domingo, 12 de junho de 2011

Inside Job: As limitações políticas e ideológicas de um bom documentário

O texto abaixo é de nosso colaborador, Professor Jorge V. B. Moreira.

O documentário Inside Job ou “Trabalho Interno” (o filme do diretor Charles Ferguson que ganhou o prêmio Oscar de 2011 de melhor documentário além de outros prêmios nacionais e internacionais) trata da crise financeira de 2008; uma crise que se converteu em um gigantesco colapso econômico e custou a inacreditável quantia de 20 trilhões de dólares de destruição de patrimônios e riquezas, deixando os prejuízos para a população de assalariados do mundo neo liberal; uma crise econômica que causou a desgraça de 30 milhões de pessoas que perderam suas poupanças seus trabalhos (jobless people), suas casas, seus apartamentos, seus condomínios (homeless people). Esta crise que ainda não terminou, continua sendo considerada pelos analistas como a mais destrutiva recessão (que quase levou ao colapso total do sistema financeiro mundial), depois da Grande Depressão de 1929.
O filme, narrado pela voz do ator Matt Damon, apresenta pesquisas e entrevistas com grandes financistas, reconhecidos políticos, prestigiados periodistas e destacados acadêmicos das Universidades dos EUA. Desde o ponto de vista narrativo, sua estrutura conta com várias partes, dedicando a introdução (uma das suas melhores partes) do documentário à crise financeira na Islândia de 2008 e 2009. Nas outras, identifica o sistema financeiro dos EUA como a origem do problema, realiza uma exposição das causas do surgimento da crise, analisa o papel das inovações dos instrumentos financeiros no sistema, acusa e mostra as organizações (públicas e privadas) e os indivíduos que foram os agentes responsáveis (ou culpados) pelo colapso global e elabora um diagnóstico da situação atual para concluir afirmando que são insignificantes as medidas que foram tomadas durante a administração de Barack Obama para solucionar os problemas que foram criados.
O documentário enfoca predominantemente as mudanças na indústria financeira que conduziram à crise, na pressão desta indústria nas decisões políticas em prol da desregulamentação, e como as inovações na criação do mercado de derivativos permitiram grandes aumentos no risco financeiro adotado, ao possibilitar driblar as regulamentações que tinham como finalidade controlar o risco sistêmico.
Ao descrever o desenvolvimento da crise, o filme também examina o conflito de interesses do setor financeiro, evidenciando que se trata de uma prática que se esconde da população afetada. O filme indica que estes conflitos envolvem o governo, os bancos de inversão, as companhias seguradoras, as companhias de empréstimo hipotecário, as agências de qualificação de risco, e os acadêmicos que são pagos como consultores, mas não informam ao público nos seus ensaios que estão a soldo dessas companhias.
Dentro do mercado de derivativos, por exemplo, o filme afirma que o grande risco que começou com o crédito subprime se transmitiu de inversionista em inversionista, devido às manipulações de classificação, que indicava falsamente que as inversões eram seguras. Assim, os prestamistas se viram levados a assinar hipotecas sem poder considerar os riscos, ou inclusive favorecer maiores taxas de juros dos empréstimos, devido a que em seu momento estes fossem classificados conjuntamente, e o risco estava escondido.
De acordo com o filme, os produtos e serviços financeiros resultantes da manipulação recebiam classificações AAA, a mesma que os Bônus do Estado emitidos pelo governo dos Estados Unidos, o qual lhes permitia vendê-los inclusive aos fundo de pensões, entidades que só podem realizar inversões de máxima segurança.
Outro tema destacado no filme são os elevados salários e bônus da indústria financeira, e como seu nível tem crescido escandalosamente acima dos aumentos nos outros setores, inclusive nos bancos que foram à falência, o filme revela como seus principais executivos embolsaram centenas de milhões de dólares no período que antecedeu à crise; milhões que têm conservado na sua totalidade, mostrando que não existe qualquer equilíbrio entre risco e benefício auferido.
O documentário também examina a função das universidades na crise. O filme revela, por exemplo, que o economista de Harvard e antigo diretor do Conselho de Assessores Econômicos sob a administração de Ronald Reagan, Martin Feldstein, foi diretor da seguradora AIG e antigo membro do conselho diretivo do banco de inversão J.P. Morgan &amp Co. O documentário também denuncia que muitos professores de renome e membros das escolas de comércio e de negócios conseguiam aumentar enormemente seus ingressos trabalhando como consultores, ou oradores em eventos públicos para a indústria financeira. Outro exemplo revela como o atual decano da escola de negócios da Universidade de Colúmbia, Glenn Hubbard recebeu centenas de milhares de dólares do setor financeiro.
Um dos pontos fortes do filme é mostrar como os mais respeitados bancos, as mais prestigiadas instituições governamentais, e as mais destacadas personalidades do mundo político e financeiro se aproveitaram do poder para promover conjuntamente a corrupção, o suborno, as atividades ilegais e criminais e depois continuaram gozando da impunidade de que os poderosos desfrutam.
Os casos são abundantes no documentário. Eles mostram como as mais poderosas organizações e seus executivos produzem lucros, juros e bônus, praticando as atividades criminais como a lavagem de dinheiro, a fraude, a falsificação da contabilidade, o suborno, o uso da prostituição, de drogas e outras.
O filme mostra que entre as principais organizações encontram-se os grandes bancos de inversão de Wall Street (Goldman Sachs, Merrill Lynch, J.P. Morgan, Citicorp, Riggs Bank), os conglomerados financeiros (Citigroup, J.P Morgan) as imensas seguradoras de valores (AIG, MBIA, AMBAC), as agências qualificadoras (Moody’s, Standard & Poor’s, Fitch), as companhias de empréstimos hipotecários (Freddie Mac, Fannie May), as companhias de auditorias e consultoria tributaria (Arthur Anderson, Deloitte Touche Tohmatsu, KPMG) e outras.
Alguns exemplos contundentes: o documentário mostra como a J.P. Morgan tem subornado funcionários do governo dos EUA; como o Citibank tem lavado milhões de dólares dos cartéis das drogas do México; como o Riggs Bank realizou lavagem de dinheiro para o ditador chileno Augusto Pinochet, como a UBS (União de Bancos Suíços) tem sido processada pela realização sistemática de fraudes, etc.
Os nomes dos executivos e políticos responsáveis pelo processo de produção da desregulamentação seguido da crise financeira global também são abundantes no filme. Eles são: Donald Regan (ex CEO da Merrill Lynch e Secretário do Tesouro dos EUA no governo de Ronald Reagan), que iniciou o processo de desregulamentação financeira por um período de 30 anos; Alan Greenspan (presidente da Reserva Federal dos EUA nos governos de R. Reagan, G. Bush pai, Bill Clinton e G. Bush filho) que recebeu 40.000 dólares para justificar os roubos bancários de Charles Keating; Larry Summers (Secretário do Tesouro dos EUA) que recebeu 20 milhões de dólares como consultor de um fundo financeiro que utilizava muitos derivativos; Robert Rubin (Secretário do Tesouro dos EUA no governo de Bill Clinton) que recebeu 126 milhões de dólares como vice presidente do Citigroup; Henry Paulson (Secretário do Tesouro de G. Bush filho) que conseguiu convencer a este, desembolsar 700 bilhões de dólares do dinheiro público para resgatar da falência a Goldman Sachs (do qual Paulson foi presidente) e os outros grandes bancos responsáveis pela crise financeira; um dos maiores defensores dos derivativos, o senador Phil Gramm, tornou-se vice presidente da União de Bancos Suíços (UBS) e sua mulher Wendy era membro da mesa diretiva da companhia Enron antes de sua falência e que os grandes bancos trataram de esconder; o chefe do gabinete do presidente Barack Obama, o sionista Rahm Emanuel, recebeu 320.000 dólares quando estava na junta diretiva da Freddie Mac.
Tudo que o filme revela pode ser de muita utilidade para demonstrar ao espectador, que a qualificação dos EUA como “o país mais corrupto do mundo” (dita por muitos latino americanos) fica plenamente comprovada no filme. Por outro lado, é bem provável que muitos poderão entender o que fazem os bancos com os depósitos (grandes ou pequenos) dos assalariados e pensionistas, ou seja, como os bancos utilizam nosso dinheiro para não pagar impostos; para financiar os cartéis das drogas; para financiar terroristas; para financiar proxenetas; para derrubar governos eleitos; para financiar ditaduras; para matar líderes sindicais e ecologistas; para destruir bosques, etc.
O filme termina afirmando que apesar das aparências das últimas regulamentações financeiras, o sistema não mudou; pelo contrário, os bancos resgatados são ainda maiores, mais concentrados e mais poderosos e os incentivos para produzir lucros, juros e bônus por meios ilícitos e ilegais continuam sendo os mesmos que deflagraram a atual crise econômico financeira.

Avaliação critica
Antes de começar a escrever uma rápida avaliação crítica sobre o documentário Inside Job, gostaria de recomendar o documentário de Charles Feguson para todos os cidadãos brasileiros que possam pagar por uma entrada numa sala de cinema ou alugar o DVD na locadora de filmes para assistir em casa, pois ele me parece imprescindível para todos aqueles que queiram compreender como o nosso destino depende das decisões tomadas pelos donos do poder na economia política capitalista e imperialista dos Estados Unidos e demais países capitalistas do “mundo civilizado”.
Apesar de todos os aspectos positivos da exposição, análise e narração dos problemas do sistema financeiro e da denúncia dos responsáveis pela crise, é lamentável que o documentário do diretor Charles Ferguson não seja capaz de relacionar e articular o problema da crise financeira com o problema da dominação, exploração e expropriação numa sociedade dividida em classes sociais.
O fato de que o filme não mencione nada do sistema capitalista, a sua luta de classes, a sua dominação, a sua exploração e a sua expropriação dos assalariados da classe média e do proletariado, conduz o relato da crise financeira a um beco sem saída, pois o documentário, com todos os seus méritos educativos, não é capaz de conceber ou sugerir uma perspectiva de solução para os problemas econômicos e sociais fora do sistema capitalista; ele é incapaz de imaginar uma organização social não capitalista capacitada para superar os terríveis problemas produzidos por este sistema. Assim o filme se torna extremamente limitado por reduzir-se a oferecer uma perspectiva legal, moral ou ética para solucionar os problemas gerados pelo capitalismo, quando sabemos que a única lei moral que o capitalismo respeita é a obtenção de lucros, juros, ou seja, capital e dinheiro.
Como já mencionamos, o filme termina afirmando que apesar das últimas regulamentações financeiras, o sistema não mudou. Pelo contrário, os bancos existentes são atualmente ainda maiores e poderosos do que antes, e os incentivos para aumentar lucros e juros ilegalmente continuam sendo os mesmos que conduziram a mais uma crise capitalista. Consequentemente nenhum dos indivíduos responsáveis pelo colapso global da economia foram processados, julgados ou punidos pela justiça dos EUA. Por incrível que possa parecer, um numero significativo deles foram premiados (como nos mostra o filme), recebendo os cargos políticos e econômicos mais importantes do governo de Barack Obama.
Concluir o documentário afirmando que é insignificante o que se tem feito durante a administração de Barack Obama para superar os problemas econômicos é ficar esperando que o governo do presidente Obama (“Yes we can”, “Sim, nós podemos”) e as instituições governamentais tenham poder e vontade suficientes para terminar com a ditadura dos bancos capitalistas.
Por esse caminho, o filme tende a ignorar que os presidentes os senadores e os deputados dos EUA, são eleitos com o dinheiro dos grandes bancos e das gigantescas corporações. Consequentemente, é irracional e ilógico, puro mito e ideologia, esperar que as autoridades eleitas neste sistema antidemocrático, queiram cuspir algum dia no prato que lhes está dando de comer. Penso que, a maioria dos espectadores, poderão chegar à conclusão oposta e correta: que o governo dos EUA obedece servilmente à ditadura dos bancos de Wall Street.
Assim, os méritos que o filme deveria merecer (por denunciar a corrupção e a impunidade dos agentes que trabalham para o capital) são ofuscados e diminuídos quando no final, o relato fílmico, se limita a oferecer uma perspectiva de solução que é (por seu caráter legalista e moralista), completamente inútil para transformar a sociedade e superar as crises em que vivemos.
No âmbito cinematográfico, o documentário tem algo muito importante para dizer e consegue mostrá-lo muito bem no decorrer do filme; porém a imagem da estátua da liberdade dos EUA no fim do filme sugere apenas impotência dos seus realizadores, pois a imagem fálica da estátua é, sobretudo, uma apelação simbólica: um dos clichês político ideológicos mais manjados que têm sido usado por inúmeros diretores de filmes estadunidenses que não têm muito o que dizer ao espectador.
Na minha perspectiva, a única solução viável para superar os problemas econômicos, sociais e políticos produzidos pelas crises sistêmicas do capitalismo é a luta sem trégua dos assalariados para produzir um novo modo de produção e uma nova sociedade: uma sociedade não capitalista, uma sociedade sem luta de classes, sem a contradição entre o capital e o trabalho: uma sociedade onde a justiça social seja uma realidade e não apenas um discurso cinematográfico bem intencionado.

5 comentários:

André Setaro disse...

A crítica de cinema tem, a rigor, várias vertentes: a impressionista, a estética, a antropológica, a linguística, a sociológica, a de linguagem etc, etc e etc. O Professor Jorge Moreira, a julgar por alguns de seus textos publicados, como este de hoje, é um analista cinematográfico que 'ausculta' o filme do ponto de vista sociológico, incluindo, aí, a política e a economia. Sobre ser um estudioso no assunto, um 'schoolar', ou, como diria o francês, um 'connaisseur', aplica o seu imenso instrumental analítico nesse sentido: o de fazer revelar a seus leitores os 'subtextos' de determinado filme, ou, melhor dizendo, faz uma interpretação, uma exegese da obra cinematográfica com o olhar de um sociólogo. O que interessa dizer, no entanto, é que o antigo pescador da Ilha de Maré, na Bahia, sabe pescar também as nuanças recônditas de um filme, revelando, com rigor, àqueles bem-aventurados que conseguem chegar, via Novas Pensatas, a seus ricos escritos.

Um recado para o Professor: dia destes, com tempo bom, vou à Ilha da Maré tomar umas cervejas e, quem sabe? pescar alguma coisa.

Jonga Olivieri disse...

Concordo com você, André. Acredito que o professor leia estes comentários, embora não os responda aqui...

Joelma disse...

Este filme acusa o capitalismo no que há de mais repelente ou seja o lucro, muito embora, como disse o autor, não conclua devidamente as causas e sim, apenas as suas coneqüências e erroneamente apontar uma saída um tanto quanto "idealista".

Jonga Olivieri disse...

Sem dúvida, Joelma, o professor aponta esta falta de saída no documentário porque não se apontam caminhos. Mas a obra deve apontar bastante a corrupção existente no âmago do sistema.

Israel Pinheiro disse...

O prof. Jorge Vital é um estudioso de longas datas do sistema capitalista moderno e suas diatribes para manter-se no topo, desd seus tempos de professor de Economia Política na UNAM-Méxido nos idos dos setentas. Tambem os prof. tem suas incursões no mundo das artes visuais e aqui em primeiro lugar o cinema. Embora ele faça uma crítica correta dos limites do documentario em tela, o fato é que o vejo com muito importartante, didático mesmo, para o mundo quase obscurantista em que vivemos nos dias de hoje.