval de Salvador (do trio elétrico e/ou das
medíocres fantasias a base das
ordinárias camisas de meia sem gola dos blocos e foliões) e a qualidade do
trabalho dos pernambucanos para realizar o carnaval de Recife (dos conjuntos
musicais e das sofisticadas fantasias carnavalescas exibidas no desfile do Galo
da Madrugada) as diferenças são impressionantes.
Outro exemplo significativo: basta com
atravessar a ponte sobre o rio São Francisco para darmos conta das grandes
diferenças que existem entre a cidade de Petrolina, em Pernambuco, e a cidade
de Juazeiro, na Bahia. Nas margens
pernambucanas, vemos uma cidade ampla, limpa, arejada e organizada, com grandes
avenidas e um trafego que flui racionalmente e sem engarrafamento. Nas margens
opostas, vemos uma cidade baiana medíocre, suja, pouco arejada, desorganizada,
com ruas estreitas e um trafego constantemente congestionado. Essa foi a
realidade atual que podemos observar entre as duas cidades.
Também escrevi no texto da semana passada
sobre alguns dos aspectos negativos que me surpreenderam na visita a cidade de
Salvador: ali destaquei a problemática (desordenada e caótica) ocupação do
espaço urbano e o miserável crescimento populacional (material e espiritual) da
população de baixa renda devido à péssima distribuição social da produção
interna e à proliferação de igrejas protestantes que contribuem para aumentar a
alienação e a ignorância do povo da
Bahia. (1)
Agora, gostaria de informar que também
experimentei muitos momentos extremamente gratificantes na cidade de Salvador.
Ali, pude reunir-me com um grupo de grandes amigos do peito e de geração: além
do amigo Israel Pinheiro, encontrei o Júlio, Tucha, Pavese, um amigo sociólogo
que trabalhou/trabalhamos juntos com a população ribeirinha e catingueira que
foram afetadas pela barragem do Sobradinho. Na cidade, também reencontrei o
amigo e cineasta, Edgard Reis Navarro Filho [diretor dos premiados filmes, O Superoutro (curta-metragem) e Eu me lembro (longa)], e o amigo,
sociólogo e cineasta sergipano, José Umberto Dias [diretor do celebrado filme O Anjo Negro e do recente filme Revoada (ambos de longa metragem)].
Reencontrei todos estes amigos não apenas individualmente mas pude me reunir
coletivamente com todos eles numa lanchonete conhecida como “Pãozinho Delicia”
no bairro da Pituba, de frente pro mar da Bahia. E foi um dos encontros mais
gratificantes que obtive na cidade em que nasci. Pude conseguir o mesmo tipo de
gratificação no fim de semana em que meus amigos cineastas Edgard Navarro, Zé
Humberto e eu fomos de carro à Praia do Forte, à Itacimirim e à Imbassai, para
passear, comer, e tomar banho de mar. Foi um passeio muito gostoso e
maravilhoso.
Em Salvador também pude reunir-me com os
professores Vitor e Norma Couto (dois irmãos da cidade de Parnaíba no Piauí;
queridos amigos de muitas jornadas) para tomar café, comer cuscuz e pamonha no
fim da tarde em frente do mar da Bahia, na lanchonete da “Perini”, na Pituba.
Foi um encontro saboroso e bem agradável.
(Continua)
1) Gostaria de
esclarecer que não tenho religião: não sou católico ou protestante; não
acredito em candomblé, macumba, nem em outra forma de religiosidade massiva que
vem sendo propagada pela estrutura de dominação politico-ideológico do sistema
capitalista atual. No entanto gostaria de afirmar que, na minha opinião, a
expansão colonizadora imperialista massiva das igrejas fundamentalistas no
Brasil além de ser um produto da pobreza material do nosso povo, é também um
dos resultados da anti democrática perseguição ideológica-politica criada pelo
governo do Papa polonês João Paulo II (em aliança com
os governos neo-liberais
de Ronald Reagan e Margareth Tatcher) contra a “Igreja da opção preferencial pelos pobres”,
defendida pelo Papa João XXIII, pelo Papa João Paulo I, e pela Teologia da Libertação.
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