É um prazer publicar este ensaio de Michael Löwy¹,
um dos pensadores marxistas mais atualizados, e que encontrei no excelente site
marxismo21.
Porem, dada a extensão deste texto, vou dividi-lo em três partes para que a sua
leitura e assimilação flua da melhor maneira possível.
Gramsci insistia na
idéia de que “a filosofia da práxis se concebe, ela mesma, historicamente, como
uma fase transitória do pensamento filosófico”, destinada a ser substituída em
uma nova sociedade, baseada não mais sobre as contradições de classes e a necessidade, mas sobre a liberdade (Gramsci, 1979:
115-116). Mas enquanto vivermos em sociedades capitalistas
divididas em classes sociais antagônicas, será em vão querer substituir
a filosofia da práxis por um outro paradigma emancipador. Deste ponto de
vista, penso que Jean-Paul Sartre não se enganou em ver no
marxismo “o horizonte intelectual de nossa época”: as
tentativas de “ultrapassá- lo” conduzem a regressão para níveis inferiores do
pensamento, não para mais
além de
Marx. Os novos paradigmas atualmente propostos — quer sejam a ecologia
“pura” ou a racionalidade discursiva cara a Habermas, para não falar
da pós-modernidade, do desconstrutivismo ou do “individualismo
metodológico” — aportam freqüentemente contribuições
interessantes, mas não constituem de forma alguma alternativas superiores
ao marxismo em termos de compreensão da realidade, de
universalidade crítica e de radicalidade emancipadora.
Como então corrigir as
numerosas lacunas, limitações e insuficiências de Marx e da tradição marxista?
Através de uma abordagem aberta, uma disposição para aprender e se enriquecer com
as críticas e as contribuições vindas de outras partes — e antes de tudo dos movimentos sociais, “clássicos”, como os
movimentos operários e camponeses, ou novos como a ecologia, o feminismo, os
movimentos pelos direitos do homem ou pela libertação dos povos oprimidos, o
indigenismo, a teologia da libertação.
Mas é necessário também
que os marxistas aprendam a “revisitar” as outras correntes socialistas e
emancipadoras — e inclusive aquelas que Marx e Engels tinham por muito tempo “refutado”
— cujas intuições, ausentes ou pouco desenvolvidas no “socialismo científico”,
revelaram-se freqüentemente fecundas: os socialismos e feminismos “utópicos” do
século XIX (owenistas, saint- simonistas ou fourieristas), os socialismos
libertários (anarquistas ou anarco-sindicalistas), os socialismos religiosos e,
em particular, o que eu chamaria os socialismos
românticos, os mais críticos ante as ilusões do progresso: William Morris,
Charles Péguy, Georges Sorel, Bernard Lazare, Gustav Landauer.
Enfim, a renovação
crítica do marxismo exige também seu enriquecimento pelas formas mais avançadas
e mais produtivas do pensamento não-marxista, de Max Weber a Karl Mannheim, de
George Simmel a Marcel Mauss, de Sigmund Freud a Jean Piaget, de Fernand
Braudel a Jürgen Habermas (para ficar em apenas alguns exemplos), assim como
que levemos em conta os resultados limitados mas freqüentemente úteis de
diversos ramos da ciência social universitária.
É necessário se inspirar
aqui no exemplo do próprio Marx, que soube utilizar amplamente os trabalhos da
filosofia e da ciência de sua época — não somente Hegel e Feuerbach, Ricardo e
Saint Simon, mas também de economistas heterodoxos como Quesnay, Fergunson,
Sismondi, J. Stuart, Hodgskin, de antropólogos fascinados pelo passado
comunitário como Maurer e Morgan, de críticos românticos do capitalismo como
Carlyle e Cobbett, e de socialistas heréticos como Flora Tristan ou Pierre
Leroux — sem que isso diminua minimamente a unidade e a coerência teórica de
sua obra.
A pretensão de reservar
ao marxismo o monopólio da ciência, rejeitando as outras correntes de
pensamento para o purgatório da pura ideologia, não tem nada a ver com a
concepção que Marx tinha da articulação conflituosa de sua teoria com a
produção científica contemporânea.
A obra de Marx foi
freqüentemente apresentada como um edifício monumental, de arquitetura
impressionante, cujas estruturas se articulavam harmoniosamente, dos alicerces
até o telhado. Mas não seria melhor considerá-la como um canteiro de obras, sempre
inacabado, sobre o qual continuam a trabalhar gerações de marxistas críticos?
1. Lowy, Michael. (1997).
“Pour un marxisme critique” in Marx après les marxismes, Paris, Ed. L’Harmattan. Tradução:
José Corrêa Leite, editor do jornal Em Tempo. É tambem sociólogo do Centre Nationale
de Recherches Scientifiques — CNRS, Paris
BIBLIOGRAFIA
BAGAROLO, Tiziano. (1992). “Encore sur marxisme et
écologie”. Quatrième Internationale, nº 44, mai-juillet.
BALIBAR, Etienne. (Hiver
1994-1995). “Débat entre Jean-Marie Vincent et Etienne Balibar”. Critique Communiste,
nº 140.
BENJAMIN, Walter. (1978).
Sens unique. Paris, Lettres Nouvelles-Maurice Nadeau. (1971) “Thèses sur la
philosophie de l’histoire”. L’homme, le langage et la culture. Paris, Denoël.
GRAMSCI, Antonio. (1979). Il materialismo storico. Torino,
Editori Riuniti.[Gramsci, Antonio (1979). Concepção dialética da história. Rio
de Janeiro, Civilização Brasileira.]
MARX, Karl. (1969). Le Capital. Livre I, Paris,
Flammarion. [Marx, Karl. (1985). O Capital — crítica da economia política. Livro
Primeiro, São Paulo, Difel.] (1971). Contribution à la critique de la
philosophie du droit de Hegel. Paris, Aubier.
MONTAIGNE. Marx, Karl. Crítica da filosofia do
direito de Hegel. Lisboa, Estampa.
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5 comentários:
Acho que Löwe define o marxismo quando diz:
"A obra de Marx foi freqüentemente apresentada como um edifício monumental, de arquitetura impressionante, cujas estruturas se articulavam harmoniosamente, dos alicerces até o telhado. Mas não seria melhor considerá-la como um canteiro de obras, sempre inacabado, sobre o qual continuam a trabalhar gerações de marxistas críticos?"
Brilhante definição dialética!
Gran finale!
Concordo com Misael. O marxismo, por ser dialético está sempre em evolução e só não rejeita as suas bases: a acumulação do capital, a luta de classes como motor da história e a mais-valia como a base de seuros.
Mas você dividiu mal essas 3 partes. A primeira ficou longa demais e as outras foram encurtando.
Ciências exatas não é o seu forte mesmo!
Sim, sou péssimo em matemática, etc... Agora, o ensaio de Michael Löwy, sem dúvida é muito bom
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