domingo, 8 de outubro de 2017

Pensatas de Domingo. O “caso” do Nelson Rodrigues



Este texto foi publicado no Jornal do CCRJ (Clube de Criação do Rio de Janeiro) em 1998 e no blogue “Casos da Propaganda” em 2006.

A campanha de TV do Banco Nacional naquele ano de 1979 ficou inédita. Quer dizer, na verdade entrou no ar uma colcha de retalhos com cenas - nada inéditas, se bem que inesquecíveis -  de filmes que marcaram época na história do banco. Até aí tudo bem. Afinal era uma campanha de aniversário e o que foi pro ar não deixou a gente envergonhado não. Mas é que a campanha original, a que o Favilla(1) e eu tinhamos bolado era simplesmente do caralho. Tinha depoimentos de pessoas que estiveram de alguma forma envolvidas com um banco que sempre apoiou a cultura, os esportes, etc. Entre elas João Saldanha, Grande Otelo e Nelson Rodrigues. E com um detalhe: a gente produziu parte da campanha em vídeo somente para mostrar ao cliente.

A gravação do Grande Otelo por exemplo foi tão emocionante que deixou gente chorando e arrepiada. Foi desses momentos inesquecíveis. A do João Saldanha teve uma característica marcante que foi o seu cronômetro mental. A gente pedia: fala aí 10 segundos e ele falava 10 segundos. Depois a gente pedia para ele falar 35 segundos e ele falava os 35 segundos cravados. Foi uma coisa fantástica.

Mas o melhor mesmo foi o dia em que nós fomos fazer o vídeo com o Nelson Rodrigues. Foi tudo marcado no apartamento dele lá no Leme. Chegamos pontualmente na hora marcada. Aquele clima de se estar na casa de um gênio era uma coisa emocionante. Entramos e lá estava o dito cujo sentadão numa poltrona, com aquela voz que ninguém igualou até hoje. Aquele falar compassado, aquele tom cavernoso. O pessoal da produtora montando toda a parafernália de som e luz. Um puta dum reboliço no ar.

De repente Nelson, o próprio, o dito cujo, himself, diz que queria ver o texto do comercial. E ele enfiou a cara no texto. Leu, releu, parou, olhou em todas as direções e perguntou: “De quem é esse texto?”. Favilla levantou-se e encaminhou-se à mesa da sala de jantar, onde o mestre estava sentado. Humildemente, tal qual fosse um aluno na sala de aula levantou o dedo e disse que era dele. Ele virou-se lentamente na sua direção e retrucou: “Esse texto tem um problema grave...”. - Todos gelaram atônitos. - “...Nelson Rodrigues não é um dos maiores autores de teatro do Brasil... Nelson Rodrigues é o maior autor de teatro do Brasil!”. Finalizou, olhando em torno com ar desafiante. Foi um tal de conserta daqui, pigarreia dali, até que o silêncio instalou-se por alguns infindáveis segundos na sala.

O que se seguiu foi um tentar desfazer o que se tinha feito, um jogar panos quentes, uma sucessão de justificarivas e sorrisos amarelos, “não é nada disso” e por aí afora. E a gente vendo a hora do cara falar “não ga-ra-vo” no melhor estilo Alberto Roberto(2). O que afinal de contas e graças aos deuses, ou sei lá o quê, acabou não acontecendo. Ufa!

Bom, a verdade é que, alterado o texto, o comercial foi gravado e ficou supimpa. Como aliás ficou toda aquela campanha que acabou não saindo. Well, as a matter of fact eu sei lá quantas campanhas do cacete a gente cria e não vão para o ar. Faz parte da vida de publicitário. A Y&R tem até uma premiação interna em Nova Iorque para esse tipo de trabalho. Mas a verdade é que dói quando eu me lembro desta inédita na minha vida. E na do Favilla, do Eugênio e sua produtora. Enfim... coisas da propaganda.

1. O redator que trabalhava comigo.

2. Como falava um personagem do Chico Anisio naqueles tempos.

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