Um dos mais importantes sociólogos
estadunidense, James Petras, afirmou recentemente, numa entrevista para a Rádio
Centenário do Uruguai: “A
política econômica tanto de Barack
Obama como do Congresso não melhoraram as os
verdadeiros índices de desemprego nem reduziram as desigualdades. Por
exemplo, os últimos dados que temos
indicam que nos EUA os 400 mais ricos teem mais
riqueza que 160
milhões de pessoas. Ou seja,
menos de 1% tem mais
riqueza do que a metade da população. A situação pode ser mais grave."
(“La política económica tanto de Barack Obama como
del Congreso, ni han mejorado las verdaderas tasas de desempleo ni han reducido
las desigualdades. Por ejemplo, las últimas cifras que tenemos indican que en
Estados Unidos los 400 más ricos tiene más riqueza que 160 millones de
personas. Es decir, menos del 1% tiene más riqueza que la mitad de la
población. La situación no puede ser más grave.”)
Os dados
recentes mostram que a parte da população composta por pretos, latinos e as
mulheres, é a mais prejudicada na
repartição de renda (na luta de classes) dentro dos EUA.
Assim,
mais uma vez, fica demonstrado que a luta de classes, a luta racial e de gênero
são os temas sociais mais importantes nesta nação e por isso, deveriam ocupar lugares
privilegiados nos programas de Estudos
Culturais das escolas e universidades, pois a proletarização da classe média,
o aumento da discriminação laboral e salarial por diferença sexual e racial,
continuam em ascensão e como diz James Petras, “a situação não pode ser mais
grave”.
Pesem as evidências através dos fatos e dos
dados, o discurso hegemônico da classe dominante, continua tratando de enganar
ou mistificar a população do país e mundial, circulando sistematicamente duas
grandiosas mentiras: 1) que a crise sócioeconômica já foi resolvida, 2) que a
eleição de Barak Obama “provou” que já não existe racismo ou discriminação
racial nos Estados Unidos. Nem uma coisa nem outra.
Gostaria de relatar aqui experiências
racistas que sofri (a primeira quando estudante e as outras como professor
universitário) desde que comecei a estudar e
viver neste pais, pois elas desmentem as falsas afirmações que os
defensores do sistema capitalista propagam incansavelmente entre a população
estadunidense e mundial. É necessário que resistamos ao discurso hegemônico da
classe dominante denunciando as experiências e os fatos que lhe contradizem,
Quando era estudante do Ph.D. em Hispanic and Luso Brazilian Literature and Linguistics of the University of
Minnesota, estava acostumado, depois das aulas no Department of Spanish and Portuguese, a ir à Dinky Town ou à West Bank para tomar café. Nessas horas, conversava
frequentemente com estudantes estadunidenses. Enquanto bebíamos café e estava
acostumado a ouvir a pergunta se eu era estudante grego ou árabe. Eu,
naturalmente, respondia que nasci no Brasil e que era um estudante brasileiro.
Mas os estudantes pareciam que não tinham
estudado geografia, pois não sabiam onde se localizava o Brasil, nem a Argentina,
nem o Uruguai, nem o Chile, nem a Bolívia, nem outros países da América do sul.
A situação me fazia recordar um exemplo típico do que estou escrevendo. Aconteceu
no Brasil, durante o período em que Ronald Reagan era presidente dos EUA. Durante um banquete
em Brasília, Reagan levantou-se da mesa e propôs um brinde ao "povo da
Bolívia". Na minha opinião, a ignorância de Reagan (que para a
colonizada mídia brasileira pareceu simplesmente uma gafe), parece ser a
realidade cotidiana de milhões de estadunidenses.
No inverno, quando a neve se derretia
nas cidades de Minneapolis e Saint Paul (Twins
Cities) formava grandes poças dágua nas ruas asfaltadas, e era senso comum
que os carros transitassem pelo meio da rua evitando molhar-se e molhar as
pessoas que andavam pela calçada (sidewalk).
Dado que eu era um Teaching Assistant (aluno de pós-graduação que
ensinava português, espanhol e literatura aos estudantes estadunidenses) no Departament of Spanish and Portuguese, não
tinha recursos para comprar um carro. Assim, era obrigado a tomar o ônibus nas
paradas locais, todos os dias da semana.
Um dia estava esperando o ônibus para ir a
Universidade quando vi que um Chevrolet vermelho, que se movimentava pelo meio
da rua, mudou rapidamente de direção. Dirigiu-se diretamente para a grande poça
de água que estava na minha frente, jogando muita água sobre meu corpo.
Devido àquela agressão, fiquei todo
molhado e tive que voltar para a minha casa para trocar de roupa. Perdi a minha
primeira aula e tive que esperar pelo ônibus seguinte, meia hora depois. Fiquei
meditando, tratando de entender o que passou, porem não encontrava a razão para
aquela agressão.
De noite, quando cheguei em casa, liguei a
televisão, e escutei a noticia de que o
ex presidente George Bush (o pai) decretou os bombardeios aéreos ao Iraque,
começando a primeira guerra no Golfo Persico contra Saddam Hussein.
No dia seguinte, estava esperando o ônibus
na mesma parada quando vi um carro Ford preto movimentando-se pelo centro da
rua. Suspeitando que o motorista poderia tratar de cometer o mesmo tipo de
agressão que o outro, fiquei bem atento.
Minha suspeita foi correspondida: o carro
Ford mudou de direção e dirigiu-se diretamente para a poça dágua na minha
frente. Rapidamente, me escondi atrás do booth
de ônibus e, por frações de minutos, pude evitar um segundo banho de água.
Dali, por
diante, não foi difícil entender que aqueles dois indivíduos estavam me confundindo
com um pessoa nascida no Iraque, e por essa razão “merecia” aquelas agressões
racistas.
Essa experiência
ilustra
e resume mais um capítulo da historia das minhas vivências com as atitudes e o
comportamento das pessoas (parte significativa dos estadunidenses) formadas
ideologicamente pela cultura hegemônica dos EUA.
Como assinalei num texto anterior, publicado em Novas Pensatas (1), uma parte significativa
dos estadunidenses acreditam no discurso chauvinista, racista e discriminatório
do governo, da mídia corporativa, das autoridades civis e religiosas dos EUA.
Assim, as características mencionadas são manipuladas para produzir ódio
racial, econômico, social e político, contra os indivíduos e grupos, de culturas
e línguas diferentes da cultura branca europeia.
Como
brasileiro, que viveu por 28 anos no Brasil, oito anos no México e 20 anos nos
EUA (parte do tempo como um cidadão estadunidense), tenho estado chocado e
indignado quando estou na presença da ignorância, dos preconceitos e dos estereótipos
contra o povo brasileiro, o povo mexicano, e latinoamericanos em geral, todos propagandeados
pela narrativa dominante da cultura deste país.
E, no entanto, de acordo aos dados históricos
comparativos, nenhum país, na história moderna, invadiu mais países
estrangeiros do que os EUA. Nenhum país tem destruído mais culturas nacionais
que os EUA, nenhum país realizou mais guerra contra as nações do terceiro mundo
que EUA (2), nenhum país tem produzido mais Transtorno de Estresse Pós-Traumático
(PTSD) que os EUA (3). E como era de se esperar, as pessoas daqui não querem
saber dos dados sobre uma realidade tão horripilante, desagradável e desumana.
Quando
converso sobre o Brasil e constato que meus ouvintes não teem consciência das
relações imperialistas entre os EUA-Brasil, começo a compartir informações históricas documentadas sobre o
mal tratamento que os EUA tem dado a cultura e as pessoas da América Latina.
Então, meus ouvintes interrompem a conversa (ou se distraem) se despedem e vão
embora: não querem tomar consciência da realidade das péssimas relações entre
os EUA e os países do terceiro mundo.
Assim,
quando os estadunidenses falam da relação entre Brasil-EUA, a partir de suas
fantasias (por exemplo, "Os EUA é um país amigo do Brasil por isso ajudamos
ao povo brasileiro" ou “no Brasil, país alegre do samba, do carnaval e do futebol,
não existe racismo”), ignorando a realidade da relação de exploração e opressão
que nós sofremos, imediatamente trato de lhes informar que faz alguns anos (no
Brasil, no Chile, na Argentina , no Uruguai), centenas de milhares de latino americanos foram vítimas (desaparecidos,
torturados, assassinados), das ditaduras militares (no Brasil durou 21 anos, 1964-1985),
articuladas e apoiadas pelos EUA, para beneficiar os interesses das suas corporações
multinacionais. Logo depois, tenho de presenciar duas típicas reações dos meus
ouvintes: 1) eles ficam carrancudos, deixam o assunto da conversa, e, depois de
um adeus frio, desaparecem; ou 2) eles fingem que não ouviram o que eu disse e
mudam o tema da conversa. Resumindo, os estadunidenses tratam de evitar (ou de
escapar) tomar consciência da realidade terrível, dolorosa da exploração e
opressão que nos toca. Desde sua perspectiva patriótica, superior e cômoda,
eles simplesmente não acreditam, pensam que o que digo é mentira, e que o
problema está na minha atitude negativa para o país “democrático” e
“libertador”. Assim, para grande parte
dos estadunidenses, é mais fácil permanecer na ignorância politica, social,
econômica e cultural do que saber as feias verdades da dominação imperial.
Mais
isso não acontece apenas com as informações da relação entre EUA- América
Latina; acontece também com informações da relação entre os EUA- países da Ásia,
da África, do Oriente Médio, e do Extremo Oriente. Aqui , na nossa vida cotidiana não se faz
comentários sobre as guerras, as invasões, as torturas produzidas pelos EUA
nessas regiões do mundo. Estes temas são tabus para os estadunidenses. Qualquer
assunto (o tempo, a temperatura, o jogo de beisebol, Jennifer Lopes ou Britney
Spears) é um bom pretexto para evitar que falemos das bombas atômicas sobre Hiroxima
e Nagasaki; dos 20 milhões de vitimas produzidas pela Guerra do Vietnã; das guerras
do Iraque e Afeganistão, dos assassinatos através do utilização dos drones, da espionagem massiva da SN e
CIA, da tortura ou da deportação de milhões de imigrantes latino americanos.
Uma vez na Universidade de Wisconsin, uma
professora branca de língua alemã falava mal dos imigrantes latino americanos
(com ou sem documentos). A professora repetia a ideologia racista de que “os
latino americanos chegam aos EUA para consumir os recursos e serviços que são
dos estadunidenses; os latinos só servem para isso”.
Minha
reação foi argumentar defendendo o direito
dos trabalhadores latino americanos (grandes contribuintes da economia
dos EUA) de terem legítimo acesso aos serviços de educação, saúde, assistência
social do país, etc. Mas a professora não deu importância ao que eu dizia, e
continuou falando racisticamente dos latinos como se nós fossemos bárbaros. Aí eu perdi a paciência. Disse-lhe que ela
estava enganada; que a história era outra: “não foi a barbárie dos latino americanos
que criou os campos de concentração e extermínio na Europa; foi a barbárie dos próprios
brancos europeus, principalmente dos alemães”. Como ela tinha descendência
alemã, ficou ainda más histérica e abandonando o respeito mútuo, começou a me
agredir diretamente, vomitou a ideologia racista, e finalizou com a clássica
pergunta racista: “porque você não volta para o seu país?”. Recentemente, uma
colega de uma outra universidade dos EUA, apelou para os mesmos ideologemas, e
agredindo-me verbalmente com a mesma pergunta: “porque você não volta pro seu
país?”
Enquanto
o governo racista dos EUA continue invadindo países, produzindo guerras,
assassinando indivíduos, destruindo culturas das nações do terceiro mundo;
continue
contando com a colaboração e a cumplicidade da mídia coorporativa para
justificar e legitimar os crimes de guerra contra esses povos; continue
contando com o silêncio e a apatia dos acadêmicos universitários, a luta contra
o racismo, o chauvinismo, a
discriminação, a injustiça social não terá o sucesso que necessita e merece.
Mas, paralelamente, a atual crise
socioeconômica e cultural do sistema capitalista aprofundou
a luta de classes no país e temos observado um aumento da consciência e da
resistência coletiva, acompanhada da radical politização de amplos setores oprimidos
(o movimento Occupy Wall Street, por
exemplo) da nossa sociedade.
Para
aqueles que querem participar e lutar politicamente contra o racismo, o sexismo, o classicismo e a injustiça
social, é necessário que, entre outras coisas, não nos deixemos enganar
pelo discurso hegemônico da classe dominante. É imprescindível que deixemos de apostar
na realização da reforma migratória proposta pelos demagógicos partidos
democrata e republicano dos EUA; é também imprescindível deixar de acreditar
nos discursos liberais-reformistas produzidos pelo multiculturalismo e pela
ideologia politicamente correta, como solução viável para superar as contradições étnico-raciais, sócioeconômica-culturais,
e sexuais nos EUA.
1) Vejam o texto de Jorge Moreira “Quem é o inimigo da paz mundial?”, terça-feira, 2 de abril de 2013, em http://novaspensatas.blogspot.com/2013/04/quem-e-o-inimigo-da-paz-mundial.html
2) Vejam o texto de Jonga Olivieri “Agressões e invasões armadas do imperialismo ianque”, Novas Pensatas, quinta-feira, 12 de setembro de 2013, em http://novaspensatas.blogspot.com/2013/09/agressoes-e-invasoes-armadas-do.html
3) Vejam
Satcher, D., Friel, S., & Bell, R. (2007).
“Natural and manmade disasters and mental health” JAMA: The Journal of the
American Medical Association, 298(21), 2540–2542.
3 comentários:
Mais uma vez o professor Jorge Moreira nos mostra a crueza do capitalismo nos Estados Unidos visto de dentro do próprio país.
Ali existe um racismo explícito. Aqui é camuflado. Nem sei o que é pior!
Nada como sentir na pele a discriminação.
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