Em memória de Theotônio dos Santos, Ruy Mauro Marini, Vânia Bambirra, Andreas (André) Gunder Frank, Eduardo Galeano e Frantz Fanon.
Jorge Vital de Brito Moreira
Novos
acontecimentos econômicos, sociais e políticos no Brasil, na América Latina e
nos EUA, levantaram a possibilidade da implementação de um novo golpe militar contra os brasileiros
e latinoamericanos. Esta ameaça de um
novo golpe está associada aos últimos eventos na sociedade brasileira e na
América Latina:
1) O
relativo fracasso dos projetos antidemocráticos, antipopulares e
pró-imperialistas produzidos pelos responsáveis do golpe de Estado do corrupto,
usurpador e mentiroso Michel Temer (e da sua quadrilha de políticos ladrões e
organizações políticas criminosas tais como o PMDB, PSDB, TV GLOBO e
companhias): dado que estes
projetos não foram nem são capazes de retirar o Brasil da sua gigantesca crise
econômica, política e social e dado que a corrupção e o roubo da administração
do ex-governador Sergio Cabral deixou o estado do Rio de Janeiro, por exemplo,
ainda mais pobre (pois econômica e financeiramente saqueado), o fraudulento
governo do vampiro Michel Temer decidiu usar as forças armadas brasileiras
para fazer (sob o pretexto de assegurar sua
segurança pública) uma intervenção militar nas favelas do Rio de Janeiro.
2) A recente visita do secretário de
Estado dos EUA, Rex Tillerson a vários países e a seus governantes neoliberais
( entreguistas) da América Latina tais
como México, Argentina, Colômbia, Peru e Jamaica: como sabemos, antes e durante
a sua visita ele fez declarações
repetidas sobre a necessidade de mudança de regime na Venezuela. Em poucas palavras, as declarações de Rex
Tillerson (e sua aparente preocupação
com o destino dos cidadãos da Venezuela)
parecem indicar que existem planos do governo estadunidense para realizar (com a ajuda militar do Comando
Sul dos EUA e dos países acima mencionados) uma invasão da Venezuela com o
objetivo de estabelecer um golpe militar e uma
ditadura governamental para
controlar o petróleo venezuelano em benefícios das companhias petroleiras dos
EUA (Democracy now,
2018)
Atualmente,
estamos informados que Tillerson serviu
por dez anos (2006-2016) como presidente e CEO da empresa de petróleo
ExxonMobil, de onde se mudou para o Departamento de Estado para direcionar a
política externa no início de 2017. Ele ingressou na empresa em 1975 como
engenheiro de produção e subiu ao topo. Ele também foi membro do American
Petroleum Institute e do National Petroleum Council. Devemos lembrar que, em
2007, a ExxonMobil foi a única empresa dos EUA, juntamente com a Conoco Phillips,
que se recusou a aceitar as novas regras estabelecidas na Lei de
Hidrocarbonetos, promulgada sob a presidência de Hugo Chávez, que regulou as
percentagens de royalties e a participação de empresas estrangeiras de extração
de petróleo que operam na Venezuela. O desacordo chegou a centros
internacionais de arbitragem, incluindo o Centro Internacional de Solução de
Disputas de Investimento (ICSID) vinculado ao Banco Mundial (Rebelion.org, 2018)
Assim,
fica claro para mim, que o discurso de Tillerson não tem nada que ver com o bem
estar da população Venezuelana ou latinoamericana, mas tem tudo que ver com os
interesses e a necessidade da ExxonMobil dos EUA de controlar as fontes de
energias petroleiras da América Latina, seja a de Pemex (México), Petrobras (Brasil)
ou de Petróleos de
Venezuela (PDVSA).
Dado
o gigantesco desastre nacional, a assombrosa tragédia socioeconômica, os incríveis
traumas humanos produzidos pelo golpe e por 21 anos de ditadura militar contra
a maioria do povo brasileiro, é imprescindível tratar de rever este abominável evento para advertir as novas
gerações de leitores brasileiros sobre algumas das consequências da experiência
de ser vítima de ditaduras militares impostas a América Latina pelos interesses
imperialistas (econômicos e políticos) dos políticos brasileiros associados aos
governos dos EUA.
Revendo o
golpe de estado de 1964 e 21 anos de ditadura militar
De acordo
com o Arquivo Nacional de Segurança dos EUA (The US National Security Archive) em 31 de
março/1 de abril de 1964, um golpe de estado perpetrado por militares
brasileiros com o apoio e colaboração do governo dos EUA durante a presidência
de Lyndon B. Johnson, do embaixador Lincoln Gordon, do agregado militar Vernon
Walters, da CIA e, do apoio militar da Marinha dos EUA) derrubou o governo do
presidente brasileiro João Goulart, eleito democraticamente pelo povo
brasileiro (US Nacional Archive, 2014)
O golpe de
estado de 1964 (que completará 54 anos
dentro de algumas semanas) estabeleceu uma ditadura militar no Brasil: um
regime político que teve a duração de 21 anos (desde 31 de março 1964 até 1985) sob o comando de sucessivos
governos militares para defender e apoiar o projeto político da elite brasileira subordinada à dominação politico-econômica
dos EUA e aos seus interesses militares (National Security Archive, 2014).
A ditadura
militar de 1964 deu aos militares brasileiros poderes quase absolutos e a
primeira consequência antidemocrática e antipopular deste regime foi o
encerramento do Congresso Nacional e a suspensão da constituição brasileira.
Entre as atrocidades fascistas da ditadura contra o povo brasileiro estavam: a
remoção dos mandatos de senadores, deputados, governadores e prefeitos que não
concordavam com o regime militar; tornou-se legal, legislar por decreto-lei e
foi autorizado a decretação do confisco
de bens de “inimigos” políticos.
Seguindo
esta pratica ditatorial, o ditador militar em turno podia decretar o “estado de sítio”, suspender a possibilidade
de qualquer reunião de natureza política; estabelecer a censura política e cultural,
determinar a "censura prévia" sobre a música popular (MPB), o teatro,
o cinema, a literatura e sobre os assuntos de natureza política; a suspender a
instituição do habeas corpus para os chamados crimes políticos; proibir as
manifestações públicas de natureza política, bem como suspender os direitos
políticos dos cidadãos brasileiros. A transgressão desses atos antidemocráticos
significou, simultaneamente, entre outras coisas, a suspensão do direito ao
voto e as eleição nacionais, regionais e as eleições sindicais, proibindo as
atividades ou manifestações em todos os assuntos de natureza política
(López-Arnal, 2008).
Ditadura Militar e violação dos direitos
humanos no Brasil.
A Ditadura
estabeleceu a prática regular dos sequestros de indivíduos e grupos, das prisões
clandestinas, da tortura, do desaparecimento
e do assassinato de professores, estudantes, intelectuais, jornalistas,
artistas, políticos, trabalhadores e camponeses; em poucas palavras, de
qualquer individuo que se opusesse ao regime ditatorial ou que se suspeitasse
de oposição ao regime militar.
Um exemplo reconhecido
das praticas de tortura diária de milhares de brasileiros pelos militares, foi
evidenciado pelo caso de Daniel Anthony
"Dan" Mitrione, um agente policial dos EUA (agente do FBI e assessor
da CIA na América Latina) que foi contratado pela USAID (Agência dos Estados
Unidos para o Desenvolvimento Internacional) para treinar os militares
brasileiros e uruguaios na aplicação dos métodos de tortura: os mesmos que se
espalharam pelo Brasil e Uruguai, produzindo inúmeras violações de direitos
humanos e crimes políticos durante os governos ditatoriais que ocorreram nesses
dois países.
Durante os
21 anos de ditadura militar, perdemos amigos e conhecidos neste abominável processo
implantado na sociedade brasileira: uma guerra que funcionava como um desastre
nacional contra a maioria da população brasileira. Entre tantas desgraças
humanas, o regime ditatorial criou uma cultura do medo e pânico, na qual eles
aterrorizaram e controlavam os cidadãos brasileiros, lançando mão (como já mencionei
anteriormente) das prisões arbitrárias sem julgamento legal, dos sequestros, dos
assassinatos e da tortura, onde se incluía estupro, castração que provocava inúmeros
casos de transtornos na saúde mental dos brasileiros, incluindo, entre outros, o
Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) que é reconhecido nos EUA como
Post-Traumatic Stress Disorder ( PTSD) (American Psychiatric Association, 2013).
O projeto “Brasil:
Nunca Mais”e o livro Tortura no Brasil
fornecem relatos sobre as atrocidades cometidas pelos militares e sobre a impunidade das autoridades
governamentais brasileira e norte-americana diante do povo e da sociedade
brasileira (Arquidiocese de São Paulo, 1998).
Em resumo, o
regime politico produzido pelo militares (o golpe militar de 1964 e a ditadura
no Brasil) mostrava o governo dos EUA e as forças armadas brasileiras como
perpetradores de dezenas de milhares de violações dos direitos humanos na
sociedade civil brasileira: violação dos direitos humanos de professores,
estudantes, intelectuais, jornalistas, artistas, políticos, trabalhadores e
camponeses. Estes cidadãos foram vítimas de violações dos direitos humanos tais
como sequestro, prisões, tortura, desaparecimento e assassinato.
Consequencia da ditadura militar sobre a doença
mental das vitimas.
Estas
violações produziram milhares de mortes, além de inúmeros casos de transtornos
na saúde mental das vitimas, tais como, Transtorno de Estresse Pós-Traumático
(PTSD), depressão, fobias, ataques de pânico e suicídios (INECO, 2017).
No caso de
perdas de amigos, parentes e entes queridos, também houve o desenvolvimento de
uma desordem mental chamada “Dor Prolongada ou Traumática”, cuja origem
traumática, pode precipitar, de acordo com o Instituto de Neurologia Cognitiva
(INECO), tanto os sintomas do Estresse Pós-Traumático quanto os de Dor
Prolongada (INECO, 2017).
Em um trabalho importante sobre as relações entre ditadura,
tortura e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) no Chile, "Trauma
psicossocial, transtorno de estresse pós-traumático e tortura no Chile durante
o golpe militar do general chileno Augusto Pinochet", o psiquiatra Carlos
Madariaga afirma que "O PTSD é a nosografia que tem sido recorrida na
maioria das vezes para cumprir esta função de diagnóstico, visando a obtenção -
através deste quadro conceitual - um modelo que, além da implementação deste
aspecto da prática psiquiátrica no campo da mentalidade saúde e direitos
humanos, também é capaz de realizar a tarefa de sistematizar, abranger e
generalizar a desordem que a tortura e outras formas de violações do direito à
integridade física, psíquica e moral têm sobre a psique dos indivíduos
"(Madariaga, 2002, p. 1). Portanto, para ser diagnosticado com TEPT, as
vítimas (do terrorismo estadual da ditadura chilena ou brasileira) devem ter
sofrido algum evento traumático que consistiu em um verdadeiro ato de violência
ou uma ameaça de violência traumática, como morte ou lesões graves.
Considerações politicas, éticas e culturais
No caso do golpe de estado militar e das ditaduras impostas pelos
EUA ao Brasil e a outros países latinoamericanos (Chile, Uruguai, Argentina,
etc.), os intelectuais brasileiros e
latinoamericanos multiculturalistas tem o dever ético e politico de denunciar e
alertar sobre os danos sofridos pelas
vítimas do trauma individual/social
causado pelos golpes de estado e pelas ditaduras patrocinadas pelos EUA.
Assim, o novo projeto imperial dos USA (que se autoproclama “o
país mais democrático do mundo”) sob o governo de Donald Trump, se constitui em
uma clara ameaça e em um grave perigo para os países e as populações pobres da América
Latina. Por isso é vital que as autoridades das organizações internacionais de
direitos humanos sejam alertadas para as atrocidades imperialistas cometidas
pelos EUA. Eu acredito que é da maior importância que as organizações de
direitos humanos não sejam lideradas pela negligência de permitir a impunidade
a países que foram responsáveis pela produção de tantas guerras, tantas
crises humanitárias e tantos desastres maciços realizados por mãos humanas
contra seres humanos de países empobrecidos do Terceiro Mundo.
A ilegalidade e a violação de tratados internacionais (como a
Convenção de Genebra e outros tratados internacionais) por potências ocidentais
lideradas pelos EUA quando produzem desastres internacionais provocados pelo
militares estadunidenses exigem que os profissionais das ciências humanas e de
saúde mental tomem posições morais e éticas para denunciar a impunidade dos
poderes associados a estes crimes. É necessário que trabalhemos com as
instituições que estão sendo estabelecidas para defender as vidas humanas no
planeta Terra contra a decadência ética, moral da civilização ocidental, cuja
supremacia branca, cristã e militarista, se expressa na crescente
mercantilização (venda de armas de destruição em massa para guerras
imperialistas) e na decadência dos valores humanos diante de valores do modo de
produção capitalista para o beneficio (lucros e lucros) de uma minoria de
pessoas ricas, a de menos de 1% da população mundial.
A consciência da tragédia social/humana
produzida pelo imperialismo dos EUA
Importantes
investigações antropológicas, sociológicas, culturais e psicológicas, por
exemplo, estão nos ensinando que os modernos desastres nacionais intermináveis
produzidos no Brasil, na América Latina, no Sudeste Asiático e no Oriente
Médio foram causados pelas guerras dos EUA: tanto no Vietnã, no Iraque, no
Afeganistão, como no Paquistão e em outros países do Oriente Médio (Satcher, Friel e Bell,
2007).
Essas guerras (como o prof. Noam Chomsky nos
mostrou recentemente) são fabricadas pelo governo dos EUA para defender os
interesses econômicos e financeiros das gigantescas corporações multinacionais
dos EUA (empresas que estão associadas aos grandes bancos e à mídia corporativa
estadunidense) especializadas na produção de petróleo, gás e armas de
destruição em massa, a fim de aumentar os lucros e interesses econômicos da
elite econômica dos EUA (Chomsky e Vitchek, 2013).
Como já
sabemos, um dos objetivos fundamentais
da política exterior de superpotências
como a dos EUA, é obter petróleo e matérias-primas tão baratas quanto seja
possível, mesmo sendo necessário que
o sistema capitalista produza golpes militares, invasões, guerras de destruição
e desastres intencionais intermináveis contra os seres humanos dos países
pobres. Esta é a política externa que os EUA tem repetido sistematicamente contra os países e
as pessoas da África (Fanon, 2005), da América Latina (Galeano, 1997) e de
outras partes do planeta durante os séculos XX e XXI.
NOTAS
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American Medical Association, 298(21), 2540–2542. Retrieved from the Walden
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