domingo, 3 de outubro de 2010

Pensatas de domingo

No último domingo, falei aqui em revolução. Falei tambem da insanidade que é tentar este caminho dentro do sistema e com os instrumentos que o próprio sistema oferece. Mais uma vez falei ainda do quanto o stalinismo desviou as ideias de Marx para um caminho desastroso. Aliás, há muito tempo defendo justamente a tese de que esta distorção aconteceu a partir de 1917 na Rússia.
A realidade é que precisamos voltar algum tempo na história para tentar compreender melhor toda esta questão.
Marx viveu no século XIX. O capitalismo se desenvolvia de vento em popa com a classe burguesa no poder. Aparentemente o novo sistema trouxe progressos incontestáveis e maravilhosos. Como a máquina a vapor, a eletricidade, o motor a explosão e tantos outros, que, com o passar do tempo tornar-se-iam um verdadeiro desastre para a humanidade, e que culminariam com a destruição da natureza com que hoje convivemos, passados mais de dois séculos do início da revolução industrial.
Porem o sistema carregava em seu bojo aquilo que Marx determinou como a sua antítese: o proletariado. Acontece que o filósofo, mentor do Materialismo Histórico, viveu uma época de exploração abusiva por parte da burguesia. Para alem da extrema miséria das massas amontoadas em bairros sem a menor estrutura e higiene, do abuso sem freios do trabalho, inclusive o infantil, com jornadas de trabalho que alcançavam as 16 horas por dia... Ou mais.
A partir de 1917, quando os bolcheviques tomaram o poder na Rússia, e após a grande crise capitalista no final da década seguinte, a classe dominante cercou-se de alguns cuidados. Adotou a Internacional Socialista (II Internacional) e iniciou através de políticas social democratas reformistas alterações nas regras do sistema, tentando torna-lo mais “humano”. Na verdade era o medo, um pavor das consequências da revolução sobre as massas operárias de todo o mundo, que conforme previra Marx em seu “Manifesto Comunista” iria virar o planeta de ponta cabeça.
Mas o que Marx não podia prever em seu tempo era o posterior surgimento de uma aristocracia no seio do próprio proletariado. Uma camada privilegiada inserida na classe presumivelmente revolucionária. E muito menos que esta aristocracia iria se expandir progressivamente chegando ao ponto de, em finais do século XX, a classe operária não poder mais ser considerada um instrumento de derrubada da burguesia e, portanto, do capitalismo. O sistema minou e “comprou”aqueles que iriam substitui-los no poder de uma forma sutil e venenosa.
Chegamos ao ponto de perguntar: se vai haver alguma revolução, como será então? Quem a comandará? Ora, alguns pensadores já a partir da Escola de Frankfurt, principalmente Herbert Marcuse preocuparam-se um tanto com o fato chegando a apontar o lumpesinato e outros setores marginalizados da sociedade neste papel. Mas a verdade é que não há uma saída lógica nos dias em que vivemos. O fato é que apesar de o sistema estar falido, e, ao que parece, não ter muito o que oferecer alem do consumismo e da destruição do próprio planeta, está incólume e soberano já que nada se lhe opõe.
Voltemos a Marx. Creio que ninguem analisou e criticou o capitalismo como ele. O problema é que seus seguidores oficiais, oportunisticamente não ofereceram uma continuidade ao seu pensamento a partir das mudanças do próprio capitalismo em sua evolução. A burocracia soviética o estacionou de uma forma mecânica e rudimentar. O “marxismo oficial” tornou-se medíocre. Tão medíocre quanto aqueles que o manipulavam; e despencaram com a queda da chamada cortina de ferro.
Por seu lado o próprio pensador não enxergara que o capitalismo ao revirar e revolver a Terra sem limites, surgira para progressivamente destrui-la, realidade que no distante século XIX era de difícil avaliação.
Respostas para isto ainda não surgiram em definitivo, mas estão a ensaiar os seus passos na própria luta pela preservação da vida. O fato é que no decorrer da história deste século, se a raça humana não sucumbir nas mãos do capitalismo em sua sedenta (e sangrenta) busca pelo lucro a qualquer custo, surgirão caminhos, em que certamente, pelo seu valor histórico, estarão pesando muitas das valiosas ideias de Marx.

6 comentários:

Ieda Schimidt disse...

Agora que cheguei em casa, após obrigações de cidadania (uuufa!), li a tua postagem de hoje, por sinal excelente.
Creio que deixaste bem claras as limitações de tempo no pensamento de Marx e a distorção decorrente da burocracia soviética no pensamento marxista pós-Marx.
Mas a verdade é que existem hoje muitos marxistas que continuam pensando e refletindo. Não têem é divulgação necessária à propagação de suas idéias. A ditadura da mídia não lhes dá chance.

André Setaro disse...

Análise lúcida e coerente, e um texto para reflexão, uma verdadeira 'pensata' neste domingo de eleição. Você coloca bem a questão: o capitalismo, cada vez mais sedento, cada vez mais selvagem, determina o impasse contemporâneo. Ou, se explodir, talvez haja aí uma ponta de esperança.

Jonga Olivieri disse...

Tem toda razaõ, Ieda, a mídia não divulga os pensadores marxistas pós URSS.
Ou até aqueles que antes mesmo já pensavam o marxismo de forma independente do "oficial".

Jonga Olivieri disse...

Vamos ver o que a contece. Só a história vai dizer!

Eliana BR disse...

Que aula, amigo!
Obrigada!
Eliana

Jonga Olivieri disse...

Merci... Mas na verdade tem muito mais para se falara sobre o assunto... Ele é inesgotável.
Leia "Marxismo, Moderniddade, Utopia" de Michael Lowy e Daniel Bensaid.
A publicação que tenho é da Editora Xamã, mas quem sabe tenha aí na França, pois Bensaid é francês de Toulouse.