Mais uma postagem enviada pelo Professor Jorge Moreira (ver dados ao lado) para este domingo:
No dia 18 de maio de 1872, há 139 anos, nascia, no País de Gales, Bertrand Arthur William Russell, um dos mais influentes matemáticos, filósofos e lógicos do século XX.
Descendente de uma família aristocrática inglesa, politicamente muito influente no auge do poderio econômico do Reino Unido (seu avô paterno John Russell tinha sido primeiro ministro do reino), Bertrand Russell recebeu anos mais tarde, após a morte do irmão Frank Russell, o título de 3º Conde Russell.
Mas a sua descendência aristocrática não impediu que ele trabalhasse toda a sua vida como professor e escritor para ganhar o pão de cada dia e se transformar em uma das personalidades mais anti aristocráticas na sua luta em prol da humanidade: na defesa dos direitos humanos, dos fracos e dos oprimidos, na defesa da emancipação e dos direitos da mulher e dos trabalhadores. Na sua luta intelectual e política ele também se posicionou contra a guerra, contra a carreira armamentista nuclear dos EUA e URSS, e contra a crença na existência de deus como se pode observar no seu inteligente e cético livro Porque não sou cristão.
Russell estudou e se formou na Universidade de Cambridge, Inglaterra, e passou parte da sua vida viajando como professor pelo Reino Unido, Estados Unidos e China. Como autor, Russell escreveu uma extensa e importante obra que abrange a filosofia, a matemática, a filosofia da ciência, a historia da filosofia e a filosofia social.
Sua grande contribuição no campo da matemática foi estabelecida a partir da publicação de sua obra prima Principia Mathematica que contou com a colaboração do matemático, professor e amigo Alfred Whitehead. O livro, em três volumes, aspirava a deduzir a totalidade das matemáticas a partir de certas noções básicas da lógica e da teoria de conjuntos e influenciou os trabalhos dos grandes matemáticos, lógicos e cibernéticos do século XX, como Kurt Godel, Williard Van Orman Quine, David Hilbert, Ludwig Wittgenstein, Norbert Wiener e outros.
Russell também escreveu sobre uma amplo conjunto de temas que abarcava desde os fundamentos da matemática e a teoria da relatividade, do matrimonio à educação de crianças, do pacifismo ao marxismo (1). A obra de Bertrand Russell gozou de amplo reconhecimento intelectual tanto nos círculos dos especialistas como entre o público popular não especializado.
Tendo sido uma pessoa muito brilhante e sociável, tornou-se amigo pessoal de grandes personalidades do século XIX e XX, tais como o teatrólogo Bernard Shaw, o escritor Joseph Conrad, o filosofo e discípulo Ludwig Wittgenstein, e do teórico da relatividade Albert Einstein e muitos outros nomes significativos como se poderá apreciar em seus livros autobiográficos Retratos de Memórias e Outros Ensaios e Autobiografia de Bertrand Russell.
Em 1957, diante da ameaça de uma guerra nuclear, ele organizou com o amigo Albert Einstein um manifesto que deu vida às Conferencias de Pugwash e passou os últimos quinze anos de sua vida fazendo campanha contra a fabricação de armas nucleares.
Durante a revolução russa de 1917, Russell viajou a URSS, para conhecer o processo revolucionário e entrevistar a Lênin e Trotsky (2). Depois, escreveu um famoso livro sobre sua visita intitulado Teoria e pratica do bolchevismo, texto que, depois da queda do muro de Berlim, voltou a ser estudado e consultado pelos estudiosos da historia da revolução russa.
Esteve na prisão por diversas vezes: a primeira conectada com as suas atividades pacifistas durante a I guerra mundial, as outras por participar em manifestações contra a proliferação de armas nucleares e contra a guerra do Vietnã.
Em 1950, Bertrand Russell recebeu o premio Nobel de Literatura “em reconhecimento dos seus variados e significativos escritos em que defende os ideais humanitários e a liberdade de pensamento”.
Realizou em 1966, junto a Jean Paul Sartre, um dos projetos mais importantes da sua vida no século XX: o Tribunal Russell (Tribunal Internacional sobre Crimes de Guerra) que foi estabelecido para julgar os crimes de guerra dos Estados Unidos da América (EUA) contra o povo do Vietnã do Norte. Neste mesmo ano foi publicado o extraordinário livro de Bertrand Russell Crimes de guerra no Vietnam (3); livro obrigatório para todos aqueles que necessitam saber dos genocídios praticados no passado e no presente pelos governos estadunidenses contra os povos do terceiro mundo.
Durante sua longa vida, Russell contraiu matrimonio quatro vezes e teve três filhos, John, Kate e Conrad. Morreu pacificamente aos 98 anos, em companhia de sua quarto esposa Edith Finch.
O primeiro livro do filosofo inglês que conheci quando era jovem se intitulava A Sociedade Humana na Ética e na Política e foi o primeiro texto de ética e política que li na minha vida. O otimismo, a mordacidade e o estilo -ideais claras, escrita precisa- de Russell me entusiasmaram tanto que li tudo que pude conseguir do filósofo britânico em Salvador, Bahia. Algum tempo depois, escrevi um artigo de uma página inteira, para o diário Tribuna da Bahia com o título A Rebeldia do Jovem Filósofo (4) em que tratava de analisar sua filosofia social. Nesta época, vivíamos em tempos difíceis no Brasil, quando a ditadura militar censurava livros e reprimia a escritores e a leitores de orientação socialista. Assim, fomos proibidos pelos militares de ler os livros de Karl Marx, Lênin, Trostky e outros autores, todos eles imprescindíveis para compreender a natureza e o funcionamento do sistema capitalista e o modo revolucionário de superá-lo.
Atualmente vivemos em tempos ainda mais difíceis e perigosos que os de B. Russell pois a sociedade ocidental vem se transformando em uma ordem social (com sua política ideologica e neo liberal) extremamente antidemocrática, injusta e belicista, sob a ditadura dos bancos, dos militares e das corporações do Imperialismo dos EUA. Nos dias atuais, o referido imperialismo e a sua ditadura está a nos conduzir (hoje mais que nunca) ao neo fascismo e provavelmente a uma III (terceira) e última guerra, a nuclear, onde não haverá nem vencedores nem vencidos para contar nenhuma história.
É dentro deste gravíssimo momento histórico que o exemplo de Bertrand Russell, junto aos de Karl Marx, Lênin, Trotsky (e outros que dedicaram as suas vidas à luta em prol da emancipação humana), se faz imprescindível e devem ser evocados para a continuidade da luta pela vida humana, animal e vegetal neste planeta.
Como uma homenagem especial aos 139 anos de nascimento deste lutador social decidimos dar aos jovens leitores a oportunidade de conhecer um texto autobiográfico do “jovem”, apaixonado e inesquecível Bertrand Russell:
“Três paixões, simples, mas irresistivelmente fortes, governaram-me a vida: o anseio de amor, a busca do conhecimento e a dolorosa piedade pelo sofrimento da humanidade. Tais paixões, como grandes vendavais, impeliram-me para aqui e acolá, em curso instável, por sobre profundo oceano de angústia, chegando às raias do desespero.
Busquei, primeiro, o amor, porque ele produz êxtase - um êxtase tão grande que, não raro, eu sacrificava todo o resto da minha vida por umas poucas horas dessa alegria. Ambicionava-o, ainda, porque o amor nos liberta da solidão - essa solidão terrível através da qual a nossa trêmula percepção observa, além dos limites do mundo, esse abismo frio e exânime. Busquei-o, finalmente, porque vi na união do amor, numa miniatura mística, algo que prefigurava a visão que os santos e os poetas imaginavam. Eis o que busquei e, embora isso possa parecer demasiado bom para a vida humana, foi isso que - afinal - encontrei.
Com paixão igual, busquei o conhecimento. Eu queria compreender o coração dos homens. Gostaria de saber porque cintilam as estrelas. E procurei apreender a força pitagórica pela qual o número permanece acima do fluxo dos acontecimentos. Um pouco disto, mas não muito, eu o consegui.
Amor e conhecimento, até ao ponto em que são possíveis, conduzem para o alto, rumo ao céu. Mas a piedade sempre me trazia de volta à terra. Ecos de gritos de dor ecoavam em meu coração. Crianças famintas, vítimas torturadas por opressores, velhos desvalidos a constituir um fardo para seus filhos, e todo o mundo de solidão, pobreza e sofrimentos, convertem numa irrisão o que deveria ser a vida humana. Anseio por aliviar o mal, mas não posso, e também sofro.
Eis o que tem sido a minha vida. Tenho-a considerado digna de ser vivida e, de bom grado, tornaria a vivê-la, se me fosse dada tal oportunidade.” (4)
NOTAS
1) No seu ensaio “Russell y el socialismo”, o filosofo da ciência espanhol, Manuel Sacristán Luzón questiona acertadamente a superficialidade da leitura que Bertrand Russell faz de Marx e do marxismo. Diz Sacristán: “Mala comprensión de Marx hay ya incluso en las básicas nociones que creer compartir con aquel. ... A esa incomprensión del concepto mas básico de Marx, el de Basis, se añade la ignorancia de la noción de fuerza de trabajo como mercancía...” pg. 206. O ensaio de Sacristán sobre Russell encontra-se no livro de Manuel Sacristán, Panfletos y materiales, I: Sobre Marx y marxismo. Icaria, Barcelona, 1983.
2) Ainda que Sacristán critique a fragilidade do pensamento social de Russell e seus erros teóricos sobre Marx e o marxismo, ele também reconhece a grande contribuição que faz a honradez do pensamento do filosofo inglês (seu ensino critico e seu ensino programático) para a construção do socialismo desejável. Pgs. 224-228. Ver a nota anterior.
3) Bertrand Russell, Crimes de Guerra no Vietnam: Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1967, tradução do original War Crimes in Vietnam, London: George Allen & Unwin.
4) “A Rebeldia do Jovem Filósofo”. Jorge Vital de Brito Moreira. Tribuna da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil, 11/Nov/1972.
5) “Autobiografia de Bertrand Russell”, Ed. Civilização Brasileira,1970 tradução do original The Autobiography of Bertrand Russell, 3 vols., London: George Allen & Unwin. 1967-1969
6 comentários:
Nada mais importante do que a lembrança, nesta maldita sociedade contemporânea, do grande Bertrand Russell, homem de mil instrumentos e que tinha uma profunda ironia na observação do comportamento humano.
Sem dúvida que o pensamento de Bertrand Russell foi (e é) marcante no tocante ao humanismo e os espaços necessários à humanidae para se colocar frente a tudo o que tem ocorrido com a desintegração da nossa sociedade em plena barbárie do capitalismo; esta fase em que estamos a viver.
"Principia Mathematica" é uma obra profunda para se compreender a lógica matemática que está assentada sob a "teoria das descrições definidas", a "teoria dos tipos" e a "teoria do juízo".
Mas Russel, como filósofo estendeu-se ás mais amplas opções do pensamento, muito bem expostas neste resumo do Professor Moreira.
Seu pensamanto e sua ação forma marcantes no Século 20 e conseqüentemente nos que se seguirão.
José Umberto, amigo comum ao professor e a mim, havia enviado um comentário, que, sei lá por que "cargas d'internet" não chegou a este destino.
Enviou-me no entanto um e-mail tentando lembrar-se de como eram as palavras deste comentário, que reproduzo abaixo:
"Quando fui colega de Jorge, na Ufba, ele andava com um violão no braço esquerdo e um livro de capa surrada de Russell na mão direita. Andavam de mãos dadas a Razão e o Coração. O sentimento do mundo cruzava a intuição com a solidão de adolescente. A província bahiana da soterópolis não silenciava diante da ditadura: resistia. Apesar de que o bairro de Nazaré, na antiga cidade de Salvador, era um território de paz e malemolência."
Uma síntese da obra de Russell e ao mesmo tempo um resumo da relação de contato do autor da postagem com a obra do grande intelectual e filósofo inglês.
Sem dúvida, Joelma!
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