domingo, 4 de março de 2018

Pensatas de Domingo. Consequências do Novo Golpe Militar no Brasil: repetição do desastre, da tragédia e dos traumas do golpe militar de 1964 para benefícios do imperialismo



Em memória de Theotônio dos Santos, Ruy Mauro Marini, Vânia Bambirra, Andreas (André) Gunder Frank, Eduardo Galeano e Frantz Fanon.

 


Jorge Vital de Brito Moreira

Novos acontecimentos econômicos, sociais e políticos no Brasil, na América Latina e nos EUA, levantaram a possibilidade da implementação  de um novo golpe militar contra os brasileiros e latinoamericanos.  Esta ameaça de um novo golpe está associada aos últimos eventos na sociedade brasileira e na América Latina:
1) O relativo fracasso dos projetos antidemocráticos, antipopulares e pró-imperialistas produzidos pelos responsáveis do golpe de Estado do corrupto, usurpador e mentiroso Michel Temer (e da sua quadrilha de políticos ladrões e organizações políticas criminosas tais como o PMDB, PSDB, TV GLOBO e companhias):  dado  que  estes projetos não foram nem são capazes de retirar o Brasil da sua gigantesca crise econômica, política e social e dado que a corrupção e o roubo da administração do ex-governador Sergio Cabral deixou o estado do Rio de Janeiro, por exemplo, ainda mais pobre (pois econômica e financeiramente saqueado), o fraudulento governo do vampiro Michel Temer decidiu usar as forças armadas brasileiras para  fazer (sob o pretexto de assegurar sua segurança pública) uma intervenção militar nas favelas do Rio de Janeiro.
            2) A recente visita do secretário de Estado dos EUA, Rex Tillerson a vários países e a seus governantes neoliberais ( entreguistas)  da América Latina tais como México, Argentina, Colômbia, Peru e Jamaica: como sabemos, antes e durante a sua visita  ele fez declarações repetidas sobre a necessidade de mudança de regime na Venezuela.  Em poucas palavras, as declarações de Rex Tillerson (e  sua aparente preocupação com o destino dos cidadãos da Venezuela)  parecem indicar que existem planos do governo estadunidense  para realizar (com a ajuda militar do Comando Sul dos EUA e dos países acima mencionados) uma invasão da Venezuela com o objetivo de estabelecer um golpe militar e uma  ditadura  governamental para controlar o petróleo venezuelano em benefícios das companhias petroleiras dos EUA (Democracy now, 2018)
            Atualmente, estamos informados  que Tillerson serviu por dez anos (2006-2016) como presidente e CEO da empresa de petróleo ExxonMobil, de onde se mudou para o Departamento de Estado para direcionar a política externa no início de 2017. Ele ingressou na empresa em 1975 como engenheiro de produção e subiu ao topo. Ele também foi membro do American Petroleum Institute e do National Petroleum Council. Devemos lembrar que, em 2007, a ExxonMobil foi a única empresa dos EUA, juntamente com a Conoco Phillips, que se recusou a aceitar as novas regras estabelecidas na Lei de Hidrocarbonetos, promulgada sob a presidência de Hugo Chávez, que regulou as percentagens de royalties e a participação de empresas estrangeiras de extração de petróleo que operam na Venezuela. O desacordo chegou a centros internacionais de arbitragem, incluindo o Centro Internacional de Solução de Disputas de Investimento (ICSID) vinculado ao Banco Mundial (Rebelion.org, 2018)
            Assim, fica claro para mim, que o discurso de Tillerson não tem nada que ver com o bem estar da população Venezuelana ou latinoamericana, mas tem tudo que ver com os interesses e a necessidade da ExxonMobil dos EUA de controlar as fontes de energias petroleiras da América Latina, seja a de Pemex (México), Petrobras (Brasil) ou de Petróleos de Venezuela (PDVSA).
            Dado o gigantesco desastre nacional, a assombrosa tragédia socioeconômica,   os incríveis traumas humanos produzidos pelo golpe e por 21 anos de ditadura militar contra a maioria do povo brasileiro, é imprescindível  tratar de rever  este abominável evento para advertir as novas gerações de leitores brasileiros sobre algumas das consequências da experiência de ser vítima de ditaduras militares impostas a América Latina pelos interesses imperialistas (econômicos e políticos) dos políticos brasileiros associados aos governos dos EUA.

Revendo o golpe de estado de 1964 e 21 anos de ditadura militar
De acordo com o Arquivo Nacional de Segurança dos EUA (The US National Security Archive) em 31 de março/1 de abril de 1964, um golpe de estado perpetrado por militares brasileiros com o apoio e colaboração do governo dos EUA durante a presidência de Lyndon B. Johnson, do embaixador Lincoln Gordon, do agregado militar Vernon Walters, da CIA e, do apoio militar da Marinha dos EUA) derrubou o governo do presidente brasileiro João Goulart, eleito democraticamente pelo povo brasileiro (US Nacional Archive, 2014) 
O golpe de estado de 1964  (que completará 54 anos dentro de algumas semanas) estabeleceu uma ditadura militar no Brasil: um regime político que teve a duração de 21 anos (desde 31 de março 1964  até 1985) sob o comando de sucessivos governos militares para defender e apoiar o projeto político da elite  brasileira subordinada à dominação politico-econômica dos EUA e aos seus interesses militares (National Security Archive, 2014).
A ditadura militar de 1964 deu aos militares brasileiros poderes quase absolutos e a primeira consequência antidemocrática e antipopular deste regime foi o encerramento do Congresso Nacional e a suspensão da constituição brasileira. Entre as atrocidades fascistas da ditadura contra o povo brasileiro estavam: a remoção dos mandatos de senadores, deputados, governadores e prefeitos que não concordavam com o regime militar; tornou-se legal, legislar por decreto-lei e foi autorizado a decretação  do confisco de bens de “inimigos” políticos.
Seguindo esta pratica ditatorial, o ditador militar em turno podia decretar  o “estado de sítio”, suspender a possibilidade de qualquer reunião de natureza política;  estabelecer a censura política e cultural, determinar a "censura prévia" sobre a música popular (MPB), o teatro, o cinema, a literatura e sobre os assuntos de natureza política; a suspender a instituição do habeas corpus para os chamados crimes políticos; proibir as manifestações públicas de natureza política, bem como suspender os direitos políticos dos cidadãos brasileiros. A transgressão desses atos antidemocráticos significou, simultaneamente, entre outras coisas, a suspensão do direito ao voto e as eleição nacionais, regionais e as eleições sindicais, proibindo as atividades ou manifestações em todos os assuntos de natureza política (López-Arnal, 2008).

Ditadura Militar e violação dos direitos humanos no Brasil.
A Ditadura estabeleceu a prática regular dos sequestros de indivíduos e grupos, das prisões clandestinas, da  tortura, do desaparecimento e do assassinato de professores, estudantes, intelectuais, jornalistas, artistas, políticos, trabalhadores e camponeses; em poucas palavras, de qualquer individuo que se opusesse ao regime ditatorial ou que se suspeitasse de oposição ao regime militar.
Um exemplo reconhecido das praticas de tortura diária de milhares de brasileiros pelos militares, foi evidenciado pelo caso de  Daniel Anthony "Dan" Mitrione, um agente policial dos EUA (agente do FBI e assessor da CIA na América Latina) que foi contratado pela USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional) para treinar os militares brasileiros e uruguaios na aplicação dos métodos de tortura: os mesmos que se espalharam pelo Brasil e Uruguai, produzindo inúmeras violações de direitos humanos e crimes políticos durante os governos ditatoriais que ocorreram nesses dois países.
Durante os 21 anos de ditadura militar, perdemos amigos e conhecidos neste abominável processo implantado na sociedade brasileira: uma guerra que funcionava como um desastre nacional contra a maioria da população brasileira. Entre tantas desgraças humanas, o regime ditatorial criou uma cultura do medo e pânico, na qual eles aterrorizaram e controlavam os cidadãos brasileiros, lançando mão (como já mencionei anteriormente) das prisões arbitrárias sem julgamento legal, dos sequestros, dos assassinatos e da tortura, onde se incluía estupro, castração que provocava inúmeros casos de transtornos na saúde mental dos brasileiros, incluindo, entre outros, o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) que é reconhecido nos EUA como Post-Traumatic Stress Disorder ( PTSD) (American Psychiatric Association, 2013).
O projeto “Brasil: Nunca Mais”e o livro Tortura no Brasil fornecem relatos sobre as atrocidades cometidas pelos militares e  sobre a impunidade das autoridades governamentais brasileira e norte-americana diante do povo e da sociedade brasileira (Arquidiocese de São Paulo, 1998).
Em resumo, o regime politico produzido pelo militares (o golpe militar de 1964 e a ditadura no Brasil) mostrava o governo dos EUA e as forças armadas brasileiras como perpetradores de dezenas de milhares de violações dos direitos humanos na sociedade civil brasileira: violação dos direitos humanos de professores, estudantes, intelectuais, jornalistas, artistas, políticos, trabalhadores e camponeses. Estes cidadãos foram vítimas de violações dos direitos humanos tais como sequestro, prisões, tortura, desaparecimento e assassinato.

Consequencia da ditadura militar sobre a doença mental das vitimas.
Estas violações produziram milhares de mortes, além de inúmeros casos de transtornos na saúde mental das vitimas, tais como, Transtorno de Estresse Pós-Traumático (PTSD), depressão, fobias, ataques de pânico e suicídios (INECO, 2017).

No caso de perdas de amigos, parentes e entes queridos, também houve o desenvolvimento de uma desordem mental chamada “Dor Prolongada ou Traumática”, cuja origem traumática, pode precipitar, de acordo com o Instituto de Neurologia Cognitiva (INECO), tanto os sintomas do Estresse Pós-Traumático quanto os de Dor Prolongada (INECO, 2017).   
Em um trabalho importante sobre as relações entre ditadura, tortura e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) no Chile, "Trauma psicossocial, transtorno de estresse pós-traumático e tortura no Chile durante o golpe militar do general chileno Augusto Pinochet", o psiquiatra Carlos Madariaga afirma que "O PTSD é a nosografia que tem sido recorrida na maioria das vezes para cumprir esta função de diagnóstico, visando a obtenção - através deste quadro conceitual - um modelo que, além da implementação deste aspecto da prática psiquiátrica no campo da mentalidade saúde e direitos humanos, também é capaz de realizar a tarefa de sistematizar, abranger e generalizar a desordem que a tortura e outras formas de violações do direito à integridade física, psíquica e moral têm sobre a psique dos indivíduos "(Madariaga, 2002, p. 1). Portanto, para ser diagnosticado com TEPT, as vítimas (do terrorismo estadual da ditadura chilena ou brasileira) devem ter sofrido algum evento traumático que consistiu em um verdadeiro ato de violência ou uma ameaça de violência traumática, como morte ou lesões graves.

Considerações politicas, éticas e culturais
No caso do golpe de estado militar e das ditaduras impostas pelos EUA ao Brasil e a outros países latinoamericanos (Chile, Uruguai, Argentina, etc.), os  intelectuais brasileiros e latinoamericanos multiculturalistas tem o dever ético e politico de denunciar e alertar sobre os danos  sofridos pelas vítimas  do trauma individual/social causado pelos golpes de estado e pelas ditaduras patrocinadas pelos EUA.  
Assim, o novo projeto imperial dos USA (que se autoproclama “o país mais democrático do mundo”) sob o governo de Donald Trump, se constitui em uma clara ameaça e em um grave perigo para os países e as populações pobres da América Latina. Por isso é vital que as autoridades das organizações internacionais de direitos humanos sejam alertadas para as atrocidades imperialistas cometidas pelos EUA. Eu acredito que é da maior importância que as organizações de direitos humanos não sejam lideradas pela negligência de permitir a impunidade a países que foram responsáveis ​​pela produção de tantas guerras, tantas crises humanitárias e tantos desastres maciços realizados por mãos humanas contra seres humanos de países empobrecidos do Terceiro Mundo.
A ilegalidade e a violação de tratados internacionais (como a Convenção de Genebra e outros tratados internacionais) por potências ocidentais lideradas pelos EUA quando produzem desastres internacionais provocados ​​pelo militares estadunidenses exigem que os profissionais das ciências humanas e de saúde mental tomem posições morais e éticas para denunciar a impunidade dos poderes associados a estes crimes. É necessário que trabalhemos com as instituições que estão sendo estabelecidas para defender as vidas humanas no planeta Terra contra a decadência ética, moral da civilização ocidental, cuja supremacia branca, cristã e militarista, se expressa na crescente mercantilização (venda de armas de destruição em massa para guerras imperialistas) e na decadência dos valores humanos diante de valores do modo de produção capitalista para o beneficio (lucros e lucros) de uma minoria de pessoas ricas, a de menos de 1% da população mundial.

A consciência da tragédia social/humana produzida pelo imperialismo dos EUA
Importantes investigações antropológicas, sociológicas, culturais e psicológicas, por exemplo, estão nos ensinando que os modernos desastres nacionais intermináveis ​​produzidos ​​no Brasil, na América Latina, no Sudeste Asiático e no Oriente Médio foram causados ​​pelas guerras dos EUA: tanto no Vietnã, no Iraque, no Afeganistão, como no Paquistão e em outros países  do Oriente Médio (Satcher, Friel e Bell, 2007).
 Essas guerras (como o prof. Noam Chomsky nos mostrou recentemente) são fabricadas pelo governo dos EUA para defender os interesses econômicos e financeiros das gigantescas corporações multinacionais dos EUA (empresas que estão associadas aos grandes bancos e à mídia corporativa estadunidense) especializadas na produção de petróleo, gás e armas de destruição em massa, a fim de aumentar os lucros e interesses econômicos da elite econômica dos EUA (Chomsky e Vitchek, 2013).
Como já sabemos, um dos  objetivos fundamentais da  política exterior de superpotências como a dos EUA, é obter petróleo e matérias-primas tão baratas quanto seja possível, mesmo sendo      necessário que o sistema capitalista produza golpes militares, invasões, guerras de destruição e desastres intencionais intermináveis contra os seres humanos dos países pobres. Esta é a política externa que os EUA tem  repetido sistematicamente contra os países e as pessoas da África (Fanon, 2005), da América Latina (Galeano, 1997) e de outras partes do planeta durante os séculos XX e XXI.
           
NOTAS

American Psychiatric Association. (2013). Diagnostic and statistical manual of mental disorders. (5th ed.). Arlington, VA: Author.
         Archdiocese of São Paulo (1998). Torture in Brazil. Austin, TX: University of Texas
Press
Chomsky, Noam and Vitchek, A. (2013). On Western Terrorism: From Hiroshima to DroneWarfare. London: Pluto Press.

Democracy now. (2018).“Tillerson Suggests U.S. Would Back Military Coup in Venezuela”. Retrieved from https://www.democracynow.org/2018/2/5/headlines/tillerson_suggests_us_would_back_military_coup_in_venezuela

Fanon, Franz (2005). The Wretched of the Earth. New York: Grove Press
Galeano, Eduardo. (1997). Open Veins of Latin America.  Five Centuries of the Pillage of a Continent. New York: Monthly Review Press.

Instituto de Neurología Cognitiva, INECO. (2017). “Trauma, Estrés Postraumático y
Duelo” (“Trauma, PosTraumatic Stress and Duel”). Buenos Aires, Argentina.
James, R. K., & Gilliland, B. E. (2017). Crisis intervention strategies (8th ed.). Boston, MA: Cengage Learning.
Madariaga, C. (2002). “Psychosocial Trauma, Postttraumatic Stress Disorder (PTSD) and Torture in Chile during the military coup of the Chilean General Augusto
Pinochet” 2002. Centro de Salud Mental y Derechos Humanos (CINTRAS).

Rebelion.org (2018) “Rex Tillerson, de ExxonMobil al Departamento de Estado”.  Extraido de http://www.rebelion.org/noticia.php?id=238178&titular=rex-tillerson-de-exxonmobil-al-departamento-de-estado-
US National Security Archive. (2014). On 50th anniversary, Archive posts new Kennedy Tape. Transcripts on coup plotting against Brazilian President Joao Goulart. George Washington University Posted April 2, 2014 Retrieved from http://www2.gwu.edu/~nsarchiv/NSAEBB/NSAEBB465/
Satcher, D., Friel, S., & Bell, R. (2007). Natural and manmade disasters and mental
health. JAMA: The Journal of the American Medical Association, 298(21), 2540–2542. Retrieved from the Walden Library databases.

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