Jorge Vital de Brito Moreira
Quando Bromeu colocou os olhos na Avenida
Sete, as rodas do ônibus azul de ar condicionado bateu num buraco. Deu um grito
de dor, mexendo a cintura dolorida na cadeira do coletivo. Enquanto o ônibus
avançava pela avenida vazia, pousou os olhos nas portas das lojas comerciais
que se encontravam fechadas em visível processo de deterioração. “Triste Bahia! Ó quão
dessemelhante”, dizia Gregorio de Matos, o poeta.
Na Avenida Sete ninguém transitava. Na
praça Castro Alves quase ninguém. Na rua Chile também ninguém. Tudo estava
fechado, porém Bromeu podia enxergar os mendigos que dormiam pelas calcadas das
ruas do centro da cidade. “Quanta decadência! ”, constatava Bromeu.
O
vazio tomou conta do olhar de Bromeu a vinte minutos do jogo na TV entre o
Brasil e a Sérvia, na Rússia, pela Copa do Mundo de 2018, pois ninguém tinha
lhe informado que no dia do jogo do Brasil a cidade do Salvador pararia.
Desceu do ônibus na parada final e, do
alto do Elevador Lacerda, olhou para a
cidade baixa e para o Mercado Modelo. Surgiu-lhe a ansiedade de ver gente
baiana viva, caminhando, e a vívida esperança de poder comprar no Mercado lembranças
para parentes e amigos. Mas o Mercado Modelo também estava fechado e já quase ninguém
circulava pela cidade baixa. Resignado, Bromeu dirigiu-se à Praça da Sé para ir
ao Pelourinho.
Descendo a ladeira do Pelô, Bromeu olhava
às pessoas e ouvia o tremendo ruído dos batuqueiros do Olodum que acompanhava o
frenesi e o movimento da população local. Dançavam, cantavam, e gritavam, assistindo
e torcendo pelo Brasil no jogo contra a
Sérvia. Naquele descompasso, lembrou-se da imagem que um antropólogo baiano
amigo lhe evocou quando lhe disse:
“- Bromeu, a Bahia é uma África!”.
Acuado e desacostumado com a explosão
populacional no Pelô, Bromeu, inconfortável e inseguro, procurou um restaurante
onde pudesse comer, beber, e assistir pela TV ao jogo do Mundial. Conseguiu uma
mesa com cadeira onde sentou-se para
tomar um guaraná com batatas fritas. A tela da TV era pequena, mas o
restaurante estava apinhado de gente grande com
camisas verdes e amarelas da seleção brasileira. Cada vez que o Brasil
ameaçava fazer um gol, as bombas e os foguetes pipocavam estrondosamente pelas
ruas do Pelourinho, assustando a Bromeu e parte dos torcedores que tentavam
enxergar alguma coisa na minúscula tela em frente da mesa. O baticum do Olodum
completava a poluição sonora deixando aos assistentes ébrios e zonzos com tanta
bebida, tantos ruídos e tanta zazoeira.
Terminado o jogo com a vitória da seleção
brasileira por 2 x 0, as lojas e tendas fechadas, abriram-se novamente, e os
soldados da policia militar apareceram nas ruas estreitas. Bromeu, pagou a conta
e saiu para tomar sorvete de açaí e comer coxinha de galinha com queijo catupiry
na sorveteria Cubana que ficava ali em frente.
O sorvete foi servido numa casquinha e, a
quente coxinha de galinha, numa servilheta. Quando Bromeu pediu um prato de
porcelana para colocar a quente coxinha, a atendente respondeu cheia de júbilo:
-
Não meu senhor. Hoje não podemos servir nada em
prato de
porcelana.
-
E por que não? perguntou Bromeu.
-
Porque
hoje, você ou qualquer outro cliente, pode quebrar o prato e
usar o pedaço quebrado como uma arma para cortar a cara das
outras pessoas. Como já aconteceu em várias ocasiões.
-
Puxa vida! Quem diria? Tá bem minha senhora, pode
ficar com seu
prato de porcelana, disse Bromeu, compreendendo a
possibilidade daquela perigosa situação.
Comeu rápida e ansiosamente indo para o
Terreiro de Jesus em busca de tranquilidade de espírito. Caminhando pelo
Terreiro, decidiu entrar na Igreja de São Francisco para olhar os azulejos
coloniais e os altares dos santos folheados a ouro da sua infância ainda
presentes na sua imaginação.
Na saída, um mendigo (cuja cabeça, tronco,
e membros atrofiados se
encontravam metidos numa cadeira de roda) pediu:
- “Uma esmola pelo amor de Deus!”.
Enquanto Bromeu tratava de encontrar alguns trocados num dos bolsos
da bermuda negra, o mendigo, insistiu no pedido:
- “Please mister, give me some
money!”
Surpreendido pelo inglês bem falado do
mendigo baiano, Bromeu atendeu ao pedido dando-lhe um nota de 20 reais, que era
todo o trocado que tinha.
“Mendigo baiano falando inglês, quem diria? Mas
tudo isso faz o mais completo sentido no Brasil: um país escandalosamente
empobrecido pela corrupção e alienação das igrejas, dos partidos políticos
nacionais, e de todos os que vivem submetidos à
gula internacional do imperialismo anglo-sionista que chega no nosso
país para sugar o nosso petróleo e as nossas riquezas”.
Enquanto o ônibus azul de ar condicionado
regressava (pelo Porto e pelo Farol da Barra) para o bairro da Pituba, Bromeu, com
a cintura dolorida, dialogava consigo mesmo, num tom de profeta desesperado:
- O nosso país está piorando a cada dia
que passa; e vai chegar o dia em que todos
nós, o povo brasileiro (sem Deus, nem Salvador)
vamos acabar pedindo esmolas.
- “Mas a quem?” gritou Bromeu sentindo o
novo golpe na cintura dolorida quando as rodas do ônibus azul de ar
condicionado batia num outro buraco da cidade das igrejas da Bahia de todos os
santos.
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