Diante da repercussão dos pronunciamentos do general Mourão sobre uma nova intervenção militar no país para conter a corrupção caso as instituições políticas não consigam resolver a situação, um jornal foi atrás de respostas para questões sobre o tema que achei interessantes e transcrevo abaixo:
A Constituição prevê
possibilidade de intervenção militar “constitucional”?
Sim, mas não para tirar os políticos do poder com o
objetivo de “limpar” o país da corrupção. Isso seria um golpe de Estado.
A Constituição Federal prevê, nos artigos 15 e 142,
que as Forças Armadas podem ser acionadas, pelo presidente da República a
pedido de qualquer um dos três poderes, para garantir a lei e a ordem. A
Constituição não estabelece quais seriam essas situações, mas há certo consenso
de que se trata de casos de segurança pública, graves distúrbios e ameaça
externa.
Esses artigos constitucionais costumam ser citados
por defensores de uma intervenção política dos militares como argumento para
justificar que a tomada de poder pelas Forças Armadas teria base
constitucional. Não tem. Além de a Constituição prever que o comando continua a
ser dos civis nesses casos, é preciso destacar que Exército, Marinha e
Aeronáutica só podem ser acionados para garantir a ordem constitucional – e não
para subvertê-la.
A Constituição também estabelece, no artigo 5.º,
que é crime inafiançável a ação de militares contra a ordem constitucional e a
democracia.
Existe a possibilidade real de ocorrer um golpe militar no país?
Em princípio, não há possibilidade iminente. Mas
há alguns elementos que sugerem que alguma chance existe e não é mera teoria da
conspiração.
O comandante do Exército, general Eduardo Villas
Bôas, foi enfático ao negar a possibilidade de haver articulação ou desejo na
corporação de intervenção no país. “Desde 1985 não somos responsáveis por
turbulência na vida nacional e assim vai prosseguir. Além disso, o emprego
nosso será sempre por iniciativa de um dos poderes [Executivo, Legislativo ou
Judiciário]”, afirmou.
Apesar disso, uma declaração do general Mourão
insinua que o discurso oficial não é exatamente o que pensa o comando. Ele
disse que o Exército tem “planejamentos muito bem feitos” para uma intervenção
no país.
Além disso, praticamente todos os presidentes
posteriores à ditadura trataram os militares (e seus interesses) com muita
cautela – o que demonstra certo receio em desagradar a caserna.
Qual a representatividade do general Mourão no Exército?
O general Mourão ocupa um cargo importante. Desde
2015, é secretário de economia e finanças do Exército. Mas ele tem um perfil de
polemista que desagrada diversos outros oficiais.
Sua transferência para a função atual, mais
burocrática do que operacional, já havia ocorrido porque ele se envolveu em
outra polêmica política. Quando ocupava o Comando Militar do Sul, criticou a
então presidente Dilma Rousseff ao ser questionado sobre o impeachment. Disse,
à época, que “a mera substituição da presidente da República não trará mudança
significativa no status quo” e que “a vantagem da mudança seria o
descarte da incompetência, má gestão e corrupção”. Além disso, promoveu uma
homenagem póstuma ao coronel Brilhante Ustra, condenado pela Justiça por
tortura durante o regime militar.
Os militares, na hipótese de voltarem ao poder, “consertariam” o país?
Qualquer afirmação seria mera futurologia. Em
geral, imagina-se que os generais tenham um alinhamento com a direita. Mas não
se sabe exatamente qual seria o projeto político dos comandantes das Forças
Armadas para o país: o que pensam sobre economia, investimentos sociais, nem
mesmo o que fariam para “acabar” com a corrupção e para tirar o país da crise
política.
Apesar disso, é possível especular, com boa dose
de base factual, que a “intervenção saneadora” dos militares iria acirrar a
crise política, com possíveis efeitos na economia. Os oposicionistas
denunciariam o golpe e trabalhariam para restabelecer a ordem constitucional.
Greves poderiam ser deflagradas.
Isso só não iria ocorrer se houvesse repressão.
E, nesse caso, o custo de supostamente “consertar” o país seria levar a nação a
uma ditadura. E, como ocorreu após 1964, o acirramento do regime poderia levar
o país a um conflito armado interno.
Além disso, o governo militar, para ter um mínimo
de estabilidade, também teria de estabelecer alianças com segmentos da
sociedade, inclusive com lideranças políticas – o que derrubaria o argumento de
que as Forças Armadas iriam “limpar” o país dos políticos. A ditadura militar,
por exemplo, fechou essas alianças. Inclusive com políticos que se envolveram
em suspeitas de corrupção – Paulo Maluf é um exemplo.
Também é improvável que um regime militar
conseguisse acabar com a corrupção – no máximo iria conseguir diminuí-la. É
preciso lembrar que também houve casos de corrupção no período da ditadura que
vieram a público apesar da censura que existia à época.
Dentre os defensores da ideia da intervenção
militar há quem pregue a necessidade de as Forças Armadas tomarem o poder para
sanear o país rapidamente e, para logo depois, devolver o governo aos civis. O
golpe de 1964 começou com esse discurso. E os militares só entregaram o poder
aos políticos em 1985. E o Brasil que teve de ser administrado pelos civis
estava em péssima situação econômica, com inflação alta e dívida externa
crescente. E a corrupção não havia acabado.
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