Publico neste domingo uma entrevista minha, concedida
ao Prof. Jorge Moreira e publicada na revista O Olho da História,
número 19 (1), Salvador (BA), dezembro de 2012, uma publicação da
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da da Bahia (UFBa), cuja capa reproduz um
quadro meu (acima). Segue:
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João Olivieri,
pintor, desenhista, publicitário, editor e escritor brasileiro se auto define
como “baiano de Salvador, carioca de coração, mineiro por osmose, cidadão do
mundo por definição”. Começou a desenhar e pintar ainda na infância e
desenvolveu a pintura na adolescência. Nesta entrevista, realizada pelo
professor, crítico cultural e escritor brasileiro Jorge Vital de Brito Moreira,
o artista plástico (Jonga Olivieri), fala de sua vida, suas experiências, seus
trabalho artísticos, suas pinturas e desenhos, alguns dos quais estão sendo
reproduzidos na revista “O Olho da História”.
Jorge Moreira:
Jonga, como surgiu o seu interesse para pintar?
Jonga: Desde
criança tinha habilidade para desenhar, usar a massa de modelar e o lápis de
cor, tanto em casa quanto na escola. E gostava de fazer isto. Minha mãe guardou
muito destes trabalhos porque os achava interessantes e criativos.
JM: Você teve
educação artística? Pintores na família? Você foi educado na família ou
academicamente?
J: Tinha uma
tia, irmã de meu pai, que tinha muita habilidade para a pintura. Minha mãe
também. Seus bordados eram maravilhosos! Mas fui educado na escola. Já
adolescente, em função de minhas tendências para desenhar e pintar, fui para a
“Escolinha de Arte de Augusto Rodrigues”, famoso artista brasileiro que a
fundou justamente para essa faixa de idade. Ali, desenvolvi técnicas como a
Xilogravura (gravura em madeira) e a pintura com uma base mais teórica e
embasada.
JM: Como nasce a sua pintura, você acha que cada quadro ou desenho seu
corresponde a uma ideia?
J: Naturalmente
que cada quadro corresponde a uma ideia. E que essa ideia pode ser diferente de
outras anteriores, dependendo da fase em que me encontro. No entanto, as formas
como nasce um quadro podem ser muito variadas. Não há um critério; uma fórmula
para isto... Cada um tem a sua história!
JM: Quais são os
seus mestres na arte de pintar e de desenhar?
J: São tantos
que seria difícil enumerar aqui. Creio que desde aquele “humanóide” que
desenhou nas paredes das cavernas nós temos algum tipo de influência. Mas é
claro que, dos Impressionistas para cá ficam mais evidentes os pontos
referenciais. A arte da pintura, nos séculos 19 e 20, passou por uma
transformação fenomenal, quase que virando de ponta cabeça. É só ver o trabalho
de Van Gogh, Miró... Ou Picasso...
JM: Porque você
pinta? Pintar está relacionado com o seu lado político ou ideológico?
J: Antes de mais
nada, eu pinto porque gosto de pintar e desenhar. Quanto ao aspecto
políticoideológico, já houve um tempo que era muito importante para mim. Hoje
não! Acho até que a ideologia e a política sempre estão presentes no meu
comportamento, mas haveria algum tipo de engajamento quando pinto uma paisagem
do Leblon? Entretanto, pode haver quando faço um quadro como “Trash#1”, como o
próprio nome sugere!
JM: Qual foi a
obra que mais gostou de pintar? Qual a temática que mais gostou de pintar?
J: Taí uma
pergunta difícil de responder! Primeiro porque cada fase é diferente da outra
na cabeça da gente. Segundo porque a minha cabeça também muda. A vida é
dialética. As coisas mudam e evoluem. Quer ver uma coisa? Têm quadros meus que
foram tirados do lixo, sim, da lata de lixo, aproveitados por alguém e que hoje
eu gosto. Dá pra entender?
JM: Quando
pinta, você inspira-se numa temática, num objeto exterior, ou é puro exercício
intelectual?
J: Como já disse
anteriormente, não há uma regra geral para a criação. Mas, a cada momento
qualquer um desses fatores pode influir.
JM: Que reações
sua pintura desperta nas pessoas?
J: Tão variadas
quanto as pessoas que a vê!
JM: O que pretende transmitir com a sua obra?
J: Depende do
quadro. Depende do que desejo e quando o faço; da fase em que o pinto. E quando
digo fase, refiro-me a uma série. Por exemplo: “Linha Sensual de Contorno”
tinha um conteúdo, como diz o próprio nome, focado na sensualidade das formas
femininas. É claro que na série “Paisagens do Rio de Janeiro” estou apenas
fazendo minha declaração de amor à cidade em que vivo. Com “Tras#1” inicio uma
série que tenta reciclar coisas que iriam para o lixo, mas podem virar arte.
Tem elementos de protesto quanto à sociedade de consumo e a volupitilidade dos
objetos.
JM: Em que
corrente artística você se insere no Brasil?
J: Em nenhuma
especificamente. “Escolas”, hoje não estão muito em voga. Mas posso garantir
que não sou um pintor abstrato, por exemplo.
JM: Você pinta
para um estrato social específico? Qual o seu público-alvo?
J: No Brasil,
infelizmente arte é para as elites.
JM: A sua arte
na atualidade sofre de alguma forma os efeitos da cultura de massas e da
publicidade?
J: Arte é
resultado da cultura de massas. O artista está inserido numa sociedade e no momento
histórico e social em que vive. Quanto à publicidade, ela me forneceu muita
prática no desenho. Nos tempos em que comecei naquela profissão não havia
computadores, softwares e outras modernidades. Era tudo feito na
“munheca”. Tinha-se que saber e desenvolver muito a prática de desenhar.
JM: Quando você
pinta a paisagem do Rio de Janeiro, as bailarinas, o corpo de mulher (Linha
Sensual de Contorno), o camponês nordestino, a variação sobre a perspectiva
pictórica de Andy Warhol, porque razão trata destes temas? Qual o papel da
tradição no seu trabalho? Por quê você dá o tratamento paisagístico da Baía de
Guanabara como um “locus amenus”?
J: Esta pergunta
refere-se ao chamado “conjunto da obra” em mais de 50 anos de trabalho. Pintei
o camponês nordestino em minha fase de militância política, nos anos 1960.
Bailarinas foram numa fase bem posterior quando realizei, também, muitos
desenhos de músicos... Talvez procurasse o ritmo que dá movimento ao desenho.
Houve ainda, num período anterior, uma fase “pop arte”. Por outro lado sempre
gostei de figuras humanas. O que você chama de “perspectiva pictórica de Andy
Warhol” surgiu quase que por acaso quando resolvi desenhar sobre fotocópias e
achei interessante repetir faces de estrelas conhecidas em um mesmo quadro
(como James Dean ou Jayne Mansfield), cada um dos pedaços com técnicas e cores diferenciadas. A paisagem do Rio de Janeiro é “agradável”,
simplesmente porque o Rio é a cidade mais bonita do mundo!
JM: A pintura
constitui uma necessidade, vocação ou exigência para a sua vida?
J: Sempre
pintei. No entanto, por um longo tempo ela era puro diletantismo para mim.
Pintava porque gostava, e fim. Geralmente dava os meus quadros de presente ou
os guardava comigo porque não precisava deles para viver. Vocação? Creio que
sempre houve. Quanto à exigência, atualmente me profissionalizei, e parti para
uma fase em que ela faz parte de meu trabalho pós-aposentadoria. Hoje vivo
dela, exponho e vendo numa galeria do Leblon... Ou em casa.
JM: Acha que seu
trabalho com a publicidade foi importante para o desenvolvimento da sua
pintura?
J: Acho até que
já mencionei isto, mas, sem dúvida que o foi.
JM: Qual a
importância de ir para Europa e morar em Portugal nos anos 1990? Que
contribuição teve a arte portuguesa no desenvolvimento do seu trabalho de
artista plástico?
J: Muito embora
tenha pintado bastante lá, creio que nenhuma!
JM: Dom Quixote,
o famoso personagem do escritor espanhol Miguel de Cervantes, é um dos desenhos
da sua coleção que mais atraiu a minha atenção. Existe alguma relação especial
do seu desenho com o mundo Cervantino?
J: Dom Quixote é
uma história belíssima que nos influencia a todos. Mas o que me fez fazer
muitos desenhos do “Cavaleiro da Triste Figura” foram os desenhos de Portinari.
Ele tem toda uma maravilhosa série exposta na Fundação Castro Maia aqui no Rio,
no bairro de Santa Teresa... Inspirou-me muito, sem dúvida!
JM: No seu blog
“Novas Pensatas”, você se auto define como baiano de Salvador, mas apesar da
influencia de Glauber Rocha no cinema e artes plásticas, no nascimento do
movimento tropicalista, não notei uma atenção ou preocupação particular com a
arte da Bahia ou do Nordeste, nos seus trabalhos. A que podemos atribuir esta ausência?
J: Também nesta
descrição eu finalizo com: “... Cidadão do mundo por definição”. Fiz muitos
quadros de sertanejos nos anos 1960. Mas o fato é que fui criado no Rio de
Janeiro. Claro que tive influência e admiração por Glauber Rocha, o maior
cineasta que este país já teve. Quanto ao Tropicalismo, hoje até revejo algumas
de minhas posições, mas era um movimento mais chegado ao alienado (Caetano Veloso é um poeta, mas não
é consistente politicamente), numa época em que a música popular brasileira
tinha o “protesto” à frente de posições mais revolucionárias.
JM: Sei da sua
admiração pelo trabalho intelectual e político do revolucionário russo, Leon
Trostsky. Sei que está informado da relação de Trotsky com os geniais artistas
mexicanos Frida Kahlo e Diego Rivera. Qual a sua opinião sobre a noção
“desenvolvimento desigual e combinado”, criada pela perspectiva de Trotsky para
conceitualizar a coexistência simultânea de diferentes espaços, diferentes
temporalidades e diferentes mentalidades no México e na America Latina? No
plano artístico, esta noção trotskista teve a sua correspondência na noção
“realismo mágico”, ou “real maravilhoso” expressa pela literatura de Alejo
Carpentier, Gabriel Garcia Marquez, Jorge Luiz Borges, dos brasileiros Murilo
Rubião e José J. Veiga e de outros escritores e artistas da America Latina?
Existe alguma relação entre seu trabalho de artista plástico e os trabalhos dos
artistas mencionados?
J: Trotsky
abordou a arte de uma forma revolucionária e democrática. Poucos intelectuais
e/ou políticos chegaram a se igualar a ele na visão totalizada do que significa
o conceito criação com liberdade, da arte como expressão do indivíduo. Por isso
mesmo foi um grande combatente da arte “utilitarista” como o “Realismo
Socialista”, surgido no stalinismo. Quanto a correntes e escolas, ele apoiou,
tanto o “Surrealismo”, como o “Muralismo” mexicano porque via elementos
libertários nesses movimentos.
JM: Observo em
alguns dos seus quadros certo parentesco com diferentes fases do trabalho de
Picasso (a fase surrealista, por exemplo); em outros, com a pintura do
brasileiro Portinari, com o impressionismo de Claude Monet, com a perspectiva
vanguardista de Mondrian ou a "pop art" pós-moderna do estadunidense
Andy Warhol. Qual a sua opinião sobre a relação de parentesco com estes
artistas?
J: Não vejo
tantas semelhanças e parentescos, embora admita ter tido influências de muitos
desses artistas. Como lhe falei, há uma exposição de muitas décadas no meu site
de pinturas e desenhos. E, consequentemente de estilos, pois vamos mudando
com o passar dos anos.
JM: Fredric
Jameson, o notável crítico cultural e filosofo marxista estadunidense, definiu
a pós-modernidade ou pós-modernismo como a lógica cultural do capitalismo
tardio, onde a pintura, a arquitetura, a música pós-modernas seriam
manifestações artísticas e estéticas dessa lógica. Qual a sua opinião sobre a
pintura pós-moderna do estadunidense David Salle, do alemão Georg Baselitz, do
espanhol Guillermo Pérez Villalta ou da arquitetura de Robert Ventura (EUA) e
Aldo Rossi (Itália)?
J: Quanto a Jameson, em seu ponto de vista, a união do discurso
pós-moderno foi o resultado da colonização na esfera cultural (que havia
mantido pelo menos uma autonomia parcial durante a era moderna anterior) por um
novo capitalismo coorporativista organizado. Salle em suas pinturas compreende
o que parecem ser imagens justapostas aleatoriamente, ou imagens pintadas em
cima umas das outras com a manipulação de uma pintura deliberadamente
desajeitada. Do alemão Baselitz, conheço muito pouco, sabendo que na década de
1970, fazia parte de um grupo neoexpressionista, identificado como "Neue
Wilden" (Nova Selvageria), com foco na deformação e da vibração das cores.
O espanhol Villalta e as arquiteturas de Ventura e Rossi não conheço nada.
JM: Theodor
Adorno, crítico cultural da Escola de Frankfurt, ampliando o conceito de
“fetichismo da mercadoria” de Karl Marx, pensa que, na sociedade capitalista,
todos os objetos e todos os seres humanos se transformam em mercadorias, logo
os objetos artísticos também estão coisificados e alienados; em outras
palavras, o artista tem que estar submetido à circulação mercantil capitalista
(pelo mercado) se deseja ser consumido. Qual a sua relação de artista plástico
com a alienação no modo de produção capitalista? Você acredita que exista
alguma forma viável de superar este dilema dentro do capitalismo ou o artista
necessita da existência de outro modo de produzir a sociedade para resolver
esta e outras contradições econômicas, políticas, sociais e culturais?
J: Não tem
saída. Adorno, Marcuse e outros membros da “Escola de Frankfurt” têm toda razão
quando pontuam que a sociedade capitalista devora caracteres. Uma simples
camiseta com a imagem de Guevara torna-se objeto de consumo, e indivíduos a
usam sem saber o “porque”! É trágico, mas somente uma revolução no modo de
produção pode modificar este quadro...
Jonga, queria
perguntar-lhe se existem mais coisas que você ainda gostaria de acrescentar ou
desenvolver nesta entrevista?
J: Apenas que
gostei muito dela e de suas perguntas...
JM: Para
finalizar, gostaria de dizer-lhe que me deu grande prazer elaborar as perguntas
para realizar esta entrevista com você. Agora só me resta agradecer-lhe por seu
tempo, por sua paciência e sua generosidade comigo na qualidade de seu
entrevistador.
J: Não precisa
agradecer. Seja bem vindo! Quando precisar, telefone. Não faça cerimônia!
1. http://oolhodahistoria.org/n19/
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2 comentários:
Parabens ao entrevistado e ao entrevistador. Pude conhecer muito mais de você nesta entrevista!
Excelente entrevista! Conheço o editor da revista, Jorge Nóvoas, da Ufba, intelectual sério e respeitado. O elogio deve também ser ampliado ao entrevistador, 'o pescador' 'ad hoc' Jorge Moreira, que, num átimo do destino, virou 'scholar' de universidade americana, e tem 'espetado' o capitalismo com a sua capacidade de estudioso e exegeta da crise na qual vivemos na sociedade contemporânea.
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