Texto de Manuel Sacristán Luzón, editado por Salvador López Arnal .
Traduzido do espanhol para Novas Pensatas por Jorge Vital de Brito Moreira.
No dia 05 de maio de 1818, nascia na
cidade de Treveris (Alemanha), o filósofo, sociólogo, jornalista e
revolucionário Karl Marx. Para celebrar
os duzentos anos do nascimento de Karl Marx, o mais importante pensador do
mundo ocidental, apresentamos ao leitor
de Novas Pensatas a tradução do professor Jorge Vital de Brito Moreira de um
texto do filósofo marxista Manuel Sacristán Luzón que foi
editado pelo professor discípulo e
colega Salvador López Arnal para rebelión.org.
Nota do Editor Salvador López Arnal:
É conveniente (e é justo) se aproximar
da obra de Karl Marx, um dos grandes filósofos (mais que filósofo, como todos
os grandes) da história da humanidade, neste ano de 2018, o ano do bicentenário
de seu nascimento. E é igualmente justo abrir estas aproximações com um texto
datado em 1967 para a enciclopédia Larousse-Planeta [1], na voz de um dos
autores (também mais que um filósofo) que mais o leu (de verdade), estudou (a
sério) e o interpretou (com cabeça própria). Falo de Manuel Sacristán
(1925-1985), autor de Sobre
Marx y marxismo, de Pacifismo, ecología y política alternativa, de
Lecturas, de Intervenciones políticas, de Papeles de filosofía, de
Estudios sobre El
Capital y textos afines, de
Seis conferencias, e, de Sobre dialéctica.
As notas finais também são do editor
Salvador López Arnal.
Marx, Karl ( texto de Manuel Sacristán)
Karl Marx foi um político, filósofo e economista
alemão (Trier 1818-London 1883). Filho de um advogado hebreu de formação e
tendências moderadamente iluminadas e liberais, sua infância foi passada na
Renânia. Marx estudou na sua cidade natal e aos dezessete anos começou a
faculdade de direito na Universidade de Bonn. Porém, desde sua transferência
para a Universidade de Berlim (1836), Marx foi orientado cada vez mais
claramente para a filosofia e a história. A partir deste período data seu
namoro com Jenny von Westphalen, filha de um oficial de recente nobreza. Ao
chegar a Berlim, o jovem Marx viveu intelectualmente no mundo das ideias do
Iluminismo. A filosofia de Hegel, morto recentemente, dominava o ambiente
espiritual de Berlim e estava dando origem a uma tendência progressista e
democrática dentro da qual o jovem Marx logo seria colocado. Mas a mudança de
orientação intelectual de Marx não ocorreu sem crise. Em uma carta ao seu pai em
10 de novembro 1837, chegou a colocar entre as causas da doença e depressão que sofreu, a necessidade intelectual de adotar
os motivos básicos do pensamento hegeliano: "Adoeci, como já escrevi para
você (...), da irritação que me consumia porque tive que transformar em idolatria
uma concepção que eu odiava". Apesar dessas tensões intelectuais, Marx já
era em 1837 um "jovem hegeliano" de esquerda bastante típico. Tudo
isso é testemunhado na referida carta, na qual abundam reflexões diretamente
inspiradas pelo pensamento de Hegel e mesmo por questões de detalhes muito
características desta filosofia, como a crítica despectiva do “pensamento
matemático” ou formal em geral.
A orientação dominante dos “hegelianos
de esquerda” era entender e aplicar a filosofia hegeliana como um instrumento
crítico da sociedade existente. Mas, de acordo com suas concepções idealistas
básicas, a sociedade era para eles tanto cultura explícita (ou cultura teórica)
como grau de realização das ideias nas instituições: a crítica é também teoria
como já afirmara Marx na sua própria tese de doutorado (um estudo sobre a
filosofia de Demócrito e de Epicuro) em 1841 [2]. No entanto, o exercício da
crítica colocou progressiva e naturalmente o jovem Marx na presença de
realidades sociais, especialmente a partir do momento que ele começou a
escrever jornalismo para a Rheinische Zeitung [3] da qual se tornou diretor
(1842). Os debates da assembleia renana sobre questões como roubo de lenha na
floresta, por exemplo, despertou em Marx, uma consciência sensível aos
problemas sociais [4]. Logo no início, ele compreendeu a natureza de classe da
legislação e dos debates da própria assembleia renana. Os artigos de Marx sobre
o tema na Rheinische Zeitung pintam
plasticamente não só as atitudes de classe dos oradores dos estamentos nobres e
burgueses, mas também a natureza de classe do Estado, cujas leis e cuja ação
administrativa tendem a fazer do poder social policial jurado dos interesses
dos proprietários. A crítica do jovem Marx (que tinha vinte e quatro na época)
a essa situação vem de uma linha liberal apoiada filosoficamente numa
interpretação esquerdista do pensamento de Hegel: essa situação é condenável
porque um estado classista não satisfaz a ideia do Estado como a realização de éticidade,
da especificidade humana.
Pode ser documentado que Marx teve durante esses anos um primeiro conhecimento do movimento trabalhista (obreiro) francês e Inglês e do socialismo e do comunismo utópicos de Fourier, Owen, Sain-Simon e Weitling [5]. Em relação aos movimentos revolucionários franceses da época a sua fonte foi provavelmente a Augsburger Allgemeine Zeitung [6], no qual o poeta H. Heine [7] publicava relatórios de Paris em que várias vezes fazia alusão ao comunismo francês e aos imigrantes alemães. A reação de Marx a esses dados tem dois aspectos distintos: por um lado, ele considera justificado que "a classe que até agora não tem possuído nada” aspirem a possuir e reclama da atitude puramente negativa da classe dominante alemã em relação à aspiração econômica do proletariado e sua luta por objetivos materiais imediatos (por exemplo, Marx comenta a grande agitação de Lyon) que lhe parecem fenômenos naturais justificados sem importância e nada assustador. Mas Marx vê nas ideias comunistas ideias parciais – ideias de classe- tão incapazes como as da classe dominante para realizar o estado ético.
As ideias comunistas são
um "medo da consciência que provoca uma rebelião dos desejos subjetivos
dos homens contra as compreensões objetivas do seu próprio entendimento”. Essas
“compreensões objetivas” são o conceito hegeliano do estado, contra a qual o comunismo
é para Marx, de então, a noção parcial de um "estado de artesãos". Em
1843, a censura procedeu contra Rheinische
Zeitung e Marx teve que renunciar. Já previamente a este endurecimento da
censura, o endurecimento da politica universitária prussiano, lhe havia motivado a desistir do
seu projeto de uma carreira universitária. Este ano de 1843, no qual Marx se
somaria a emigração política alemã em Paris, foi abundante de acontecimentos
decisivos para a sua vida: além de se casar, ele conheceu a Heine, Borne,
Proudhon e Engels. Com estes desenvolvimentos, nasceu Karl Marx como uma figura de grande
influência para a história das ideias e dos fatos. A amizade com Engels trouxe a
Marx, diante de tudo, a convicção de que ele tinha que estudar profundamente os
problemas econômicos [8]. A consciência desta coincidiu com esta fase de sua
evolução intelectual e moral com o uso do pensamento de Feuerbach (um humanismo
abstrato que culmina em uma crítica recusatória da religião e da filosofia
especulativa) como um corretivo do idealismo de Hegel.
Esta situação reflete-se principalmente
em três trabalhos muito importantes para a compreensão de seu desenvolvimento
intelectual: dois escritos (1843) para Deutsch-französische
Jahrbücher [9], a Crítica da filosofia hegeliana do direito e Sobre a Questão Judaica; e outros não
publicados durante a sua vida e que permanece em estado de borrador: os Manuscritos Econômico-Filosóficos de
1844.Todos esses escritos- o último sobre tudo- apresentam caracteristicamente
o que mais tarde Marx consideraria uma "mistura" do ponto de vista
ideológico, ou de história e crítica de ideias, com o factual, ou de análise e
interpretação de dados. Esta característica indica suficientemente o lugar de
transição ocupado por esses escritos na biografia intelectual de Marx. O aspecto
mais puramente filosófico desta transição pode ser visto nos manuscritos
especialmente em sua tentativa de esclarecer a síntese do pensamento recebido a
partir do qual está organizando o seu pensamento.
Em 1845, Marx teve que sair de Paris.
Ele foi para Bruxelas e em 1847 para Londres. Deste período são as obras em que
se pode ver a primeira formulação do materialismo histórico: A Sagrada Família, A ideologia alemã, A
Miséria da Filosofia e o Manifesto
Comunista (escrito em 1847, publicado em 1848). Engels já registrou
naqueles anos o ponto de viragem, caracterizando-a como uma superação das ideias
de Feuerbach: "Mas tinha que se dar o passo que não deu Feuerbach; o culto
do homem abstrato, que constituía o núcleo da nova religião, tinha que ser substituída pela ciência do homem
real e sua evolução histórica. Este desenvolvimento posterior do ponto de vista
de Feuerbach para além Feuerbach, começou em 1845, através da obra de Marx, na Sagrada família". Neste trabalho e
na Ideologia Alemã, Marx (em colaboração
com Engels) vai explorando, com a ocasião de motivações polêmicas, sua nova
concepção da relação entre o que passará a ser chamado no marxismo, de
superestrutura (instituições e formações ideológicas) e que seria chamado de
base da vida humana, gradualmente entendida como o sistema de relações (ou
condições, como a palavra alemã "Verhältnisse" sempre usada no
plural, neste contexto, significa ambos, e circunstâncias) de produção e
apropriação do produto social. No Manifesto Comunista (em 1847, a mais tardar)
já está presente, além da tese marxista clássica que aparece na primeira frase
do famoso texto ( "A história de todas as sociedades que existiram até
hoje é a história das lutas de classes") também o esquema dinâmico de evolução
histórica como se entende do marxismo, a
saber, a tensão dialética entre as condições ou relações de produção e o
desenvolvimento das forças produtivas. No Manifesto diz Marx, por exemplo, que
"as forças produtivas modernas" estão em tensão "por
décadas" com "as relações modernas de produção, relações de
propriedade que são as condições de vida da burguesia e do seu domínio".
Em 1847, Marx era membro da Liga dos
Comunistas e trabalhava intensamente na organização do movimento trabalhador. A
evolução de 1848 levou-o a mudar-se para a Alemanha (abril), como fez Engels,
para colaborar pessoalmente na revolução democrática alemã. Marx publicou em
Colônia o Neue Rheinische Zeitung
[10] de vida efêmera (1848-1849). Após o fracasso da revolução, foi para Londres (expulso de Paris) em 1849. E em 1850
a Liga dos Comunistas foi dissolvida. Marx já não se mudaria de Londres mais do
que de maneira muito transitória e excepcional, ou por motivos de saúde nos
últimos anos de sua vida. Esta fase, que começou nos anos 50, é de muito
sofrimento causado pela pobreza, pelo esforço e pela consequente falta de
saúde. Neste momento, a preparação dos materiais e análise para O Capital tinha começado [11], que
sofreria inúmeras mudanças em relação aos projetos iniciais de Marx. Os textos
conhecidos com os títulos Contribuição à Crítica da Economia Política,
Elementos
fundamentais para a crítica da economia política, e
Teorias da Mais-Valia são todos desse
período e preparatórios de O Capital
(isso pode ser dito objetivamente, mas não no sentido de que eles eram os
planos literários de Marx). Três anos antes do surgimento de O Capital (vol. I) foi fundada a Associação Internacional dos Trabalhadores,
a Internacional por excelência. Pouco depois de sua fundação, Marx foi chamado
para participar e se tornou o seu verdadeiro guia, escrevendo o memorando
inaugural e os estatutos. A diferente concepção do caminho a ser seguido na
luta revolucionária levou-o a confrontar-se com Bakunin e seus partidários, que
em 1872 foram expulsos da Internacional. O primeiro volume do Capital, o único
publicado enquanto Marx vivia, tem sido durante o século seguinte ao da sua
publicação, o trabalho mais influente e famoso de seu autor: só mais recentemente,
sua obra anterior e de juventude, começou a solicitar uma atenção semelhante.
Contemplada a partir de sua obra anterior, O
Capital aparece como o fechamento de um movimento intelectual de
distanciamento progressivo e de negação da especulação filosófica e de sua
pretensão de ser o fundamento da ação política revolucionária; no mesmo
movimento esse papel é atribuído a um conhecimento positivo da realidade
histórica, social e econômica. "Uma vez reconhecido que a estrutura
econômica é a base sobre a qual a superestrutura política é erguida, Marx atendeu
principalmente ao estudo desta estrutura econômica" (Lenin).
O
conceito básico e novo, pelo menos no seu uso sistemático, nas obras da época
de O Capital é o de mais-valia. Com este conceito, Marx
propõe uma explicação da obtenção de valor pelo dono do dinheiro como resultado
de sua circulação. O ganho em valor é explicado porque o capitalista pode
comprar e de fato compra a única mercadoria que produz valor com seu consumo, a
força de trabalho. Nas obras que, como O
Capital, são características da maturidade de Marx, há uma recuperação dos
conceitos hegelianos. O próprio Marx comentou sobre o fato, explicando
simultaneamente em ambas as direções, como mero "flerte" intelectual
com a linguagem filosófica de Hegel, por reação contra a vulgaridade anti-hegeliana da cultura de esquerda alemã
dos anos 50 e 60; e no reconhecimento de que a "mistificação [idealista]
que sofre a dialética nas mãos de Hegel não anula de maneira nenhuma o fato de
que ele foi o primeiro a apresentar de modo abrangente e consciente as
formas gerais de movimento da dialética.
A dialética se encontra invertida no pensamento de Hegel. É necessário endireitar
para descobrir seu núcleo racional dentro do invólucro místico”. "(Prefácio
à 2ª edição do vol. I de O Capital).
As vicissitudes e os pontos de viragem
da evolução intelectual de Marx, tão rica e revoltosa como a de qualquer outro
grande pensador, levantam duas questões que são atualmente [12] temas da maior
parte da literatura marxista: os "cortes” "quebras" ou "rupturas
"que podem ter havido nessa evolução, especialmente entre os anos de
1842-1847, e a natureza do trabalho teórico de Marx, tão diretamente ligado (ao
contrário do trabalho intelectual moderno típico, por exemplo, de um físico)
com objetivos práticos (políticos revolucionários) [13]. Quanto ao primeiro
problema, podemos dizer pelo menos que uma revisão da evolução intelectual de
Marx, por curioso que seja, identifica não um, mas vários pontos de viragem
(alguns mesmo depois de O Capital), nenhum
dos quais, no entanto, é revelado como uma ruptura completa: em 1851, por
exemplo, iria escolher para liderar uma publicação de seus escritos um artigo
do ano 1842, as "Observações sobre a recente instrução prussiana sobre a
censura".
Quanto ao segundo problema, também
parece claro que Marx praticou, com as questões econômicas, um tipo de trabalho
intelectual não idêntico à que é característico da ciência positiva, embora
composto, entre outros, por esta ciência. Está claro que Marx atribui um status intelectual peculiar a
toda ocupação científica geral com problemas econômicos. Assim, ele escreve,
por exemplo, no prólogo acima mencionado para a 2ª edição do vol. I de O Capital: "Na medida em que é
(ciência) burguesa, isto é, enquanto conceba a ordem capitalista como forma
absoluta e única de produção social, em vez de como um estágio evolutivo transitório,
a economia política não pode ser sustentada como uma ciência, enquanto a luta
de classes seja latente e se manifeste apenas em fenômenos isolados". Marx
nunca fez uma afirmação semelhante sobre qualquer outra ciência.
Em 1870 Engels pode se mudar à Londres e entrou para o “Conselho Geral da Internacional”, aliviando Marx de parte do seu trabalho, permitindo que ele se retirasse em 1873 da vida pública e se dedicasse aos esforços que seu problemas de saúde permitissem na continuação da redação escrita de O Capital [14]. A morte de sua esposa e filha [15] o afetou profundamente e precipitou o seu próprio fim.
Notas:
1) "Marx, Karl",Enciclopedia Larousse, pp. 6271-6272
1) "Marx, Karl",Enciclopedia Larousse, pp. 6271-6272
2) “Diferença entre a filosofia da natureza de Demócrito e a
de Epicuro”.
3) Gazeta Renana.
4) O mesmo poderia ser dito, em outra ordem de coisas, do
jovem Engels.
5) As aproximações do autor a essas correntes socialistas podem ser vistas no terceiro capítulo do Manifesto Comunista.
6) Gazeta Geral Aubsburguesa.
7) Sobre Heine pode ser visto: M. Sacristan, "Heine la consciencia vencida", no livro Lecturas, Barcelona, Icaria, 1985, pp. 133-215.
8)
Sobre Engels escreveu Sacristán em uma nota de um artigo de 1960: "Al
escolástico que después de laboriosa búsqueda consiga encontrar en Engels
alguna frase que parezca decir lo mismo que dice Tresmontant que son las tesis
del marxismo -y tal como éste las formula- se le contestará: 1º que Engels no
fue un Padre de la Iglesia, sino, junto con Marx y Lenin, uno de los tres
grandes pensadores, en los cuales el proletariado -y la humanidad al mismo
tiempo- consiguió la consciencia de su ser; 2º que Engels murió en 1895, y 3º:
que el que escribe estas notas tiene sobre Engels la tan decisiva como poco
meritoria ventaja de ser un engelsiano vivo".
9) Anais franco-alemães
10) Nova Gazeta Renana
11). Sacristán traduziu os livros I e II para a editora Crítica-Grijalbo. Ele deixou metade da tradução do Livro III que não foi publicado na OME. César Rendueles usou essa tradução em algumas de suas antologias sobre o trabalho marxista publicado na Alianza editorial..
12) Lembre-se: no final dos anos sessenta, em pleno auge da influência de Althusser e seus seguidores no marxismo ocidental (ou em grande parte dele, pelo menos).
13) Alguns dos textos coletados em Sobre dialectica, edi cit, enfocam esse problema. Nós daremos conta deles.
14) Foi Engels, como é sabido, com a ajuda de Tussy Marx, que editou os livros II e III do Capital.
15) Sua esposa: Johanna Bertha Julie von Westphalen, "Jenny" (Salzwedel, 12 de fevereiro de 1814-Londres, 2 de dezembro de 1881); sua filha mais velha Jenny Longuet Marx (Jennychen) (11 de Maio 1844-1811 janeiro de 1883. Ao longo da vida própria obra de Marx e Marx é essencial: Mary Gabriel, , Amor y Capital. Karl y Jenny Marx y el nacimiento de una revolución. El Viejo Topo, 2014, tradução de Josep Sarret.
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