terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Tudo o que você queria saber sobre a privataria tucana


Quando li este artigo de Ricardo Alvares, no "Boletim Controvérsia", não resisti à sua lucidez, profundidade e poder analítico preciso em relação não somente à classe política brasileira, como tambem ao seu eleitorado, do ponto de vista político e comportamental. Por isso resolvi “por bem” publicá-lo neste blogue.

“Livro ‘Privataria Tucana’ reforça necessidade de ampla reforma política"
Por Ricardo Alvarez
Geógrafo, é professor e editor do site Controvérsia (1)

“Acompanhei com especial interesse os debates que se seguiram à publicação do livro “A Privataria Tucana” de Amaury Ribeiro Jr. (Geração Editorial, 2011, 344 págs.), que trata das negociatas que envolveram o processo de privatização do patrimônio público nacional durante o governo FHC.
Confesso que tenho pouca paciência para o cansativo debate sobre a corrupção no Brasil, basicamente por dois motivos: trata-se de uma discussão que transita pelos pântanos do falso moralismo de quem é “limpo” e de quem não é, e pior, se gasta muito tempo com ela, mas relativamente pouco na busca de soluções para este problema, que cresce fermentado por escândalos diários.
Há extensa lista de livros e publicações que exploram o assunto, lista esta que cresce na mesma velocidade com que cada caso novo vem à tona. As TVs dedicam longos minutos ao assunto, bem como as mídias digitais, jornais impressos, rádios, etc. “O recorde fica, sem dúvida, com a corrupção. Só no mês de outubro (2011) a palavra foi citada mais de 122 mil vezes no Twitter”, avalia Elizangela Grigoletti, gerente de inteligência e marketing da MITI.
Onde reside então a atração em específico pelo livro recém lançado? A acalorada discussão que se seguiu à publicação emparedou tucanos, mostrando que os sanguessugas dos recursos públicos também tem seu ninho na oposição.
A indiferença dos grandes meios de comunicação ao lançamento (notadamente os do centro sul e de grande porte) acusou o golpe que lhe roubou momentaneamente os sentidos e os argumentos. É preciso tempo para recuperar o fôlego e organizar o contra ataque, especialmente à respeito de José Serra, epicentro dos escândalos anunciados, logo ele, tão querido e protegido pelos barões das comunicações.
Evidentemente que o PT se borrou no trajeto de chegada ao poder central. Não se trata aqui de isentá-lo, ao contrário, entendo que seu modo de operar na gestão do Estado o torna refém de máfias internas e externas, locais e regionais, dificultando maiores avanços nas políticas públicas de cunho essencialmente social. Além disso, o partido mergulhou de cabeça na lógica das campanhas largamente abastecidas por capitais privados, empresas de grande porte, construtoras, multinacionais e sistema financeiro. Associou-se ao esquema que não dá recibo, mas cobra alto pela fidelidade.
Mas é preciso entender que esta também é a prática da direita reacionária e conservadora. Afinal, Marcos Valério, o gerente do mensalão que provocou forte abalo no governo Lula, é uma cria tucana em terras mineiras, Senador Azeredo e companhia bela. Mas o esquema não tem cor partidária e nem tampouco compromisso político, e logo migrou para as entranhas do poder central em Brasília, onde se vislumbravam ganhos de maior porte e voos mais ambiciosos.
A grande mídia demoniza o PT e seus aliados, como se o bastão da ética na política fosse de sua exclusiva portabilidade, mas se cala quando a bola cai no seu quintal. A ética, é bom lembrar, não tem lado, pois é um princípio. Cito, por exemplo, artigo de um blogueiro (Folha de S. Paulo e portal UOL) ao tratar do livro em questão. Sua argumentação se apoiava em dois argumentos centrais: o clima de disputa entre PT x PSDB não contribui para o país e o livro não prova a ligação de esquemas de corrupção ao Serra. Engraçado que o Ministro dos Esportes Orlando Silva teve como principal acusador um bandido, alçado à condição de vestal. Será que o clima de Fla x Flu neste caso contribuiu com o país? Tudo em volta de Serra está podre, mas ele emerge do cenário límpido e imune. A grande imprensa trataria assim se fosse a filha de Dilma?
Ressalvo que o Ministro dos Esportes Orlando Silva não deu respostas satisfatórias ao rolo em que se enredou, e que não é novidade para ninguem que a companhia de Ricardo Teixeira é sempre muito suspeita, como o proprio livro da "Privataria" aborda. Pagou caro também pelas escolhas que fez.
Lula saiu do governo com a pecha de não saber nada sobre o mensalão. Risível, mas foi a saída política encontrada. Agora é a vez de Serra. Creio que vai seguir a mesma trilha, pois sua filha e seu genro estão no olho do furacão. Ele não sabia de nada?
O que mais irrita é a parcialidade revestida de moralidade. Gostaria de ver Reinaldo Azevedo, blogueiro mór da Revista Veja, espumar de raiva também com seu ex-chefe (ou sócio) na Revista Primeira Leitura (2001 a 2006) Luiz Carlos Mendonça de Barros, que aparece no livro como um dos operadores da privatização das teles gerando muito dinheiro ilícito que transitou em offshore no exterior. Para um "paladino da probidade administrativa" condutas políticas condenáveis devem ser duramente criticadas, seja quem for o seu autor ou partido político.
O que se observa, no entanto, não é uma crítica à corrupção em si, mas sim àquela que é praticada pelo inimigo. Pronto. Para por aí.
O clima de denuncismo ganhou status de ator político e tem tanta força que já derrubou vários ministros no governo Dilma Russef, mas a responsabilidade, neste caso, é somente dela, seja por que decidiu manter a mesma estrutura de composição do governo herdada de Lula, seja por que optou por jogar neste mesmo campo.
Apanhou injustamente da Folha de S. Paulo no episódio de sua participação na luta armada no Brasil durante os governos militares, o que engrandece seu currículo político, mas participou das festividades de aniversário do jornal. Chega a ser patológico o gosto de Lula e Dilma em ser surrados pela grande mídia e ao mesmo tempo se curvarem aos seus desejos, alimentando indiretamente uma falsa lógica de “isenção” na cobertura dos fatos, insistentemente propalada por eles. Bobagem. São empresas atrás de lucros, partidárias e liberais. Tem lado, portanto. Cristina Kirchner já descobriu isto.
Por isso mesmo a corrupção parece um novelo onde não se encontra a ponta para desfio. Ela não é um efeito colateral indesejado de uma estrutura política que, apesar dos contratempos, é eficiente no propósito de gerir a sociedade nos caminhos da liberdade e da igualdade social. Ao contrário, a corrupção é o cerne das eleições e da configuração de blocos de poder que se sustentam através dela, na rapinagem dos recursos públicos e no loteamento de cargos.
Entendo que nesta conclusão repousa grande parte da importância do livro: as privatizações não se limitaram apenas à transferência de bens públicos que caíram graciosamente nas mãos de gananciosos empresários, foi alem, ela sedimentou parte de um processo de desenvolvimento do capitalismo, iniciado nos anos 70/80 apoiado na expansão do privado sobre o público em todas as esferas da vida, inclusive na política eleitoral. As privatizações não inauguraram um modelo político eleitoral no Brasil, mas consolidaram um modus operandi de vinculação das eleições ao capital privado de forma efetiva e centrípeta. As raras e honrosas exceções ficam por conta dos que conseguem mandatos sem dela participar. E por incrível que possa parecer, eles existem.
O desmantelamento do Estado do Bem Estar Social (implantado basicamente após a segunda Guerra Mundial) ocorreu com variações de método, mas não de conteúdo nos países ricos. A capacidade do Estado em implantar programas econômicos, controlar a moeda, administrar os mercados, oferecer serviços sociais foi gradativamente sendo reduzida e ampliando, como consequência, o raio de ação dos capitais privados e seus negócios.
A corrupção cresce em progressão geométrica, pois as eleições se transformaram em negócios rentáveis e prolíferos, seja para marqueteiros, publicitários, jornalistas, ONGs, bancos, partidos políticos, candidatos e, também, para a grande imprensa. Sim, a corrupção também interessa a ela, especialmente quando o poder está nas mãos de seus aliados. O que dizer da Editora Abril e as vendas de revistas às escolas públicas de São Paulo em larga escala, sem licitação? Obviamente a Revista Veja deve louvar tucanos.
Há ainda outra face que se reveste de especial atenção neste debate. O interesse do denuncismo e da exploração do tema corrupção, com grande ênfase na última década, também passa pelo afastamento da sociedade dos processos eleitorais, gerando ao mesmo tempo uma supervalorização da importância dos grandes meios de comunicação nos pleitos. Busca se consolidar, de maneira cada vez mais efetiva, como o quarto poder, derrubando ministros, prefeitos, deputados, entre outros; objetiva ainda ampliar suas vendas com a obtenção de “furos” e matérias inéditas e; almeja se colocar no centro dos debates, tornando-se assim, ela própria, a notícia.
Em outras palavras, o exercício de informar se secundariza diante de um protagonismo político sem a substância do voto e da escolha popular. Grandes monopólios de comunicação revestem-se de forte poder mais pelo seu porte empresarial, abrangência territorial do seu raio de alcance informativo e busca desesperada pelo lucro, do que pela qualidade do que veiculam.
O centro do debate político desloca-se em seu eixo: a discussão nacional dos grandes projetos que se quer para o país é substituída pelos interesses dos grandes empresários e seus negócios. Em outras palavras, reduz-se a participação popular no debate das grandes questões e projetos futuros, amplia-se da empresa privada. Por isso mesmo que o combate à corrupção patina, uma vez que a atual estrutura privilegia negócios e não os projetos de interesse social.
É bom que se diga que, tanto o PT, como o PSDB, dois dos principais partidos políticos nacionais e seus satélites menores, participam ativamente deste processo. As eleições são sempre cada vez mais caras, negócios escusos as sustentam e na mesma intensidade a população se afasta, provocando um apartamento perigoso entre a classe política e seus representados. A explosão de votos do comediante Tiririca e a absolvição da deputada federal Jaqueline Roriz, mesmo com o vídeo condenatório, são apenas dois exemplos deste fenômeno.
Caminhamos a passos largos para uma espécie de "norteamericanização" da política brasileira, apoiada basicamente em dois partidos que não questionam a ordem, presos de corpo e alma ao financiamento privado de campanha e possuem programas políticos bastante similares.
É preciso romper com esta lógica. A participação popular é absolutamente necessária nas eleições e no acompanhamento da gestão. Ela deve ser, ao mesmo tempo, atriz e público. A discussão política deve se dar sobre projetos e propostas e os partidos devem se fortalecer como os porta vozes destes. Quanto mais partido e menos candidato, numa ordem de importância que se desloca a partir do primeiro em direção ao segundo, menos corrupção. O financiamento das campanhas deve ser público e transparente, com fiscalização pela internet e escancarados à sociedade. Os eleitos devem prestar contas de sua gestão a partir de seu programa e do partido a que pertence. O não cumprimento deveria ser acompanhado das devidas justificativas que, se não suficientes, poderiam levar à perda do mandato em ritos sumários.
A sociedade, mais por desconhecimento do que por intenção, tem trilhado um caminho que provoca o enraizamento da doença ao invés de combatê-la. Vota em pessoas que são mais fáceis de seguirem caminhos escusos do que os partidos. Vota em tranqueiras como protesto, mas estes pouco ou nada produzem para dar sentido ao voto de protesto que receberam. Ignoram partidos políticos, quando deveriam olhar com mais atenção a eles. Escolhem candidatos com muita propaganda, sem se questionar sobre a origem dos recursos que a sustentam. Enfim, ignoram o processo eleitoral enojados pelas suas iniquidades, quando deveriam qualificar seu voto.
A generalização, neste caso, seria um grave erro, mas a culpa não está nas pessoas, mas na estrutura de um sistema eleitoral que transformou candidatos em mercadorias compradas e vendidas em lojas eleitorais. Sem romper com este comércio de votos a corrupção continuará a ser o caixa deste imenso hipermercado.”

6 comentários:

Anônimo disse...

E põe profunda e lúcida nisso!
Ricardo Alvarez esmiuça cuidadosamente todo o universo da corrupção na política brasileira, apesar de frisar que prefere não falar sobre o assunto tão 'desgastado' pela grande midia.
E toca com exatidão na alienação do eleitor irresponsável e inconseqüente, pois somos tradicionalmente um "país sem memória".

L.P.

Jonga Olivieri disse...

Isso mesmo L. P... Seu comentário tambem foi lúcido, muito lúcido.

Joelma disse...

Muito boia essa matéria!
O Ricardo Álvarez é fora-de-série!

Jonga Olivieri disse...

Não, Jô, naõ é uma bóia. É uma naufrágio mesmo. O naufrágio do PSDB...
Brincadeirinha... Quanto ao Ricardo Alvarez é mesmo fora de série, como você falou!

Mário disse...

Alguém aí falou em lucidez. Eu estou de pleno acordo com isso.
Poucas vezes vi um pensamento tão claro e transparente quanto o de Alvarez.

Jonga Olivieri disse...

Sin duda!