domingo, 30 de maio de 2010

Dennis Hopper e a estética da violência


O diretor e ator do filme, Dennis Hopper

Escrevi esta crítica em 1970. Posteriormente a revisei, sem alterar a sua forma original, tendo publicado em 2007 no antigo Pensatas, e recentememente neste blogue. Segue aqui novamente em homenagem ao seu realizador (1936/2010), falecido ontem nos Estados Unidos.

Easy Rider
é uma obra cuja maior força e expressão estão contidas em sua dura e cruel realidade. Na verdade, é uma síntese. A síntese de um longo caminho traçado pelo cinema novo estadunidense desde o seu esboço com a Escola Independente de Nova Iorque, até os nossos dias com novas correntes que chegaram a alcançar a produção hollywoodiana, da qual é ele um expressivo representante. É inútil uma análise de Easy Rider alijada de um mergulho objetivo na realidade atual (1) daquele país, seus conflitos e contradições mais recentes, que são em essência o objeto principal da tese do filme, por isto mesmo, um filme polêmico em suas raízes e temática. Constitui-se em seu todo como um retrato da sociedade ianque contemporânea. É um espelho da desordem, um aprofundamento concreto nas contradições de um estado em transição. Sua dinâmica concentra-se de tal forma nesta lógica do absurdo, que transborda e desemboca numa estética da violência. Na verdade é Easy Rider a negação do status quo, o lado oposto ao ‘american’ dream e ao próprio ‘american’ way of life. Sua antítese exposta na mais pura e despretenciosa linguagem: o ‘american’ nightmare.
No tocante à sua proposta, é uma obra abrangente. Tanto em termos de pura exposição, quanto crítica. Seu sentido polêmico está escorado nas bases de seu objetivo que não deixa margem a dúvidas ou meias suposições. A tomada de posição (favorável ou contrária) é sintomática por parte do espectador, fazendo dela uma obra polêmica e consciente em sua finalidade. Easy Rider obedece a um crescendo rítmico que desemboca em seu violento final, lógico por sinal, dentro de toda a ilógica chocante que pretende expor. O conflito entre o homem e o meio, entre a moral vingente e um novo modo de vida - mesmo que transitório - a realidade e a fantasia, a agressão e a busca da paz, a perspectiva e a falta da mesma são uma constante no filme, que atinge o ponto fundamental de sua mensagem. Os “cavaleiros” errantes, seu sentido de liberdade e revolta à ordem constituída, são a paródia de uma história forjada em mitos. Na verdade o "herói forasteiro" e "sem destino", é uma constante da iconografia da história norte americana. Faz parte de uma mitologia que tem por trás de si, a síntese e a contradição máxima do capitalismo selvagem e individualista.
Easy Rider, traz uma forte e clara mensagem de liberdade, mas constitui-se, por outro lado numa dura e também clara advertência. Não propõe meios termos. Muito pelo contrário, é radical. Para alguns chegará a constituir-se numa realização panfletária. Easy Rider é também o reflexo da evolução do pensamento de uma nova esquerda naquele país. Surge, não como uma obra esporádica e feita ao acaso, mas como a consequência consciente de um processo de amadurecimento de posições de alguns setores mais avançados da inteligentsia nos Estados Unidos. Seus personagens situam-se num prisma realmente inserido no espelho global deste contexto de final dos anos sessenta, do movimento hippie, da fuga à sociedade de consumo, da revolta, do nihilismo. Na verdade, o filme não se perde em especulações vazias, nem tampouco em metáforas jogadas. É tão claro e objetivo, cru e real. E a direção segura de Dennis Hopper, deixa-nos, sem dúvida alguma, a conclusão final de um filme seguro no seu projeto e realização.

(1) Easy Rider foi filmado em 1969

10 comentários:

André Setaro disse...

Você, a julgar por seus comentários cinematográficos (que conheço vários) poderia ter sido um crítico de filmes. A sua visão de 'Sem destino', do falecido Dennis Hopper, está exata e colocados estão todos os pontos nos seus devidos 'is'. 'Easy Rider', que é de 1969, marcou época e, com o tempo, virou um 'cult'. O filme é um exemplo marcante de um cinema independente que se fazia nos Estados Unidos e um documento para o estudo de uma época e de uma geração. Hopper filmou em 35mm, 16mm e até mesmo em Super 8 (como na cena do cemitério). O que pode ser constatado pela variedade de granulações da película no decorrer do filme. E Jack Nicholson está na sua quintessência.

Hopper dirigiu mais outros filmes depois deste 'cult': "Anos de rebeldia" ("Out of blue", 1981), "As cores da violência" ("Colors", 1988), entre outros. Nenhum, no entanto, alcançou a fama de "Easy Rider", sua incontestável obra-prima.

Mas era um ator excelente. Lembro-me dele, ainda jovem, quase adolescente, em "Sem lei e sem alma", western de John Sturges e, também, em outro 'cult', "Juventude transviada" ("Rebel without a cause"), de Nicholas Ray. Entre tantos outros filmes como o papel marcante que faz em "O selvagem da motocicleta" ("Rumble fish"), de Coppola, ou o alucinado de "Veludo azul" ("Blue velvet"), de David Lynch.

Morreu aos 74 anos de câncer na próstrata. Vi, ontem, uma entrevista que deu ano passado, magro, 'caveiroso', acabado, corroído pela traiçoeira doença.

Um ícone do cinema americano rebelde, sem dúvida.

André Setaro disse...

Saiu na Folha de hoje:

"A carreira dele ressuscitou inesperadamente em 1986, quando David Lynch lhe deu o papel do sádico Frank Booth em "Veludo Azul" (1986). "David não salvou só a minha carreira, ele salvou a minha vida", disse Hopper em 1994, durante entrevistas para o lançamento de "Velocidade Máxima". "Se eu tenho arrependimentos? Claro que tenho", disse o ator. "Eu gostaria de não ter cheirado tanto nos anos 1970 e 1980. Pelo menos, eu poderia me lembrar de algo que fiz naqueles anos."

Jonga Olivieri disse...

Antes de maia nada o muiot obrigado pelos elogios à minha crítica vindo de quem vem, para além de critico uma das maiores autoridades em cinema deste país.
E tambem pelos acréscimos ao currículo do ator/diretor, pois se me lembrava de sua participação em "Veludo azul" e "O selvagem da...", desconhecia as suas outra direções. talvez mesmo menos expressivas.
Quase que podemos chamá-lo de um homem de obra única. Mas tambem, que obra!?

Jonga Olivieri disse...

Escalarecedor este texto da Folha de hoje, posto que explica muito da razão de sua inoperância posterior a "Easy Rider"...

André Setaro disse...

Peter Fonda, filho do grande e venerado Henry, assina 'Easy Rider' como co-diretor. Mas a concepção de 'mise-en-scène' é mesmo de Hopper. Este foi bondoso com Peter, seu amigo e companheiro do 'fumacê'

Jonga Olivieri disse...

E põe fumacê nisso! O filme mesmo tem umas ceninhas engraçadas com a Canabis...

Anônimo disse...

Essa crítica também está muito de acordo com o filme. Aliás maravilhoso em suas paisagens em constraste com a violência da sociedade americana.
Tomáz

Jonga Olivieri disse...

Isto mesmo!

Ieda Schimidt disse...

Gostei muito deste filme (Easy Rider) quando o vi, alguns anos depois de ti. Ainda era atual!

Jonga Olivieri disse...

E se for ver, 'gauchita hermosa', até hoje sua truculência final explica o social do sistema capitalista, mormente nestes tempos de 'Barbárie'...