Há várias semanas a mídia ocidental está engajada em denunciar primeiro a
suposta ação de Putin na Crimeia – e em seguida, na Ucrânia.
No caso da Ucrânia, há alguns pontos determinantes
que estão sendo ocultados neste coro da imprensa. Começando, nunca se mencionam
as responsabilidades do Ocidente no caso. É bom lembrar que Mikhail Gorbachev,
negociou com os chefes de Estado dos EUA, Grã-Bretanha, Alemanha e França que
aceitaria a reunificação da Alemanha; mas que o Ocidente, em contrapartida, não
deveria tentar invadir a área de influência da Rússia.
Bem, pra começar, em 2011 tornou-se claro que os
Estados Unidos tentaram intervir nas eleições parlamentares russas. Toda a
mídia ocidental colocou-se contra Putin, que acusou os EUA de financiarem grupos
oposicionistas. O embaixador estadunidense, afirmou tratar-se de exagero, e
acrescentou que apenas algumas dezenas de milhões de dólares haviam sido doados
a grupos da sociedade civil. Putin foi eleito novamente para a presidência em
2012 [após quatro anos como primeiro-ministro], já então obcecado com as
ameaças ocidentais a seu poder.
Quando houve a Primavera Árabe, a Rússia
autorizou ação militar na Líbia, mas apenas para garantir ajuda humanitária.
Ela foi utilizada para provocar mudança de regime, e sentiu-se enganada. Então,
surgiu a crise na Síria e o Ocidente tentou obter novamente o apoio da Rússia
para uma mudança de regime – irritando-se com a recusa de Putin. Finalmente,
agora, aconteceu a intervenção na Ucrânia, com o intuito de colocar o país na
União Europeia e assim, distante do bloco econômico eurasiano que a Rússia
tenta criar.
Outro ponto é que nenhuma ação política, exceto
uma guerra, pode reduzir a Rússia à condição de um poder apenas local. É o
maior país do mundo em território, é ao mesmo tempo, Europa e Ásia. É um
produtor destacado de petróleo, membro permanente do Conselho de Segurança da
ONU e tem um respeitável arsenal nuclear. Qualquer esforço para cercá-la ou
enfraquecê-la, agora que o confronto ideológico ficou para trás, só pode ser
visto como parte da velha política imperial.
Mais um ponto: a crise ucraniana deveria ser melhor
examinada. É um Estado frágil, em que a corrupção controla a política e que
vive problemas econômicos estruturais. Seu Oeste é mais rural; o Leste, mais
industrializado. Os trabalhadores desta região sabem que um ingresso na Europa
representaria o fim de muitas fábricas. No Oeste, muitos colocaram-se ao lado
dos nazistas na II Guerra Mundial e há um movimento nacionalista forte, próximo
ao fascismo. A Ucrânia é um problema muito complicado.
Chegamos ao último ponto: Putin é um ex dirigente,
para quem a Rússia foi tratada injustamente, na dissolução da União Soviética.
Todos os esforços para chegar a um entendimento com o Ocidente foram traídos,
com sucessivas ampliações da OTAN, uma rede de bases militares cercando o país
e um claro apoio do Ocidente a todas as oposições. Ele sabe que estas opiniões
sobre o declínio russo são compartilhadas por uma ampla maioria de cidadãos.
Para ele, a Ucrânia foi politicamente
inaceitável. Ele está apresentando-se como defensor dos cidadãos russos, algo
que lhe permite atuar em todos os lugares onde há minorias russas.
Por outro lado, os russos também sofrem com a
inércia da Guerra Fria e não veem o Ocidente exatamente como um aliado. Putin é
hoje a única força de coesão na Rússia. Se ele se fosse, haveria, muito
provavelmente, um longo período de caos. Isso certamente não interessa aos
cidadãos russos… E é sempre perigoso praticar jogos de poder sem levar em conta
a estabilidade da Europa… Claro, este não é o cálculo dos estrategistas
ocidentais, que adorariam eliminar qualquer outro poder…
O fato é que a Guerra Fria, na verdade, nunca foi
rompida.
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