A capa do livro |
Transcrevo abaixo a entrevista em que o Doutor em História Econômica Robério Paulino diz que a teoria Socialista de Karl Marx nunca pôde ser implementada, e que o despotismo Stalinista desmoralizou o verdadeiro Socialismo. A matéria foi publicada no site Controvérsias e é assinada por Roberto Lopes.
Economista formado pela Universidade de São Paulo - e doutor em História Econômica pela mesma universidade -, o professor do Departamento de Gestão de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Robério Paulino se apresenta como um marxista convicto. Mas nem por isso defende o sucesso do enunciado socialista de seu ídolo, Karl Marx.
Autor de um livro chamado "Socialismo no Século XX. O que deu errado?" (Ed. Letras do Brasil) - já na sua 2ª edição -, ele chega a afirmar que interpretações personalistas do Marxismo, que desvirtuaram uma experiência que poderia ser extraordinariamente benéfica à sociedade.
Mas o que parece irritar Paulino é a manipulação do Socialismo por diferentes lideranças russas: "Stálin foi um déspota", observa ele, "e quando em Praga a Esquerda checa tentou renovar o Socialismo, veja o que Moscou fez: mandou seus tanques de guerra esmagarem aquelas ideias".
Paulino investigou as razões que conduziram ao colapso da URSS, e as consequências deste fenômeno para a nova ordem internacional e, em especial, para o movimento socialista.
Eis os principais trechos da entrevista exclusiva que ele concedeu a Leituras da História:
Leituras da História - O senhor admite que o Socialismo imaginado por Marx nunca pôde ser implementado. Será que isso não aconteceu porque o que Marx concebeu foi uma utopia, e não um sistema plenamente realizável?
Robério Paulino - Não vejo desse modo. Os críticos do Socialismo costumam referir-se a uma rotina de violências que teria predominado sobre o processo de consolidação política dos bolcheviques na Rússia, mas é preciso analisar isso com calma, à luz das circunstâncias. Em 1917 era fazer a Revolução ou tolerar uma Ditadura que sacrificava o povo russo há várias gerações. Lênin e Trotsky tinham perfeita consciência de que não estavam dadas as condições para a deflagração da Revolução, mas não havia como deixar de enfrentar todo o atraso material do país, e ainda fazer o processo político avançar. Depois veio a guerra de 1939, com milhões de mortos, onde as decisões eram tomadas em meio ao fogo dos incêndios e dos bombardeios. Os muitos erros que foram cometidos na Rússia, nessa primeira metade do século 20, foram fruto de situações desesperadas. Nessas circunstâncias você não pode prever exatamente as consequências de muitos dos seus atos.
LH - Mas o seu livro analisa por que o Socialismo deu errado...
RP - No meu livro não digo que os preceitos do Socialismo não deram certo. Eu me pergunto sobre aquilo que não deu certo no movimento durante o século 20. É bem diferente... A União Soviética foi o primeiro país do mundo a acabar com o analfabetismo, um dos primeiros a reduzir a jornada de trabalho, Cuba tem um IDH que, em muitos pontos, é bastante superior ao do Brasil, tem um sistema de saúde que se baseia no atendimento preventivo, nos pequenos hospitais de bairro...
LH - Mas é inegável que a economia cubana é atrasadíssima, com uma máquina estatal que não passa de um gigantesco cabide de empregos, assim como a sociedade norte coreana é também empobrecida... De que falha, afinal, estamos falando? Da falha do modelo soviético de máquina estatal?
RP - Aí concordamos. Sou muito crítico à máquina estatal russa, à hipertrofia dela, à burocracia. Entendo que o Planejamento é desejável, e que o papel do Estado é, em muitas ocasiões, desejável. Mas não um planejamento feito por cima, como aconteceu na antiga União Soviética, de aspecto ditatorial, onde a crítica é tomada como um crime. Não se credite isso ao Socialismo, por favor...
LH - Então, repito a pergunta: de que falha de origem Socialista estamos falando?
RP - Divido essa resposta em duas partes. Primeiro: quando Marx enunciou a sua teoria Socialista, na virada do século 19 para o século 20, o mundo vivia um modo de produção majoritariamente rural. Sem querer fazer críticas à atividade produtiva no campo, lembro que isso gerava uma certa indigência material. Em segundo lugar, é preciso levar em conta a agressão militarista do Ocidente. Por mais de 70 anos a Esquerda foi transformada em alvo de uma mobilização gigantesca, liderada pelos Estados Unidos, que a atacou e enfraqueceu de todas as formas possíveis.
LH - Por que o Socialismo não alcançou os efeitos de distribuição justa das riquezas entre os homens, conforme o enunciado por Karl Marx?
RP - Por diversos motivos. Mas, sobretudo, por causa da transformação dessas iniciativas socialistas em ditaduras. Experiências desse tipo estão muito distantes do Socialismo imaginado por Marx.
LH - A apropriação do Socialismo por clãs, como os Castro em Cuba, ou os Kim na Coréia do Norte, isso não lhe parece um erro?
RP - Certamente que sim. Essa personalização nada tem a ver com a teoria de Marx.
LH - E o "Socialismo do Século 21" enunciado pelo Presidente da Venezuela, Hugo Chávez?
RP - Isso também nada tem a ver com a teoria socialista original. É mais uma apropriação indébita...
LH - Que tem cooptado apoios nas áreas acadêmicas de diversos países sul-americanos, como Brasil, Argentina, Uruguai, Bolívia, Equador...
RP - Mas não o meu apoio. Isso não me interessa.
LH - Partindo do pressuposto de que o Socialismo de Marx é o Socialismo que o senhor defende, eu lhe pergunto: qual é o seu Socialismo?
RP - Meu Socialismo não é aquele que visa dar mais pão. Meu Socialismo é pão, liberdade e democracia.
LH - Alguma coisa a ver com o Partido Socialista Francês, que tem se revezado no Poder, na França, com uma consistência que poucas agremiações socialistas européias conseguiram?
RP - Não, não. O Partido Socialista Francês é um partido de ideias neoliberais. É um exemplo claro de como é possível distorcer o ideal Socialista de Karl Marx.
LH - Mas Stálin distorceu esse ideal com muito mais violência...
RP - Muito mais, sem dúvida. Stálin foi um tirano e um assassino. Mas não foi o único, na Rússia, a prejudicar os ideais socialistas. [Leonid] Brezhnev fez a mesma coisa em 1968, ao mandar os tanques de guerra esmagarem a Primavera de Praga, onde os socialistas checos tentavam repensar a Esquerda dentro de bases mais abertas à discussão.
8 comentários:
Que senhora entrevista! Poucas vezes vi tanta clareza ne exposição de idéias. Valeu Jonga.
O Robério Paulino é mesmo digno de nota em sua clareza. E vou comprar o seu livro sem falta.
Gostei da resposta dele sobre o PSF quando disse: O Partido Socialista Francês é um partido de ideias neoliberais".
Afinal de contas a Social Democracia se transformou nisso mesmo. Principalmente depois que abandonou definitiva e programaticamente as ideias de Marx em 1959, quando o SPD (Sozialdemokratische Partei Deutschland) aprovou o "Programa Godesberg"...
Muito boa a entrevista!
Concordo em pleno!
Entrevistas que surpreende pela lucidez da análise.
Uma grande lucidez. Aliás hoje procurei o livro em duas livrarias e não o encontrei...
Mas como eram pequenas, amanhã vou na "Travessa" e na "Saraiva" que têm tudo!
Podemos mencionar, a título de exemplos, a aberrante formulação staliniana do socialismo num só país; a crítica da burocratização e do capitalismo desigual e combinado e os complexos desafios do socialismo e da revolução nos países atrasados (Trotsky); a formulação do capitalismo de estado (Bettelheim); a crítica anarquista ao Partido e ao Estado; as teses do socialismo de caserna (Kurz); a percepção de um novo tipo de capital pós-capitalista, incapaz de romper com o sistema de metabolismo social do capital (Mészáros), para indicar algumas das formulações que consideramos mais expressivas.
Derrotada cabalmente a experiência do chamado “socialismo real”; exaurida a tese da preservação do mercado como “parceiro” do socialismo e, sendo hoje possível comparar os fracassados exemplos chinês e soviético (o primeiro, realizando uma monumental abertura econômica para o capital, hipertrofiando ainda mais o que Marx denominou como estado político, e o segundo, efetivando uma “abertura” simultaneamente econômica e política, que resultou em seu desmoronamento completo), torna-se imprescindível aprofundar o exercício crítico das revoluções do século XX, se quisermos recuperar as possibilidades históricas para o socialismo do século XXI.
Obrigado "Anônimo" anônimo mesmo. Você contribuiu bastante para esta postagem com o seu comentário...
Por isto eu o publiquei. Mas da próxima vez assine nem que seja com um pseudônimo!
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