Jorge Vital de Brito
Moreira
Meus
caros,
Amigos perguntam porque não tenho colaborado com novos
ensaios para “Rebelion.org” e para “Novas Pensatas”. Estão curiosos querendo
saber o que aconteceu (a níveis pessoal e social) para que tenha diminuído a
frequência na produção de textos.
Tratando de unir o útil ao agradável, responderei as
perguntas dos amigos apresentando um texto (pequeno, limitado por falta de
tempo) sobre este e outros assuntos relacionados.
Em nível pessoal, a resposta é simples: dada a crise
econômica e o desemprego massivo nos EUA; dado a queda salarial e do nível de
vida dos trabalhadores; dado os recortes dos serviços sociais, nós,
participantes da classe media, somos forçados (pela necessidade de sobreviver)
a trabalhar durante um maior número de horas para manter o nível de vida
familiar, compatível com um padrão minimamente aceitável. Em síntese, dadas as
necessidade de comer e subsistir, nós, professores (universitários e não
universitários) do país, temos que usar o tempo disponível, para conseguir um
segundo ou um terceiro emprego para sobreviver.
Em nível social, a resposta é mais complexa, mas nada
de transcendental aconteceu ainda. Apesar da gigantesca crise econômica e da
consequente desmistificação do neo liberalismo e da globalização; apesar do
aumento da consciência política e do retorno à leitura das obras de Karl Marx (O Capital) e ao conceito de luta de
classes (negado faz mais de 30 anos pela classe dominante, seus intelectuais
orgânicos, e sua media corporativa), ainda não existem respostas decisivas dos
sujeitos históricos coletivos e dos movimentos de resistência ao
capitalismo.
Apesar dos avanços políticos das classes oprimidas,
ainda não existe uma poderosa aliança entre a classe trabalhadora, o movimento
“Occupy Wall Street” (Ocupem Wall
Street), o movimento feminista, o movimento gay,
o movimento ecologista, o movimento pela emancipação do negro e do latino para
construir um projeto coletivo de transformação da sociedade frente à exploração
e à dominação da minoritária classe dirigente capitalista.
Muitos teem sido os fatores que retardam o
desenvolvimento das alianças entre os movimentos que representam os interesses
dos oprimidos. Entre esses fatores, se encontra um dos mais importantes, a
violência do Estado do país , mas não me deterei aqui na denúncia da recente
repressão dos aparatos policiais contra “Occupy
Wall Street” e outros movimentos de resistência.Nem analisarei o papel da
media corporativa, da educação, da igreja na manutenção do "status quo"e da hegemonia da burguesia
sobre o resto da sociedade.
Neste texto, me concentrarei na violência dos EUA
contra os povos de nações estrangeiras, e como a maior responsável na produção
de desastres, deslocamentos, traumas, crises e “Post Traumatic Stress Disorder” (Transtorno por
Estresse Pós-Traumático), nas vítimas.
Tratarei de expor (seguindo as noções de hegemonia e
consenso do filósofo Antonio Gramsci) como a ideologia da maioria dos
profissionais da área de Saúde Mental, da Psicoterapia e do aconselhamento
psicológico (Counseling) dos EUA,
funciona também como mais um mecanismo de mistificação da consciência dos
indivíduos, contribuindo para assegurar o "status quo", a hegemonia, a legitimação da exploração e a
dominação dos oprimidos pela classe dirigente do sistema capitalista.
As evidências teem mostrado que existe uma estreita
relação entre a crise socioeconômica, o aumento da população desempregada, e a
elevação do número de indivíduos afetados por sintomas de doença mental. Em
poucas palavras, podemos observar que a crise socioeconômica atual ampliou
notavelmente a demanda dos estadunidenses pela ajuda dos profissionais da área
de saúde mental.
Mas pesem as evidências de que os milhões de
desempregados não tem ingresso econômico para bancar qualquer tipo de seguro médico,
a maioria dos profissionais da área de Saúde Mental continua ignorando (como
avestruzes) a influência dos fatores e agentes externos na configuração
psicológica dos indivíduos e do estado da sua saúde mental no sistema
capitalista e defendem uma ideologia que afirma, explícita e implicitamente,
que Counseling (aconselhamento
psicológico) é o caminho apropriado para resolver os problemas dos indivíduos,
independentemente da crise econômica, da classe social, do nível de ingresso,
da nacionalidade, do grupo étnico ou racial. Estamos acostumados a um processo
de naturalizar novos significados e sentidos que são calculadamente planejadas
por grupos para manter-se e controlar o poder político.
Exemplos gritantes deste processo podem ser observados
nas substituições da palavra “tortura” pela palavra “conseguir informação”; da
palavra “mercenários” (contratados pela CIA para cometer assassinatos) por “contractors”; das palavras “trabalho
burocrático-militar” (de médicos, psiquiatras, psicoterapeutas e conselheiros)
para recuperar soldados traumatizados, enviando-os de volta ao frente de
guerra, como “ajuda psicológica”; ou do trabalho “burocrático-militar” destes profissionais (para manter os torturados vivos e continuar obtendo “informação”), se explica e justifica pelas
palavras “It is just a job” (“é apenas um trabalho”).
Como os leitores podem observar, minha crítica esta
ligada predominantemente ao aumento da mistificação da consciência social
devido a má fé e a ignorância de conselheiros e clientes da relação
contraditória entre vida individual e vida social, entre problemas internos e
externos, entre interesses imperialistas e interesses nacionais, entre
desastres causados pelas atividades dos seres humanos e desastres naturais.
Apesar do aumento da mencionada propaganda ideológica
(advogada por companhias de seguros, da maioria dos terapeutas e da mídia
corporativa) para aumentar os ingressos e os lucros dos proprietários privados
do setor, é necessário também mencionar que existe no país uma minoria de
profissionais do setor que também questionam o caráter nefasto da ideologia
aqui mencionada.
Neste ponto, gostaria de levar em conta a relação
contraditória entre desastres naturais e desastres provocados pelos seres
humanos e descrever, sucintamente, o modo generalizado (e hegemônico) de
entender (ou desentender) a relação entre os desastres causados pelos humanos e
os desastres causados pela natureza, assim como mostrar as consequências práticas
deste entendimento na avaliação e tratamento dos traumas, das crises de PTSD (Post Traumatic Stress Disorder) por parte dos
profissionais do setor de saúde mental.
Segundo o artigo "Desastres naturais e artificiais
e Saúde Mental", de Satcher, Friel e Bell, a doença mental é uma questão de
“importância global pois estima-se que 450 milhões de pessoas no mundo têm
transtornos mentais ou comportamentais,
respondendo por 12% da carga global de doenças humanas." (Satcher,
Friel e Bell, 2007, pg. 2540).
A riqueza de dados do artigo é notável e os autores
tentam fazer uma descrição e uma avaliação equilibrada dos fatores que causam
as crises, os traumas, e a doença PTSD,
devido a catástrofes naturais e aos desastres criados por seres humanos.
Por um lado, os autores comentam e dão exemplos de
grandes traumas provocados por um conjunto de grandes desastres naturais, como
o furação Karina no sul dos EUA (e
outros), e por outro lado, os autores comentam e mostram exemplos de um
conjunto de gigantescos desastres causados maciçamente por seres humanos, como
a Guerra do Iraque (e outras guerras imperialistas dos EUA).
De fato, a maioria das pessoas justificam as
catástrofes naturais e os traumas decorrentes delas falando que são provocadas
pelas “mudanças climáticas” pelos furacões, tempestades, tornados, terremotos,
inundações, e incêndios. No entanto, devemos questionar a noção de
"desastre natural" em si, porque muitos destes desastres foram
causados indiretamente pela destruição humana da natureza.
Sabemos que os desastres naturais contribuem significativamente
para aumentar o já elevado numero de vítimas de traumas, crises psicológicas e
doenças mentais. Nesta direção, os desastres naturais mais destacados pela
media nos últimos 35 anos foram o terremoto na Cidade do México (1986), o
furacão Karina (2005), no sul dos
EUA, o terremoto no Haiti (2010), o terremoto e tsunami no Japão (2011).
Todos estes eventos "naturais", causaram
traumas e deslocamentos massivos de seres humanos e têm contribuído para
colocar uma atenção crescente nos traumas e crises pelos profissionais ligados
a saúde mental, às terapias e ao aconselhamento psicológicos.
O que surpreende é que muitas pessoas podem admitir que
a violência humana tem sido uma das importantes causas na produção de traumas e
crises, mas elas não mencionam (convenientemente) que a violência provocada
pelas guerras dos EUA contra as nações do terceiro mundo, é a maior responsável
pela produção de vítimas afetadas por desastres, deslocamentos, traumas,
crises, suicídios e PTSD.
O mencionado artigo de Satcher, Fiel e Bell ajuda a
demonstrar que PTSD tem sido
particularmente elevada nas áreas em que a população experimenta destruição,
morte e deslocamento. Os autores dizem: "Depois de 12 anos de sanções
econômicas e duas guerras contra o Iraque, aproximadamente cinco milhões de
pessoas iraquianas mostram “sintomas psicológicos significativos" e pelo
menos 300.000 pessoas sofrem de “graves condições de saúde mental” (Satcher,
Fiel e Bell, 2007, pg. 2541).
Na minha opinião, foi a Guerra do Vietnã (1) um dos
eventos transcendentais que mais contribuiu para intensificar o foco da
profissão de “aconselhamento psicológico” nos traumas, nas crises e nas
catástrofes sofridas pelos estadunidenses.
Foi a tremenda derrota dos EUA na guerra e a morte de
soldados 58.220 (1), aos 303.635 soldados norteamericanos feridos e 1.687
desaparecidos (2); foi o prejuízo econômico-material, o colapso moral,
emocional e os traumas psicológicos (PTSD),
os fatores que chamaram a atenção para a
necessidade de ajudar, de confortar e recuperar as vidas dos soldados (e suas
famílias) que foram destruídas pela guerra e suas consequências. Desde esse
período, os profissionais de saúde mental tem colocado crescentemente a sua
atenção nos desastres, nos traumas, nas crises e nas catástrofes. Enquanto as vítimas
vietnamitas, atualmente, estima-se que o número de civis mortos nesta Guerra
está entre dois a cinco milhões.
Desde a Guerra do Vietnã, os desastres pela ação humana
têm aumentado numa proporção assustadora e as guerras intermináveis dos EUA
continuam a ser a principal responsável pela destruição e produção de desastres
numa escala assombrosa.
Tampouco devemos esquecer que desde as bombas atômicas estadunidenses
que destruíram as cidades e a população de Hiroshima e Nagasaki, o governo dos
Estados Unidos e do Complexo Industrial Militar têm sido os principais
causadores da desgraça humana global. Durante todo o período que tenho vivido
nos EUA, assisti a primeira Guerra do Golfo com seu bombardeio da população
iraquiana realizada pela administração Bush (pai), ao bombardeio da
administração Clinton sobre a população européia, assisti tanto ao bombardeio
de iraquianos durante a segunda guerra contra o Iraque como ao bombardeio do
povo afegão durante o governo de George W. Bush (o filho) e atualmente pela
administração de Barack Obama.
Devo mencionar o altíssimo número de suicídios entre os
soldados dos EUA durante a Guerra contra o Afeganistão. Conforme dados recentes
o número de soldados mortos por suicídios causados por esta guerra, tem sido
maior que o índice de soldados mortos em combate. O mais incrível é que o
oficial da Marinha, Job W. Price, comandante do grupo de elite Navy SEAL (que
supostamente assassinou Bin Laden) suicidou-se no dia 22 de dezembro de 2012
(3).
Dados recentes mostram a grande preocupação do
Pentágono e da Secretaria da Defesa dos EUA, com os suicídios militares. O
atual secretário de Defesa, Leon Panetta, se referiu aos suicídios dos soldados
estadunidenses como uma verdadeira epidemia. A noticia desta semana foi publicada pela CBS News do dia 14 de
janeiro de 2013 com o titulo: “U.S. military suicides exceed combat deaths”
(4).
Durante todos esses anos de guerras estadunidenses, a
intervenção profissional nas crises psicológicas continua em expansão e o
aconselhamento psicológico converteu-se num lucrativo campo profissional, com
vocabulário, noções, teorias e técnicas “próprias” e “específicas” (5).
Atualmente, o número de conselheiros e especialidades
de terapias psicológicas tem crescido notavelmente nos EUA e tem ocupado
posições crescentes no trabalho, na escola, nos hospitais, nas clinicas,
consultórios privados e nas fábricas, e uma parte importante da sua atividade é
“ajudar” as pessoas que são afetadas por desastres, traumas, crises, PTSD e pelos conflitos laborais. Assim
parece que a ideologia do setor de saúde mental e das terapias psicológicas,
esquecendo a relação entre sociedade e individuo, entre sistema capitalista e
doença mental têm se transformado na nova panacéia, na nova forma de mistificação
e legitimação do poder dentro do sistema e da crise do capitalismo dos EUA.
1) A Guerra do Vietnã foi um longa
guerra imperialista dos EUA, que começou no ano de 1959 e terminou em 1975. Vejam a informação detalhada sobre a
guerra, em português, no website de Wikipédia,
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_do_Vietn%C3%A3)
2)
Vejam a informação
estatística sobre a guerra do Vietnã em “Statistical Information about Fatal
Casualties of the Vietnam War” do Arquivo Nacional dos EUA, no seguinte link, http://www.archives.gov/research/military/vietnam-war/casualty-statistics.html
3) A noticia do suicídio está em: http://www.infiniteunknown.net/2012/12/26/us-navy-seal-commander-who-killed-osama-bin-laden-commits-apparent-suicide-in-afghanistan/
4) A noticia pode ser lida no link, http://www.cbsnews.com/8301-201_162-57563857/u.s-military-suicides-exceed-combat-deaths/
5) Existem dezenas de psicoterapias,
psicoterapeutas e conselheiros circulando
pelos EUA. A maioria destes profissionais advogam em causa própria
e afirmam que a terapia que utiliza e
defende “ajuda” as pessoas a resolverem seus problemas. Também afirma que sua
terapia está capacitada para ajudar a qualquer tipo de clientela. As terapias
mais utilizadas estão emparentadas com o enfoque “Cognitive-Behavioral
Theories” tais como “Dialectical Behavior Theory”, “Rational Emotive Behavior
Therapy” “Reality Therapy/Choice Theory”. Estas compreendem um conjunto de
princípios, noções, conceitos e intervenções práticas, baseados nos
conhecimentos do behaviorismo e da psicologia cognitiva.
Também existem as terapias chamadas
psicodinâmicas (de forte parentesco com a Psicanálise), que seus defensores
afirmam que foram construídas para serem utilizadas com sucesso por qualquer
tipo de cliente: não somente o cliente individual, familiar, ou de grupo, mas os clientes que procedem de países de
grande diversidade cultural. Em poucas palavras, eles afirmam (explicita o
implicitamente) que suas terapias resolvem os problemas dos indivíduos
independentemente da história social, da diversidade cultural e nacional, das
diferenças, religiosas, raciais, sexuais, generacionais e outras.
As psicoterapias mais reconhecidas a partir
dos trabalhos teóricos e práticos de Sigmund Freud e da sua Psychoanalytic
Theory tem sido “Jungian Analytical Theory” e “Adlerian Theory” são as mais
utilizadas nos EUA.
Outras
terapias de destaques, tais como, “Existential Theory”, “Person-Centered
Theory” e“Gestalt Theory”, estão baseadas na Fenomenologia e na filosofia Existencialista e são utilizadas com
frequencia nos EUA. Alem das psicoterapias mencionadas, existem novos tipos de
psicoterapia tais como Family Theory, Feminist Theory, Transpersonal Theory que
se expandem significativamente entre os pacientes dos EUA.
4 comentários:
A classe média brasileira, ou assim chamada, caro Hulot, desapareceu. Servidor público federal (professor universitário), ganho apenas o suficiente para pagar as contas nada mais restando para outras coisas. Tinha um plano de saúde muito bom durante 25 anos, que perdi há dois anos, e, agora, estou à deriva. Se tiver algum incômodo repentino, o jeito é ligar para o 192 e esperar a ambulância do SAMU para ficar, sofrendo, numa maca do Hospital Geral do Estado. Mas o curioso é que há dez, vinte anos atrás, ganhava razoavelmente e todo ano viajava nas férias. Com os 'mesmos' proventos, com o mesmíssimo emprego. Plano de saúde para quem tem mais de 60 anos custa, o mais barato, mais de 800 reais por mês. A saúde, a educação e a segurança não existem neste país. Por isso mesmo, sou contra a realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Os recursos que estão sendo investidos dariam para a construção de mais 100 hospitais de tecnologia de ponta.
Mudando de assunto, recomendo-lhe um filme para constatar o infortúnio daqueles que já ultrapassaram 'o cabo da boa esperança': 'Amor' ('Amour'), de Michael Haneke (o mesmo de 'A fita branca').
Bom domingo (se isso é possível).
Disse tudo!
A psicoterapia é um instrumento muito útil para as pessoas. Maas certamente não cura males sociais.
Os EUA estão colhendo o que semearam!
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