Em conjunto
ao lançamento da nova edição de "O Capital", a Boitempo e o Sesc-SP
promovem, a partir de 5 de março a 15 de maio no Sesc-Pinheiros - SP, (telefone
(11) 3095 9400), um ciclo de palestras e debates sobre Marx que terá a
participação de mais de 20 intelectuais de diversas áreas do conhecimento,
incluindo convidados internacionais de renome, como o filósofo esloveno Slavojiek,
o geógrafo britânico David Harvey, que lançará, na ocasião, o livro "Para
entender 'O Capital'", e o cientista político alemão Michael Heinrich.
Heinrich
tinha 14 anos quando começou a ler Karl Marx, ainda no colégio. Hoje, aos 55,
trabalha no MEGA, codinome do projeto alemão Marx-Engels-Gesamtausgabe, que vem reestabelecendo os textos e
publicando em edições críticas todas as linhas já escritas pela dupla.
O professor,
que virá ao país para uma palestra em 22 de março intitulada "Os Manuscritos
de Karl Marx e Friedrich Engels", é autor de um popular livro de
apresentação chamado "Uma Introdução aos Três Volumes de 'O Capital"
(sem edição brasileira).
A menção aos
"três volumes" no título de seu livro não é casual. Quais seriam as
suas sugestões para entender bem o intrincado "O Capital"?
"Vou
resumir todas minhas dicas em uma só", responde. "Leia 'O Capital' na
íntegra."
Heinrich,
que vem trabalhando em perspectiva não ortodoxa marxista (o próprio Marx se
disse "não marxista" em carta para o genro Paul Lafargue, lembra ele)
para recuperar o legado intelectual do autor, diz que certos livros de
introdução desvirtuam os objetivos da obra.
"As
três partes do livro formam uma unidade. Se você ler apenas o primeiro volume
terá uma visão não só incompleta, como errada. O sentido integral, mesmo de
categorias como valor e mercadoria, só se revela com o final do livro",
afirma.
É preciso,
diz ele, questionar o que Marx tenta analisar de fato. "Não era o
capitalismo inglês nem o capitalismo do século 19, mas sim a organização
interna do modo de produção capitalista, em seu ideal médio, como Marx resume
no final do volume 3."
Nessa
perspectiva, sustenta ele, a leitura do livro hoje faria muito mais sentido (e
a Folha perguntou a importantes intelectuais brasileiros "por que ler Marx
hoje"). "Grande parte da análise que ele faz do capitalismo se aplica
muito mais ao que aconteceu no século 20 e no 21 do que ao tempo dele."
Heinrich diz
que um dos grandes enigmas para ele "é entender como o trabalho de um
homem que devotou a maior parte da vida à análise do capitalismo e fez pontuais
notas sobre a sociedade capitalista é considerado o responsável por um modelo
social extremamente autoritário chamado 'socialismo'".
Testemunha
da queda do Muro de Berlim, em 1989, ele assistiu o interesse por Marx na
Alemanha desabar, até ganhar empuxo novamente no final dos anos 1990.
Ele defende
o projeto no qual trabalha, o MEGA (também chamado de MEGA-2, para se
diferenciar de iniciativa semelhante dos anos 1920) por difundir uma visão mais
científica de Marx.
Três
intelectuais brasileiros explicam as razões pelas quais os escritos de Karl
Marx são importantes até os dias de hoje e, por isso, ainda merecem leitura.
ROBERTO
SCHWARZ, crítico literário
"Como
percepção da sociedade moderna, não há nada que se compare a 'O Capital', ao
'Manifesto Comunista' e aos escritos sobre a luta de classes na França. A
potência da formulação e da análise até hoje deixa boquiaberto. Dito isso, os
prognósticos de Marx sobre a revolução operária não se realizaram, o que obriga
a uma leitura distanciada. Outros aspectos da teoria, entretanto, ficaram de
pé, mais atuais do que nunca, tais como a mercantilização da existência, a
crise geral sempre pendente e a exploração do trabalho. Nossa vida intelectual
seria bem mais relevante se não fechássemos os olhos para esse lado das
coisas."
JOSÉ ARTHUR
GIANNOTTI, filósofo:
"Os
textos de Marx, notadamente 'O Capital', fazem parte do patrimônio da
humanidade. Como todos os textos, estão sujeitos às modas, que, hoje em dia, se
sucedem numa velocidade assombrosa. Depois da queda do Muro de Berlim, o
marxismo saiu de moda, pois ficava provada de vez a inviabilidade de uma
economia exclusivamente regida por um comitê central 'obedecendo a regras
racionais', sem as informações advindas do mercado. Mas a crise por que estamos
passando recoloca a questão da especificidade do modo de produção capitalista,
em particular a maneira pela qual esse sistema integra o trabalho na economia.
O desemprego é uma questão crucial. As novas tecnologias tendem a suprir
empregos. Na outra ponta, o dinheiro como capital, isto é, riqueza que parece
produzir lucros por si mesma, chega à aberração quando o capital financeiro se
desloca do funcionamento da economia e opera como se a comandasse. A crise
atual nos obriga a reler os pensadores da crise. Como cumprir essa tarefa?
Alguns simplesmente voltam a Marx como se nesses 150 anos nada de novo tivesse
acontecido. Outros alinhavam as modas em curso com os textos de Marx,
apimentados com conceitos do idealismo alemão, da psicanálise, da fenomenologia
heideggeriana. Creio que a melhor coisa a fazer é reler os textos com cuidado,
procurando seus pressupostos e sempre lembrando que a obra de Marx ficou
inacabada e sua concepção de história, adulterada, por ter sido colada, sem os
cuidados necessários, a um darwinismo respingado de religiosidade."
LEANDRO
KONDER, filósofo:
"Os
grandes pensadores são grandes porque abordam problemas vastíssimos e o fazem
com muita originalidade. A perspectiva burguesa, conservadora, evita
discuti-los. E é isso o que caracteriza seu conservadorismo. Marx é o autor
mais incômodo que surgiu até hoje na filosofia. Conceitos como materialismo
histórico, ideologia, alienação, comunismo e outros são imprescindíveis ao
avanço do conhecimento crítico. Por isso, mais do que nunca é preciso
frequentá-los."
Dados obtidos na “Folha online”
Um comentário:
Este ciclo de palestras e o lançamento dos volumes de O Capital provam que Marx se antecipou ao seu tempo em sua análise científica de um sistema e não simplesmente do período em que este se encontrava.
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