Domigo passado falei da noite e de bares do Rio da minha
juventude. Hoje, resolvi falar de cinemas. Cinemas que marcaram minha infância
e continuaram até os anos 1990; antes que os shoppings acabassem com as salas
de exibição de rua.
Os três Metros no Rio eram caracterizados pelo ar condicionado,
numa época em que isto ainda era raro. Lembro que lá em casa tinha apenas um
daqueles mágicos aparelhos muito propícios para a temperatura escaldante da
cidade. Mas olha, passar na porta do Metro Copacabana em dia de “verãozão”
carioca era uma dádiva dos deuses. Tinha gente que ficava parada na porta só
pra refrescar um pouquinho e ganhar forças para continuar a caminhada.
Naquele cinema assisti várias vezes, ainda criança, os
famosos “Festivais Tom & Jerry” que passavam todas a manhãs de domingo com
as maldades daquele ratinho sádico contra o idiota do gato, a vítima que se
supunha ser o “vilão”. Mas, também a Metro era quem produzia os filmes de
Tarzan, e, pelo menos alguns dos musicais de Elvis Presley, isso também e ainda
nos finais dos 50 e início dos 60. O cinema ia abaixo quando o roqueiro
começava a cantar. E exibir o seu característico rebolado.
Ao lado, quase coladinho mesmo, ficava o Art Palácio que me
despertou quando na adolescência começava a me interessar pelo cinema europeu.
Vi muitos filmes da Nouvelle Vague,
como “Trinta anos esta noite” de Louis Malle e italianos, a exemplo de “La dolce vita” de Fellini, obra que me
marcou profundamente. Era uma sala mais simples, porém ampla, como grande parte
dos cinemas da época.
E até digo isso porque no posto seis, tinha um mini cinema,
o Alvorada, que se intitulava “cinema de arte” e que também exibia filmes
europeus em quantidade. Por exemplo, “Morangos Silvestres” e “O sétimo selo” de
Bergman eu assisti ali. Cinemas do gênero surgiram depois, tais como o Riviera,
também no mesmo posto seis que tinha a característica de promover festivais de
países cuja cinematografia era pouco conhecida por essas bandas. Como o tcheco,
o polonês, o japonês, o indiano e por aí afora. Aquela sala, proporcionou-me ver
filmes como “Um dia, um gato” de Vojtech Jasny ou “A faca na água” de Polansky.
Copacabana tinha muitos cinemas. O Ritz foi um dos primeiros
a ser derrubado e ficava entre a Figueiredo Magalhães e a Siqueira Campos.
Lembro de ter assistido um filme de Cantinflas no Ritz. Na própria Siqueira
Campos ficava o Flórida. Mais o Ricamar, o Rian, que tinha o privilégio de
ficar na avenida Atlântica, de frente par o mar. O Alaska, cinema quase na
vertical. E um no Leme que eu nem me lembro mais o nome. Além do famoso Caruso
que também era excelente.
Saindo de Copacabana, o saudoso Veneza e o velho São Luis. E
digo o ”velho” porque os que foram construídos no lugar dele são arremedos
daquela esplendorosa sala exibidora. Também no Largo do Machado um poeira em
que eu ia muito, o Politeama. Era enorme. Pra se ter uma idéia hoje há um
grande super mercado no mesmo lugar. Pertinho dali, indo na direção do Catete o
exótico Azteca (foto acima). Depois veio o Condor Largo do Machado, que também
distribuía muitos filmes europeus. O Condor, quando acabou sofreu uma reforma e
virou dois, os Largo do Machado I e II.
Um capítulo a parte foi o Paissandu, que – criminosamente
(1) – cerrou as portas em 2008. Naquela sala, para além dos grandes lançamentos
do cinema de vanguarda no mundo, ainda havia o Festival de curta metragens
patrocinado pelo Jornal do Brasil. Mas filmes como “Cinzas e diamantes” de
Jerzy Andrzejwski e “Kanal” de Wajda passaram em sua tela. Ou “O incidente” de
Larry Peerce, uma película da Escola Independente de Nova Iorque. O Paissandu
foi a marca de uma geração que levou o seu nome.
No Leblon, o próprio Leblon, o Miramar que como diz o nome, como
o Rian, também ficava na praia. Em Ipanema o Astória, o Ipanema e o Pirajá. Até
no jardim Botânico, tinha o Floresta, um poeira horroroso que caracterizava os
chamados cinemas de bairro. Mas eram baratíssimos; e viviam cheios.
Botafogo tinha vários poeiras. O Nacional, quase na esquina
da Real Grandeza com Voluntários. Este depois passou por uma reforma, subiu de
categoria e foi rebatizado como Bruni Botafogo. Mas tinha também o Botafogo que
um dia havia sido o Star. E o Guanabara. Um “poeirão” quase na praia, esquina
com a rua da Passagem. Este cinema tinha a característica de nas noites de
verão abrir as portas laterais para que ficasse mais fresco. Neste bairro,
depois surgiram o Ópera e os Coral e Escala, esses cinemas gêmeos, que
estrearam com os filmes de André Cayatte “Confissões de um homem casado” num e
“Confissões de uma mulher casada” no outro. Os Coral e Escala, com a decadência
viraram salas de filmes pornô durante muitos anos, e hoje o local abriga o excelente
complexo do Unibanco Arteplex.
Na cidade havia também os cinemas “passa tempo”. Tinham este
nome porque exibiam curtas, na época chamados de shorts,
desenhos e filmetes de todo o tipo. Nunca longa metragens. Como seu nome dizia,
tinha um relógio grande embaixo da tela e eram muito usados para se passar o
tempo enquanto se esperava um compromisso qualquer. Você podia ficar o tempo
que precisasse neles. O Cineac Trianon era o mais famoso deles e ficava na
Avenida Rio Branco. Tinha um longo hall de entrada
com atrações, como um famoso faquir que ficava dias sem água ou comida em cima
de pregos numa redoma de vidro, cercado de cobras.
E na Tijuca? A praça Saens Pena era uma mini Cinelândia.
Tinham muitos cinemas ali, como o famoso Olinda. E nos arredores, como na
Haddock Lobo e Conde de Bonfim. Mais longe um pouco, andando na direção da
cidade havia o Madrid. E um outro cineminha (poeira) quase no Estácio, que eu
não lembro o nome. Mas foi lá que uma ocasião, despenquei de Botafogo para
assistir “O ladrão de Bagdá” em reprise, pois queria ver este famoso filme
antigo de Korda com o ator indiano Sabú. Os poeiras tinham a vantagem de passar
muitas reprises. Talvez por ser mais barato, mas era muito bom que isso
acontecesse.
Tem ainda o capítulo dos subúrbios, mas desses não conheci
nenhum. No entanto Madureira, Cascadura e Méier, ao que consta tinham muitos
cinemas. E bons.
(1) Considero criminoso a
prefeitura não haver tombado o Paissandu. Quando a rede Estações resolveu
fechar a sala, as autoridades poderiam ter interferido para que continuasse a
existir. Houve até um abaixo assinado neste sentido, mas...
5 comentários:
Bons tempos do "cinema de rua".
Sim, tempos muito diferentes. A "tchurma" de hoje não faz ideia de como foi!
Conheci,Hulot, a maioria dos cinemas citados por você, porque costumava, como você sabe, passar as férias todo ano no Rio no Palácio Cantanhede, de "Tia Ethan". O Asteca, ainda adolescente quando o conheci, confesso que me assustou. Vi muitos filmes no Politheama, Largo do Machado, homérico poeira, mas que passava programa duplo. Lembro de uma vez, em 1963, quando fui ver '20 quilos de confusão', de Norman Jewison, com Tony Curtis, no maravilhoso São Luiz, de uma balança na porta, que dizia: "criança até 20 quilos não paga!". Bobagem, mas serve para ilustrar o marketing ingênuo da época. Paissandú, Alvorado, Miramax, Metro, Art-Palácio, Pathé, Victória, Odeon, Palácio, entre tantos outros, fui a eles várias vezes. Mas os cinemas de minha afetividade, os cinemas, por assim dizer, de minha vida, estão em Salvador, e creio que você os conheceu a todos. O Guarany, na Praça Castro Alves, era a sala exibidora que mais me encantava. Para se ver a ingenuidade de um menino. Quando tinha 8 anos, indo com minha mãe e irmãos ao Guarany, ela me disse: "Dilton agora é porteiro do Guarany". Dilton era marido de Ocridalina, costureira de minha mãe. E passei a admirá-lo com aquela posição herética - antigamente porteiro tinha linha, olhando sempre para a frente como um soldado, rasgando o ingresso com o movimento só das mãos, e trajado com uma espécie de smoking.
Fantásticas as suas recordações, André.
Tambem achava o Azteca um cinema meio apavorante com aquelas figuras na frente (vide foto) E por acaso lá assiti "A última esperança da Terra" (Omega Man), um filme de Sci-Fi meio terrorífico... Coisas da vida!
Muito completa a retrospectiva...
L.P.
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