quinta-feira, 14 de maio de 2009

Dennis Hopper e a estética da violência

Escrevi esta crítica em 1970. Posteriormente a revisei, sem alterar a sua forma original, tendo publicado em 06/02/2007 no antigo Pensatas.

Easy Rider é uma obra cuja maior força e expressão estão contidas em sua dura e cruel realidade. Na verdade, é uma síntese. A síntese de um longo caminho traçado pelo cinema novo estadunidense desde o seu esboço com a Escola Independente de Nova Iorque, até os nossos dias com novas correntes que chegaram a alcançar a produção hollywoodiana, da qual é ele um expressivo representante.
É inútil uma análise de Easy Rider alijada de um mergulho objetivo na realidade atual daquele país, seus conflitos e contradições mais recentes, que são em essência o objeto principal da tese do filme, por isto mesmo, um filme polêmico em suas raízes e temática. Constitui-se em seu todo como um retrato da sociedade ianque contemporânea. É um espelho da desordem, um aprofundamento concreto nas contradições de um estado em transição. Sua dinâmica concentra-se de tal forma nesta lógica do absurdo, que transborda e desemboca numa estética da violência. Na verdade é Easy Rider a negação do status quo, o lado oposto ao american dream e ao próprio american way of life. Sua antítese exposta na mais pura e despretenciosa linguagem: o american nightmare.
No tocante à sua proposta, é uma obra abrangente. Tanto em termos de pura exposição, quanto crítica. Seu sentido polêmico está escorado nas bases de seu objetivo que não deixa margem a dúvidas ou meias suposições. A tomada de posição (favorável ou contrária) é sintomática por parte do espectador, fazendo dela uma obra polêmica e consciente em sua finalidade. Easy Rider obedece a um crescendo rítmico que desemboca em seu violento final, lógico por sinal, dentro de toda a ilógica chocante que pretende expor.
O conflito entre o homem e o meio, entre a moral vingente e um novo modo de vida - mesmo que transitório - a realidade e a fantasia, a agressão e a busca da paz, a perspectiva e a falta da mesma são uma constante no filme, que atinge o ponto fundamental de sua mensagem. Os “cavaleiros” errantes, seu sentido de liberdade e revolta à ordem constituída, são a paródia de uma história forjada em mitos. Na verdade o "herói forasteiro" e "sem destino", é uma constante da iconografia da história norte americana. Faz parte de uma mitologia que tem por trás de si, a síntese e a contradição máxima do capitalismo selvagem e individualista.
Easy Rider, traz uma forte e clara mensagem de liberdade, mas constitui-se, por outro lado numa dura e também clara advertência. Não propõe meios termos. Muito pelo contrário, é radical. Para alguns chegará a constituir-se numa realização panfletária. Easy Rider é também o reflexo da evolução do pensamento de uma nova esquerda naquele país. Surge, não como uma obra esporádica e feita ao acaso, mas como a conseqüência consciente de um processo de amadurecimento de posições de alguns setores mais avançados da intelligentsia nos Estados Unidos.
Seus personagens situam-se num prisma realmente inserido no espelho global deste contexto de final dos anos sessenta, do movimento hippie, da fuga à sociedade de consumo, da revolta, do nihilismo. Na verdade, o filme não se perde em especulações vazias, nem tampouco em metáforas jogadas. É tão claro e objetivo, cru e real. E a direção segura de Dennis Hopper, deixa-nos, sem dúvida alguma, a conclusão final de um filme seguro no seu projeto e realização.

5 comentários:

André Setaro disse...

Surgido no bojo contracultural dos agitados anos 60, ainda que no ocaso da década (1969), "Sem destino" ("Easy rider"), quando do seu lançamento (no Brasil, creio que em 1970), provocou certa estupefação pelo sentido de denúncia, de amostragem de uma sociedade em franca decadência, e, principalmente, pela sua construção na qual há a mistura do realismo com o onirismo (a sequência do cemitério é filmada em Super 8 e depois ampliada para a bitola 35mm e consiste, basicamente, numa "viagem" movida a ácido e drogas outras). Dennis Hopper reparte a direção com Henry Fonda, e Jack Nicholson tem, pela primeira vez, a oportunidade de mostrar a sua esfuziante personalidade no papel do advogado bêbado. A rigor, "Easy rider" segue os postulados de Jack Kerouac, e pode ser considerado um filme "on the road".

O tempo, porém, passa. Seu comentário está excelente e caiu certo, porque o filme está a completar, neste 2009, 40 anos (por incrível que possa isso parecer).

A pergunta que não quer calar é a seguinte: resistiram as imagens de "Easy rider" ao tempo implacável?

Vi "Easy rider" algumas vezes na sua estréia. Há quarenta anos, portanto, não o vejo. Este 'post' me deu a idéia de fazer um artigo sobre o filme pelos seus quarent'anos.

André Setaro disse...

Há um blog que se dedica a publicar artigos "clássicos", principalmente os franceses da famosa "Cahiers du Cinema" em boa tradução em língua portuguesa. Creio uma página indispensável para aqueles que gostam de cinema. Recomendo para os leitores deste vibrante blog:
http://www.dicionariosdecinema.blogspot.com/

Ieda Schimidt disse...

Passei por aqui porque tuas postagens têm sido às quintas e domingos. Acertei.
Easy Rider é um filme quer muito fez no sentido de uma avaliação do comportamento de uma geração. Uma geração que denunciou e viveu a guerra do Vietnã, as denúncias dos crimes contra os negros e as lutas pelos direitos civis, os assassinatos de Matin Luther King e dos Kennedys.
Este filme, vi na época. Não sei qual o seu comportamento hoje em dia. Mas só a presença de Jack Nicholson vale. Fora as deslumbrantes paisagens de que me recordo.
E como tu diz, o final chocante.

Jonga Olivieri disse...

Que bom que você vai escrever um artigo sobre os 40 anos deste filme.

Jonga Olivieri disse...

Coincidentemente as postagens teem realmente sido às quintas e domingos.
Também vi este filme na época, em que aliás escrevi esta crítica, não tendo voltado a assisti-lo. Mas ficou uma recordação, principalmente dos visuais e daquele final violento e tão sem propósito quanto a sociedade estadunidense como um todo: violenta em essência.