Postei recentemente neste blogue depoimento de Martin
Scorsese sobre Glauber e lembrei-me de traçar algumas palavras sobre ele,
relembrando sua criatividade e análise crítica sobre o Brasil e a América “esquecida”
e subdesenvolvida que habitamos.
Considero “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1963), “Terra
em Transe” (1967) e “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro” (1968), as mais
importantes e emblemáticas realizações de Glauber Rocha. Não que as outras não
tenham o seu valor.
Mas é difícil determinar qual deles é o melhor.
Sempre considerei “Deus e o Diabo...” em “primeiríssimo lugar” e de forma
imbatível, aquela verdadeira “Ópera de Cordel” que ele compôs com um “Corisco” brechtiano construído no sertão. No
entanto, ao vê-los em tão pouco espaço de tempo em excelentes cópias
remasterizadas, perfeitas, ficou, não a dúvida, mas a certeza de que são, não
apenas importantes, como tambem têm uma interação muito maior do que se possa
imaginar.
Glauber, na sua genialidade constrói retratos de um
Brasil que parou no tempo. Um Brasil que a grande mídia e os “pelegos” do PT (a
UDN de tamancos) querem negar, mas está aí na nossa frente. O “quarto mundo”
das massas, da corrupção deslavada, do feudalismo, que continua no campo,
independente do avanço do capitalismo nas cidades.
Recentemente foi anunciado de forma “xenobófica”
pela burguesia o fato de o país ter ultrapassado a Grã Bretanha e ocupar a
sexta colocação entre os PIBs do mundo... Mas eles se esqueceram de olhar para
o outro lado: o da distribuição de renda. No mesmo dia vim a tomar conhecimento
que estamos quase em centésimo lugar no quesito “qualidade de vida” entre todos
os países do mundo, à frente apenas de alguns miseráveis africanos sub
saarianos e aqui na América, do Haiti e outras “republiquetas” congêneres.
Outrossim, quando assisto “Terra em Transe” parece
que estou presenciando a mesma nojeira que rola no “poder” até os nossos dias.
Há poucas nuances de diferença. Talvez la
”Santa Madre Iglesia” tenha perdido um pouco de sua força (até então
descomunal), porque o crescimento dos evangélicos foi surpreendente com a
consolidação do capitalismo nas cidades. Ou a Oligarquia limita-se aos cantos perdidos do sertão, como em “Deus e
o Diabo...”, este uma abordagem do Messianismo
e do Cangaço. Mas a realidade é que
estão nos dois filmes os elementos que predominam em nosso “kanzer” (1)
social e econômico.
Brilhantes as locações “tropicalistas” e luxuriantes
de “Terra em Transe”, em sua maior parte filmado no “palacete”, então
abandonado do Parque Lage ou no Theatro
Municipal do Rio de Janeiro. E o grande suporte de atores que lhe dá um
certo ar de “superprodução”, a começar por Jardel Filho, José Lewgoy, Glauce
Rocha e Paulo Autran. Passando por Danusa Leão, Hugo Carvana e a terminar com a
participação em pontas de Paulo Cesar Peréio, outros & outras...
Já em “Deus e o Diabo...”, as presenças de Geraldo
Del Rey, Yoná Magalhães e Othon Bastos, todos excelentes, dão um toque todo
especial ao filme.
Tudo isso para nos revelar que Glauber, para além
do maravilhoso diretor que foi, revelou-se o “Profeta da Fome” neste país até
hoje assolado pela miséria e o Paternalismo
político; apesar de se decantar em prosa e verso que há uma nova “classe média”
nesta “Eldorado” não oriunda da
pequena burguesia. Até existe, é inegável, mas... Essa "terra do sol" continua entre a cruz e a espada num
"transe" sem fim!
1. Glauber usou muito essa
expressão quando começou sua “doença terminal” ainda em Lisboa.
2 comentários:
Para mim, o melhor, por sua importância como corte longitudinal na estrutura narrativa do cinema brasileiro, determinando um 'antes' e um 'depois', é 'Deus e o diabo na terra do sol'. 'Terra em transe' também é excepcional, com aquela narrativa wellesiana.E 'O dragão da maldade contra o santo guerreiro'. Os três melhores filmes de Glauber Rocha. Acho 'O leão das sete cabeças' de uma alegoria ultrapassada, simplista na questão do imperialismo. E, além de tudo mais, chato, lento, difícil de acompanhar acordado, pois é mais ativo do que o calmante que tomo: Lorax 2mg. Mas os três melhores são obras impactantes, definidoras de um estilo e de uma personalidade.
Concordo. Esses são os melhores filmes de Glauber...
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