O inédito Observatório da Imprensa exibido pela
TV Brasil na terça-feira (17/12), o último programa do ano, levou ao ar uma
edição especial com os fatos mais marcantes de 2013 e uma reflexão sobre o que
esperar de 2014. Este modelo já se tornou uma tradição: é a sexta vez
consecutiva que o programa encerra o ano com esse exercício informal de “futurologia”.
No plano internacional, ainda repercutem as revelações do caso Snowden, os
desdobramentos da Primavera Árabe e a crise financeira de 2008. Por aqu, o
histórico julgamento da Ação Penal 470, que levou para a cadeia figuras
importantes do cenário político, e as jornadas de junho dominaram as manchetes.
E o que esperar de 2014, ano de eleições presidenciais, da Copa do Mundo no
Brasil e dos 50 anos do golpe militar de 1964?
Para analisar estas questões, Alberto Dines recebeu
três convidados no estúdio do Rio de Janeiro: o cientista político Renato
Lessa, o economista e ecologista Sérgio Besserman e o escritor Affonso Romano
de Sant’Anna. Lessa é presidente da Fundação Biblioteca Nacional, foi professor
titular de Teoria Política da Universidade Federal Fluminense, presidente do
Instituto Ciência Hoje e pesquisador associado do Instituto de Ciências Sociais
da Universidade de Lisboa. Affonso Romano de Sant’Anna também presidiu a
Biblioteca Nacional; poeta, ensaísta e cronista, criou o Proler e o Sistema
Nacional de Bibliotecas, e é autor vários livros. Sérgio Besserman é presidente
da Câmara Técnica de Desenvolvimento Sustentável da Prefeitura do Rio de
Janeiro. Professor de Economia da PUC-Rio, estuda as consequências econômicas e
sociais da mudança climática, foi diretor de Planejamento do BNDES, presidente
do IBGE e do Instituto Pereira Passos.
Um dos assuntos de maior destaque em 2013 foi a
revelação do ex-consultor da Agência de Segurança Americana (NSA), Edward
Snowden, de que os Estados Unidos montaram uma rede internacional de
monitoramento de comunicações que atingiu dezenas de países, inclusive o
Brasil. Após revelar a espionagem, Snowden partiu para o exílio e, no momento,
está abrigado na Rússia. “Os Estados Unidos estavam espionando tudo. Qual é a
novidade disso? A França também está, a Grã-Bretanha também está. Estava antes,
está agora e vai continuar depois porque informação é poder”, relativizou
Besserman. “É uma ingenuidade achar que eles são donos do mundo de graça”,
completou Affonso Romano. Para Renato Lessa, a maior revelação do caso Snowden
é que uma pessoa pode mostrar ao mundo o esquema de vigilância e criar um
mecanismo de contra poder.
A polêmica das biografias, que foi largamente
discutida no Brasil ao longo do ano, também foi tratada no programa. Renato
Lessa explicou que o receio dos biografados não tem relação com possíveis erros
factuais nas publicações porque estes podem ser resolvidos na Justiça. O medo
está ligado à interpretação da narrativa: “A interpretação é um dado da nossa
inserção no mundo. Como eu posso produzir restrições à capacidade
interpretativa?”, questionou o cientista político. Besserman ressaltou que a
discussão acerca dos limites da privacidade terá que ser travada. Para ele, o
moralismo está condenado: “Essas preocupações com revelar aspectos da vida
pessoal, que está muito na origem [da polêmica], deixarão de existir não pelo
lado da revelação ou não, mas pelo lado de que o impacto moral de o sujeito ter
feito isso ou aquilo, como já acontece com a garotada, vai se diluir e deixar
de existir”.
Dines colocou em pauta os diversos casos de corrupção
envolvendo partidos políticos no Brasil. “Uma vez eu resolvi ler a história da
corrupção e [existem] vários livros que começam na Grécia. Não há cultura sem
corrupção. Isso não significa que estejamos a favor da corrupção. Temos que
entender o papel dela dentro do sistema. No sistema democrático, onde as coisas
veem para o jornal, ao conhecimento do público, nós estamos dentro dessa
situação: não há mais partido incólume, inatacável. E todos cometem erros.
Esses erros têm que ser examinados”, disse o escritor. Sérgio Besserman
ressaltou que a questão no Brasil é séria e envolve grandes quantias. No nosso
sistema político, o dinheiro – e não ideias ou carisma – dita quem irá ocupar o
poder. Além disso, o povo brasileiro é patrimonialista e pressiona os políticos
a concederem benefícios a determinados grupos.
“Isso tem a ver com uma cultura política que está em
todo lugar, ela é ubíqua. Ela está escrita na gramática básica da política
brasileira, é uma forma de operar a vida pública brasileira. Isso tem a ver com
a relação entre política e dinheiro. O Supremo Tribunal Federal agora está
discutindo uma coisa que pode ter um impacto fundamental nisso, que é a
inconstitucionalidade do financiamento de campanhas por parte de pessoas
jurídicas”, disse Renato Lessa. Na opinião do cientista político, a discussão
sobre reforma política melindrou os parlamentares. Para eles, o Poder
Judiciário não deveria interferir em assuntos do Legislativo. Lessa acredita
que se o projeto passar, a corrupção terá um freio, mas não significa que irá
acabar porque outros métodos podem surgir. A barganha irá ser desestimulada na
prática política.
Recentemente, a violência nos estádios de futebol
ocupou as manchetes dos jornais. “A violência nos estádios é uma demonstração
muito grande da incompetência do Brasil em lidar com o problema”, criticou
Sérgio Besserman. Para ele, após a briga entre as torcidas do Vasco e do
Atlético Paranaense (no domingo, 8/12), o jogo deveria ter sido interrompido:
“A nossa passividade frente a uma violência inaceitável é mais grave do que a
ocorrência violenta em si”. Ao ver cenas como a desse jogo, Renato Lessa tem a
sensação de que o processo civilizador falhou. “Ele está associado à capacidade
que temos em lidar com as nossas diferenças em termos pacíficos. Esse é o
desenho geral do nosso processo civilizador. A sensação que se tem no Brasil é
a de que em alguns lugares esse processo colapsou e as energias naturais mais
brutais teem espaço para a manifestação. Os estádios têm sido isso”, afirmou
Lessa.
No panorama internacional, Dines comentou que a crise
econômica está ligada ao ressurgimento de movimentos xenófobos e ao crescimento
de partidos políticos de extrema-direita. Sérgio Besserman chamou a atenção
para o fato de que os fatores que desencadearam a crise financeira de 2008
ainda não foram resolvidos e que os seus efeitos ainda poderão ser sentidos por
muitos anos. Renato Lessa ponderou que o espaço encontrado pelos partidos mais
radicais está ligado ao desenho que se imagina para o futuro da Europa,
levando-se em conta a integração dos milhares de imigrantes que chegam ao
continente todos os anos.
Affonso Romano de Sant’Anna falou sobre boas notícias
que espera para 2014: “O acordo que os Estados Unidos estão fazendo com o Irã e
a questão de Cuba. Resolvidos estes dois problemas, sob a égide de Mandela,
seriam dois presentes incríveis para a humanidade”.
Num mundo cada vez mais fanatizado e radicalizado, as perspectivas
para 2014 eram, até o dia 5 de dezembro, igualmente desanimadoras. Exceto na
Ásia Central, com as perspectivas da distensão entre Estados Unidos e Irã, no
resto do mundo, inclusive no Brasil, os indícios de tensão eram mais visíveis
do que as possibilidades de distensão. De repente, nos quatro cantos do mundo,
ficou claro que confrontos e desforras não produzem paz, só produzem mais
confrontos e desforras.
Um comentário:
As análises de Dines e seus convidaados pecam por algumas omissões importantes.
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