Um dia, transcorria o ano de 1990, entra em nossa sala na V&S o
Marcos Ferraz, redator que trabalhava comigo, com um livro debaixo do braço.
Joga-o apressadamente sobre sua mesa, e vai ao banheiro. Eu vejo a publicação.
Tratava-se de uma antologia de Ana Cristina Cesar, poeta brasileira de primeiro
time.
Lembrei-me então, que conheci Ana Cristina em 1972. Viajamos juntos para
“Beagá”, porque ela era muito amiga da Patrícia, prima da Virgínia, então ainda
minha namorada. Lembro-me que fomos de ônibus, e voltamos no meu carro. Às
vezes, eu ia a Belo Horizonte, deixava o Fusquinha lá, e voltava de
ônibus. Na semana seguinte, fazia o contrário; ia de ônibus e voltava de carro.
Isso porque essa maratona de ida e vinda, sozinho ao volante no mesmo fim de
semana, era bastante exaustiva.
Na ocasião, eu não sabia que ela escrevia (aliás, poucos já o sabiam), e
que tinha neste particular uma grande atividade. Ana Cristina era muito
retraída. Tinha, porém, de timidez, o que possuía de beleza. Esta, suave e
também poética. Belos olhos e olhar, complementados por cabelos dourados,
levemente cacheados e naturalmente caídos sobre seus belos ombros.
Lembro-me que, embora em outra fila do ônibus acordei com ela, debruçada
sobre mim, ansiosa para falar com a Patrícia, que estava na poltrona da janela
ao meu lado. Era algo sobre uma lente de contato perdida, ou que arranhava...
já não me lembro exatamente. Estava um tanto quanto aflita, nervosa, angustiada
com o fato. Quase que chorando.
Já em Belo Horizonte, saímos todos com ela uma noite, e fomos a um
barzinho (acho que o Tom Chopim), para tomar uns “golos”.
Vim a saber de sua morte, alguns anos depois, também por intermédio da
Patrícia. Ela havia se jogado de uma janela de seu apartamento. Tinha somente
31 anos. Confesso que fiquei extremamente chocado e muito triste.
Não conheço muito da sua obra, mas confesso que o
pouco que li, me agradou sobremaneira. Pesquisando, no entanto, aprofundei o meu
conhecimento sobre ela. Em sua breve existência (2 de junho de 1952 a 29 de
outubro de 1983), Ana Cristina morou mais de uma vez em Londres, e conheceu
diversos países da Europa e da América do Sul, tendo também exercido o
jornalismo quando escreveu para algumas revistas e diversos jornais
alternativos.
Por conta própria, publicou “Luvas e Pelica” e “Cenas de Abril”, entre
outros. Fazia parte da chamada “Geração Mimeógrafo”, “Udigrudi” (de undergound)
ou “Marginal”, que vendiam seus escritos a percorrer os bares da vida.
Depois publicou um livro sobre literatura no cinema intitulado “Literatura não
é Documento”. Ainda participou da antologia “26 poetas hoje” (1976). Deixou
poesias, diários, cartas, desenhos e diversas traduções. Suas publicações foram
reagrupadas e republicadas em novas edições. Também foram revelados os seus
documentos inéditos. Tem trabalhos traduzidos para o espanhol e o inglês.
Ana Cristina Cesar foi a homenageada na 14ª Festa Literária
Internacional de Paraty “Flip” 2016. O Antena MEC FM entrevistou a poeta Annita
Costa Malufe, que falou sobre a sua participação dentro da programação
oficial.
Com o título "A teus pés", Annita, Malufe, Laura
Liuzzi e Marília Garcia se reuniram em uma das mesas do evento e conversaram
sobre a influência que a poeta Ana Cristina César tem sobre a poesia
contemporânea brasileira, mesmo transcorridos 33 anos de sua morte.
Existem à venda alguns livros com ou sobre suas obras, como “Inéditos e
Dispersos”. Documentos e desenhos do período que vai de 1961 a 1983, “Crítica e
Tradução”, reunindo “Literatura não é documento”, “Escritos no Rio” e “Escritos
em Londres” (póstumos, organizados por Armando Freitas Filho), “Correspondência
Incompleta” (organizado por Heloisa Buarque de Hollanda e Armando Freitas Filho)
“Ana Cristina – Poética” Companhia das Letras, 2013.
Para completar, transcrevo abaixo um poema de sua autoria.
Soneto
Pergunto aqui se sou louca
Quem quer saberá dizer
Pergunto mais, se sou sã
E ainda mais, se sou eu
Que uso o viés pra amar
E finjo fingir que finjo
Adorar o fingimento
Fingindo que sou fingida
Pergunto aqui meus senhores
quem é a loura donzela
que se chama Ana Cristina
E que se diz ser alguém
É um fenômeno mor
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