Está aí a situação dos tumultos na Inglaterra. A consequência de uma revolta dos excluídos nesta abominável sociedade de consumo. Vejam bem, as manifestações deram-se justamente nos violentos saques em busca de gêneros --não de primeira necessidade--, mas produtos mais requintados. O reflexo de uma sociedade enferma em que o desejo do cidadão é consumir produtos que em grande parte não estão ao seu alcance. Coisas da pós modernidade!?
No entanto o que aconteceu ali não deixa dúvidas sobre o sistema e sua doença como um todo. O grande motim dos frustrados e excluídos na periferia de Londres, que se estendeu a outras cidades inglesas, provou que a sociedade de consumo é um poço de contradições e desejos inseridos na luta de classes. Nesta, os que não têm, buscam, na realidade, possuir “riquezas” que não lhes são permitidas obter.
Mais uma vez a força das mídias sociais e dos celulares, como anteriormente no norte da África, contribuíram para a comunicação e organização das massas revoltadas. E da mesma forma que os ditadores daqueles países, as autoridades britânicas, à frente o primeiro ministro David Cameron investiram pesado contra a internet e os celulares. Afinal, qual a solução? Formar guetos e isolar os mais pobres em grandes regiões urbanas? Foi o que pareceu propor!
Voltando ao pensamento de Marcuse (1), como base para uma abordagem da sociedade de consumo, a tecnologia, como modo de produção, bem como a totalidade dos instrumentos, dispositivos, invenções, são uma forma de organizar e modificar as relações sociais. Reproduz, fielmente, a manifestação do pensamento e dos padrões de comportamento dominantes. Enfim, trata-se de um verdadeiro instrumento de controle e dominação. E isso ocorre em razão da organização do aparato industrial, voltado totalmente para a satisfação das necessidades crescentes dos indivíduos.
Realmente, uma sociedade avançada, em razão do progresso tecnológico, somente se sustenta quando organiza e explora, com êxito, a produtividade da civilização industrial. A crescente produtividade de mercadorias e serviços traz consigo atitudes e hábitos prescritos, que acabam mobilizando a sociedade em seu todo, com a promessa utópica do ócio, do entretenimento e lazer organizados.
Nesse sentido, a sociedade moderna, sustentada sob o aparato tecnológico, tende a tornar-se totalitária. E como tal, pode exigir dos indivíduos, justificadamente, a aceitação de seus princípios e instituições, pois tem como “objetivo” o aumento da produtividade para a satisfação das necessidades do homem.
Detalhe importante: para Marcuse, o sentido da expressão "totalitária" não é utilizado apenas para caracterizar o sistema terrorista de governo, mas para definir o sistema específico de produção e distribuição em massa, que existe em razão da manipulação do poder inerente à tecnologia.
E isto foi comprovado nas periferias do império britânico...
1. Filósofo alemão (1898/1979), Herbert Marcuse foi um dos principais críticos da sociedade capitalista de consumo. Suas principais obras são: “Razão e Revolução” (1941), “Eros e Civilização” (1955), “O Homem Unidimensional” (1964) e “O Fim da Utopia” (1967), além da coletânea de artigos “Cultura e Sociedade” (1965).
2 comentários:
A lembrança de Marcuse foi muito boa, pois poucos pensadores aprofundaram tanto a análise da "sociedade de consumo" quando começavam os diagnósticos sobre a sua existência de forma mais clara.
Gosto muito de Marcuse. E li os seus livros ainda naqueles anos 1960 e 70, e são de um grande valor para os dias que passamos.
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