domingo, 22 de julho de 2018

Pensatas de Domingo


Um dia de Copa do Mundo na cidade do Salvador-Bahia de todas as igrejas e de todos os Santos

Jorge Vital de Brito Moreira

Quando Bromeu colocou os olhos na Avenida Sete, as rodas do ônibus azul de ar condicionado bateu num buraco. Deu um grito de dor, mexendo a cintura dolorida na cadeira do coletivo. Enquanto o ônibus avançava pela avenida vazia, pousou os olhos nas portas das lojas comerciais que se encontravam fechadas em visível processo de deterioração. “Triste Bahia! Ó quão dessemelhante”, dizia Gregorio de Matos, o poeta.
Na Avenida Sete ninguém transitava. Na praça Castro Alves quase ninguém. Na rua Chile também ninguém. Tudo estava fechado, porém Bromeu podia enxergar os mendigos que dormiam pelas calcadas das ruas do centro da cidade. “Quanta decadência! ”, constatava Bromeu.
 O vazio tomou conta do olhar de Bromeu a vinte minutos do jogo na TV entre o Brasil e a Sérvia, na Rússia, pela Copa do Mundo de 2018, pois ninguém tinha lhe informado que no dia do jogo do Brasil a cidade do Salvador pararia.
Desceu do ônibus na parada final e, do alto do Elevador Lacerda, olhou para  a cidade baixa e para o Mercado Modelo. Surgiu-lhe a ansiedade de ver gente baiana viva, caminhando, e a vívida esperança de poder comprar no Mercado lembranças para parentes e amigos. Mas o Mercado Modelo também estava fechado e já quase ninguém circulava pela cidade baixa. Resignado, Bromeu dirigiu-se à Praça da Sé para ir ao Pelourinho.
Descendo a ladeira do Pelô, Bromeu olhava às pessoas e ouvia o tremendo ruído dos batuqueiros do Olodum que acompanhava o frenesi e o movimento da população local. Dançavam, cantavam, e gritavam, assistindo e torcendo pelo  Brasil no jogo contra a Sérvia. Naquele descompasso, lembrou-se da imagem que um antropólogo baiano amigo lhe evocou quando lhe disse:
“- Bromeu, a Bahia é uma África!”.
Acuado e desacostumado com a explosão populacional no Pelô, Bromeu, inconfortável e inseguro, procurou um restaurante onde pudesse comer, beber, e assistir pela TV ao jogo do Mundial. Conseguiu uma mesa com cadeira onde  sentou-se para tomar um guaraná com batatas fritas. A tela da TV era pequena, mas o restaurante estava apinhado de gente grande com  camisas verdes e amarelas da seleção brasileira. Cada vez que o Brasil ameaçava fazer um gol, as bombas e os foguetes pipocavam estrondosamente pelas ruas do Pelourinho, assustando a Bromeu e parte dos torcedores que tentavam enxergar alguma coisa na minúscula tela em frente da mesa. O baticum do Olodum completava a poluição sonora deixando aos assistentes ébrios e zonzos com tanta bebida, tantos ruídos e  tanta zazoeira.
Terminado o jogo com a vitória da seleção brasileira por 2 x 0, as lojas e tendas fechadas, abriram-se novamente, e os soldados da policia militar apareceram nas ruas estreitas. Bromeu, pagou a conta e saiu para tomar sorvete de açaí e comer coxinha de galinha com queijo catupiry na sorveteria Cubana que ficava ali em frente.
O sorvete foi servido numa casquinha e, a quente coxinha de galinha, numa servilheta. Quando Bromeu pediu um prato de porcelana para colocar a quente coxinha, a atendente respondeu cheia de júbilo:
-          Não meu senhor. Hoje não podemos servir nada em prato de
porcelana.
-          E por que não? perguntou Bromeu.
-          Porque  hoje, você ou qualquer outro cliente, pode quebrar o prato e
usar o pedaço quebrado como uma arma para cortar a cara das outras pessoas. Como já aconteceu em várias ocasiões.
-          Puxa vida! Quem diria? Tá bem minha senhora, pode ficar com seu
prato de porcelana, disse Bromeu, compreendendo a possibilidade daquela perigosa situação.
Comeu rápida e ansiosamente indo para o Terreiro de Jesus em busca de tranquilidade de espírito. Caminhando pelo Terreiro, decidiu entrar na Igreja de São Francisco para olhar os azulejos coloniais e os altares dos santos folheados a ouro da sua infância ainda presentes na sua imaginação.
Na saída, um mendigo (cuja cabeça, tronco, e membros atrofiados se
encontravam metidos numa cadeira de roda) pediu:
- “Uma esmola pelo amor de Deus!”.
 Enquanto Bromeu tratava  de encontrar alguns trocados num dos bolsos
da bermuda negra, o mendigo, insistiu  no pedido:
- “Please mister,  give me some money!”
Surpreendido pelo inglês bem falado do mendigo baiano, Bromeu atendeu ao pedido dando-lhe um nota de 20 reais, que era todo o trocado que tinha.
 “Mendigo baiano falando inglês, quem diria? Mas tudo isso faz o mais completo sentido no Brasil: um país escandalosamente empobrecido pela corrupção e alienação das igrejas, dos partidos políticos nacionais, e de todos os que vivem submetidos à  gula internacional do imperialismo anglo-sionista que chega no nosso país para sugar o nosso petróleo e as nossas riquezas”.
Enquanto o ônibus azul de ar condicionado regressava (pelo Porto e pelo Farol da Barra) para o bairro da Pituba, Bromeu, com a cintura dolorida, dialogava consigo mesmo,  num tom de profeta desesperado:
- O nosso país está piorando a cada dia que passa; e vai chegar o dia em que  todos nós, o povo brasileiro (sem Deus,  nem Salvador) vamos acabar pedindo esmolas.
- “Mas a quem?” gritou Bromeu sentindo o novo golpe na cintura dolorida quando as rodas do ônibus azul de ar condicionado batia num outro buraco da cidade das igrejas da Bahia de todos os santos.

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