Este
texto foi publicado no Jornal do CCRJ (Clube de Criação do Rio de Janeiro) em
1998 e no blogue “Casos da Propaganda” em 2006.
A campanha de TV do Banco
Nacional naquele ano de 1979 ficou inédita. Quer dizer, na verdade entrou no ar
uma colcha de retalhos com cenas - nada inéditas, se bem que inesquecíveis - de filmes que marcaram época na história do
banco. Até aí tudo bem. Afinal era uma campanha de aniversário e o que foi pro
ar não deixou a gente envergonhado não. Mas é que a campanha original, a que o
Favilla(1) e eu tinhamos bolado era simplesmente do caralho. Tinha depoimentos
de pessoas que estiveram de alguma forma envolvidas com um banco que sempre
apoiou a cultura, os esportes, etc. Entre elas João Saldanha, Grande Otelo e
Nelson Rodrigues. E com um detalhe: a gente produziu parte da campanha em vídeo
somente para mostrar ao cliente.
A gravação do Grande Otelo por
exemplo foi tão emocionante que deixou gente chorando e arrepiada. Foi desses
momentos inesquecíveis. A do João Saldanha teve uma característica marcante que
foi o seu cronômetro mental. A gente pedia: fala aí 10 segundos e ele falava 10
segundos. Depois a gente pedia para ele falar 35 segundos e ele falava os 35
segundos cravados. Foi uma coisa fantástica.
Mas o melhor mesmo foi o dia em
que nós fomos fazer o vídeo com o Nelson Rodrigues. Foi tudo marcado no
apartamento dele lá no Leme. Chegamos pontualmente na hora marcada. Aquele clima
de se estar na casa de um gênio era uma coisa emocionante. Entramos e lá estava
o dito cujo sentadão numa poltrona, com aquela voz que ninguém igualou até
hoje. Aquele falar compassado, aquele tom cavernoso. O pessoal da produtora
montando toda a parafernália de som e luz. Um puta dum reboliço no ar.
De repente Nelson, o próprio, o
dito cujo, himself, diz que queria
ver o texto do comercial. E ele enfiou a cara no texto. Leu, releu, parou,
olhou em todas as direções e perguntou: “De quem é esse texto?”. Favilla
levantou-se e encaminhou-se à mesa da sala de jantar, onde o mestre estava
sentado. Humildemente, tal qual fosse um aluno na sala de aula levantou o dedo
e disse que era dele. Ele virou-se lentamente na sua direção e retrucou: “Esse
texto tem um problema grave...”. - Todos gelaram atônitos. - “...Nelson
Rodrigues não é um dos maiores autores de teatro do Brasil... Nelson Rodrigues
é o maior autor de teatro do Brasil!”. Finalizou, olhando em torno com ar
desafiante. Foi um tal de conserta daqui, pigarreia dali, até que o silêncio
instalou-se por alguns infindáveis segundos na sala.
O que se seguiu foi um tentar
desfazer o que se tinha feito, um jogar panos quentes, uma sucessão de justificarivas
e sorrisos amarelos, “não é nada disso” e por aí afora. E a gente vendo a hora
do cara falar “não ga-ra-vo” no melhor estilo Alberto Roberto(2). O que afinal
de contas e graças aos deuses, ou sei lá o quê, acabou não acontecendo. Ufa!
Bom, a verdade é que, alterado o
texto, o comercial foi gravado e ficou supimpa. Como aliás ficou toda aquela
campanha que acabou não saindo. Well, as
a matter of fact eu sei lá quantas campanhas do cacete a gente cria e não
vão para o ar. Faz parte da vida de publicitário. A Y&R tem até uma
premiação interna em Nova Iorque para esse tipo de trabalho. Mas a verdade é
que dói quando eu me lembro desta inédita na minha vida. E na do Favilla, do
Eugênio e sua produtora. Enfim... coisas da propaganda.
1. O redator que trabalhava comigo.
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