sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Fukushima e a barbárie (anti) civilizadora e anti-humanista do capitalismo real



Salvador López Arnal (1)

Traduzido para Novas Pensatas  por Jorge Vital de Brito Moreira


É uma nota de Reuters que foi reproduzida no jornal espanhol El País [2]; una nota, no geral, afável e pouco crítica com a indústria nuclear e seus porta-vozes mais destacados. A informação publicada é uma exceção.
O ponto crucial da história: "recrutadores" contratados, free-lancers, ou na folha de pagamento de  "grandes" corporações procuram pessoas desabrigadas que cobram menos que o salário mínimo japonês para realizar tarefas (trabalhos) muito arriscadas na sinistra usina central de Fukushima. Sem contemplação.
Seji Sasa percorre, "a estação de trem de Sendai, uma cidade no norte do Japão, todas as manhãs, antes do amanhecer”. Procura indigentes, pessoas  sem-teto que dormem entre caixas de papelão, tentando se proteger do frio do duro inverno japonês. Não é, evidentemente, um assistente social. Ele é um liquidador ... desculpem, desculpem, queria dizer um recrutador. Homens pobres, desinformados, desesperados, no limite de toda a estação de trem, são trabalhadores potenciais ( "peões ", escreve a Reuters, o mesmo termo - "peão não qualificado "- que se usava para chamar os trabalhadores como meu pai no fascismo ) que Sasa, o recrutador, enviará a empreiteiros (contratistas) de Fukushima . A remuneração que obtém: US $ 100 dólares por cabeça. Quase como nos cartazes dos filmes de cowboys (caubois) imperiais.
Na realidade, pensando friamente, é um procedimento. Tecnicamente impecável. Força de trabalho legalmente contratada, salário mínimo muitas vezes. Oferta e demanda.  Dá-me e eu dou. Trabalhando sem proteção (com proteção seria mais caro) na limpeza de resíduos radioativos. Falamos , não é preciso lembrar, da terceira maior economia do mundo, até recentemente, a segunda, um ponto de referência para muitas corporações  e  para muitos países, a vanguarda tecnológica do mundo, produtora de muitos dos lixos que abundam nas cidades das grandes megalópolis (as antigas cidades).
Um "argumento” racionaliza a situação ou permanece no quarto se for conveniente ventilá-lo:  se vamos correr riscos, por que não arriscar a vida de quem tem menos saúde, menos vida pela frente e uma vida menos satisfatória?  A vida deles não vale menos, muito menos , do que a dos outros, se falamos com franqueza econômicoexistencial?  De fato, o esforço realizado em Fukushima "é dificultado por falta de supervisão e da escassez de trabalhadores”. Então, qual é o problema?  
Em janeiro, outubro e novembro de 2013, "gangsters japoneses foram presos e acusados ​​de se infiltrar na rede de subcontratados da descontaminação do gigante da construção Obayashi Corp" e também de  enviar, de forma ilegal, "a trabalhadores para o projeto financiado pelo Governo". Em outubro passado, Sasa o liquidador-recrutador “recrutou vários sem-teto na estação de trem de Sendai, que acabaram limpando o chão e os detritos radioativos na cidade de Fukushima por menos que o salário mínimo, de acordo com a polícia" e com os relatos das próprias pessoas envolvidas. Algum problema, algo muito para se opor? Sasa é um profissional, como aqueles que retratava o Sr. Tarantino, outro profissional, em Pulp Fiction. Não  admiramos os bons profissionais? Não apreciamos a qualidade e eficácia do seu trabalho? Este é mais um. A vida é dura, não é um lugar para os fracos.
As pessoas contratadas, diz a Reuters, "tinha acabado de trabalhar com uma cadeia de três empresas intermediárias para Obayashi." A corporação em questão é uma das mais de 20 principais construtoras envolvidas nos projetos do governo japonês para remover a radiação. Então?
A onda de prisões demostrou , além disso, "que os membros das maiores organizações criminais do Japão, Yamaguchi-gumi, Sumiyoshi-kai e Inagawa-kai tinham estabelecidos agências de recrutamento no mercado negro a serviço de Obayashi". É claro que nem a corporação, nem a TEPCO, nem o governo japonês  sabia nada sobre isso. Leiam, leiam: "Estamos levando muito a sério o fato de que estes incidentes continuam ocorrendo um atrás do outro." Declarou Junichi Ichikawa, um porta-voz de Obayashi. Não só isso: a companhia, a empresa de construção humanista, ajustou o controle de seus subcontratados menores, a fim de excluir os infratores (yakuza). A preocupação pelos direitos trabalhistas no posto de comando. Sim, Ichikawa acrescentou: "Havia aspectos do que estávamos fazendo, que não foi longe o suficiente.” Oh, meu Deus!
Parte do problema de controlar o dinheiro do contribuinte em Fukushima, a Reuters observa, "é o grande número de empresas envolvidas na descontaminação" desde os principais contratistas que lideram o mercado aos pequenos empreiteiros. Desconhecemos o número total. Mas temos algumas evidências “nas dez cidades mais poluídas e numa estrada que percorre o norte além dos portões da fábrica destruída em Fukushima, a Reuters disse que 733 empresas estavam trabalhando para o Ministério do Meio Ambiente”. Mais de setecentas! Não é este, talvez, o plano estratégico de toda a corporação que se respeita? Vamos subcontratar, vamos subcontratar, para explorá-los no mar!
 A Reuters também contou 56 subcontratados nas listas do Ministério do Meio Ambiente japonês - contratos que totalizam 2.500 milhões de dólares- nas áreas com mais radioatividade. Se não fosse aprovados pelo Ministério da Construção "não teria sido possível conseguir licitações em qualquer outra obra pública”. Mas a realidade impõe suas regras. Uma lei de 2011, que regulamenta a descontaminação, colocou sob o controle do Ministério do Meio Ambiente  “o maior programa de gastos desta instituição". Pronto, está solucionado! Essa mesma lei também reduziu os controles sobre os licitadores, permitindo que as companhias ganhassem contratos de limpeza de radiação sem a publicação obrigatória dos mesmos nem do certificado exigido para participar nos trabalhos públicos e na construção de estradas". Ninguém tinha de ser exigente, nem ser tão requintado, não são bons tempos para estúpidas poesias. Direto ao coração da obra e das trevas! Os direitos trabalhistas são obstáculos a incomparável modernidade! São reclamações de homenzinhos fracos e estúpidos!
A Reuters "encontrou cinco empresas que trabalham para o Ministério do Meio Ambiente mas não puderam ser identificadas". Elas não estavam registadas no Ministério da Construção. “Não tem um número de telefone ou uma página web" e não foi possível "encontrar um único Registro corporativo que revelasse seu dono". Não havia tampouco o Registro de tais empresas no banco de dados da Teimou Databank, a principal empresa de pesquisa de crédito. E daí? Tudo claro, transparente, limpo, humanista, integrador, como o próprio capitalismo, isso sim, na medida do possível. Só nessa medida!
Que maravilha a chuva em Sevilha e o trabalho radioativo em Fukushima! Que aconteceu com a industria que foi e continua segura, eficaz, humanista com segurança garantida com pura enrolação (conversa fiada)?
Quanta razão tinha Rosa Luxemburgo: socialismo ou barbárie! Quantas razões  esgrimia Francisco Fernández Buey, quando insistia nas dimensões anti-humanistas do capitalismo sem freios, sem princípios e à obsolescência do ser humano como bandeira e programa de todos os dias! E assim, sem alteração, até o desastre final, a menos que os desfavorecidos do mundo gritem: Nem um passo atrás ! Não em nosso nome!

1) Salvador López Arnal, professor de matemática da  UNED e professor instrutor dos ciclos de formação em informática IES Puig Castellar de Santa Coloma de Gramenet (Barcelona), é filósofo e autor de livros sobre o estado da ciência, da cultura e da política no mundo de hoje. Salvador escreve regularmente para a revista El Viejo Topo, Rebelion.org, Marx Espai, Sin Permiso e é editor, junto com Joan Benach e Xavier Juncosa, do documentário "Sacristán Integral" (El Viejo Topo, Barcelona). López Arnal é neto do cenetista (membro da Confederación Nacional del Trabajo) assassinado em maio de 1939 -delito: “rebelião militar”-: José Arnal Cerezuela.

2) http://sociedad.elpais.com/sociedad/2013/12/30/actualidad/1388428242_330917.html

2 comentários:

Joelma disse...

Muito bom esta postagem de Salvador Lopez Arnal.

Misael disse...

Quer dizer: por trás do acidente a sem-vergonhice do sistema.