Os novos sabores da leitura
Esta foi uma reportagem em que houve pauta, fontes e tudo a que tem direito, realizada e publicada em junho de 2002 na Faculdade de Jornalismo Pinheiro Guimarães. E que me valeu uma nota 10...
A moça lê seu livro atentamente naquele bar agradável. Na sua mesa, um prato com convidativo pedaço de bolo e o café pela metade, ainda esfumaçante. Ao seu redor, gente em outras mesas e livros, muitos livros. Afinal, estamos numa livraria no coração de Ipanema. Livrarias como esta vêm-se transformando em verdadeiros points, com a inclusão de cafés, lanchonetes e até restaurantes em seus ambientes.
A primeira livraria do Rio a possuir um bar foi a Bookmakers, na Gávea. Isto, segundo a proprietária da Argumento no Leblon, Laura Gasparian, 46 anos. Ela garante que a sua loja foi a segunda a disponibilizar este tipo de serviço a seus clientes.
"A minha clientela é tradicional, mas o café trouxe, inegavelmente, um certo incremento nas vendas. Pessoas que vêm aqui tomar um expresso ou comer alguma coisa, acabam levando um livro ao circularem pela livraria", garante Laura, que afirma, no entanto, não gostar que os clientes levem livros para o bar, porque muitas vezes eles simplesmente os recolocam em suas prateleiras, completamente sujos ou borrados. "Os educados acabam pagando pelos mal-educados, que não têm certos cuidados", conclui a proprietária.
O Café Severino, que fica dentro da Argumento, já existe há seis anos. Local aprazível, com uma decoração rústica composta de fotos abordando aspectos do Brasil, além de músicos e intelectuais do Rio de Janeiro. Serve, não somente o tradicional café expresso, mas também uma série de pratos como sopas de alho-poró ou cebola, além de saladas diversas como a do chef e até um penne ao molho de presunto cru e tomate seco. Trabalhando ali há cinco anos, Maria dos Anjos, copeira (e faz-tudo, segundo ela), 34 anos, garante que o movimento é bastante intenso e a clientela muito fiel e assídua.
Quando se entra na Letras & Expressões de Ipanema, não fosse pela tabacaria do lado direito, poder-se-ia dizer que se está entrando numa livraria como outra qualquer. Ao subir a escada, vem a surpresa bem à frente: o Café Ubaldo, um bar ocupando toda a metade esquerda do segundo andar. Ali, o movimento é grande, e, em alguns momentos, quase todas as pessoas estão lendo algum livro. Subindo mais um lance da mesma escada, a surpresa é ainda maior. No terceiro andar funciona o Bar do Zira, um ponto de encontro noturno para "ipanemenses" de todos os bairros da cidade. Todo decorado com desenhos do Ziraldo, este bar nos remete aos velhos tempos da Ipanema boêmia, do Zepellin, do Jangadeiros e da "turma do Pasquim". Durante o dia, o Bar do Zira serve eventualmente a exposições.
A professora Ana Maria Vieira, 23 anos, acha que as livrarias hoje em dia têm uma política de relação com os seus clientes muito mais simpática. O próprio fato de poder pegar um livro, sentar no bar, pedir um café, um chá ou um refrigerante, saborear uma torta e poder ler à vontade é uma forma de ter a possibilidade, inclusive, de avaliar se um determinado livro vale a pena ou não. No seu ponto de vista isso evita enganos ou perda de tempo e dinheiro. Ela acha também, que com os bares, as livrarias passam a ser pontos de encontro entre amigos.
Já o advogado Antônio Gonçalves, 28 anos, ressalta no mesmo sentido que livros, são na maioria das vezes dispendiosos e que poder pesquisa-los antes da compra é um grande facilitador."Bem melhor do que no tempo em que até dar uma 'olhadinha' nos livros da prateleira, era motivo para um olhar torto e recriminante por parte dos vendedores", finaliza.
Curiosamente, a sede da Letras & Expressões não é na loja de Ipanema, e sim, na do Leblon. Seu gerente, Raílson Araújo, 33 anos, trabalha ali há nove anos, e a Letras & Expressões foi o seu primeiro emprego em livrarias. Raílson, anteriormente trabalhava com bancas de revista. Ele fala sobre as modificações que estão acontecendo na loja, que tem como diferencial um atendimento 24 horas e a exemplo da outra, uma tabacaria completa logo na sua entrada. "É muito bom termos o nosso bar e computadores como pontos para internautas. Estamos ampliando o nosso espaço, e é bem melhor a loja ter entrada não somente pela Ataulfo de Paiva, mas também pela Dias Ferreira", afirma Raílson com grande entusiasmo.
Do outro lado da cidade, bem no centro, encontra-se a Travessa do Ouvidor, uma ruela estreita que liga a igualmente estreita rua do Ouvidor à Sete de Setembro. Bem no meio dela, tem um interessante monumento a Pixinguinha. E logo adiante a Livraria da Travessa. Uma livraria que tem a luz, a música e o atendimento na medida ideais. Num ambiente que, aliás, transmite peso cultural e credibilidade. Seu layout perfeito é aconchegante e uma proposital "informalidade" complementa o clima intelectualizado e sofisticado que a caracterizam tão fortemente. Ao fundo o café e lanchonete. E, como se não bastasse, virando à direita uma papelaria completíssima, a Papel Kraft, que também tem entrada independente pela Travessa do Ouvidor, em porta contígua à da livraria.
A Travessa, costuma ser freqüentada por diversos artistas, intelectuais e escritores do cenário carioca. Antônio Torres é um deles. Escritor traduzido em várias línguas, este baiano de 61 anos, cujo primeiro livro foi "Um Cão Uivando para a Lua", que está sendo reeditado pela Record, agora que o livro completa 30 anos de sua primeira edição, considera-se um verdadeiro "fuçador de livrarias". Torres, que também carrega em sua bagagem sucessos como "Essa Terra" e "Um Táxi para Viena D'Áustria", considera a Travessa um dos pontos mais requintados da cultura na cidade do Rio de Janeiro. O fato, porém, é que, na realidade, o escritor está sendo mesmo homenageado pela Letras & Expressões ao inaugurar, o seu bar na sede do Leblon, cuja marca, criada pelo cartunista Ziraldo leva o nome de Bar D'Antônio Torres.
A vendedora Roberta Siqueira, 35 anos, diz freqüentar a Travessa casualmente, por estar à procura de um livro para a sobrinha. "Eu não conhecia esta livraria e entrei aqui por acaso... mas fiquei impressionada com o que eles oferecem, e também com o ambiente bastante agradável... a papelaria tem coisas lindas". Roberta não resistiu ao charme do bar.
Mas isso tudo não é uma exclusividade apenas da sede. Numa das lojas de Ipanema, encontramos as mesmas características, embora em um espaço físico bem mais reduzido. O bar, neste caso, fica num mezzanino, de onde se avista boa parte da requintada loja. Isto, sem contar a nova loja no centro (existe há cerca de um ano), que chama a atenção pelo prédio antigo em que está situada em plena avenida Rio Branco, próxima à Teófilo Otoni. A Travessa também inaugurou em maio de 2002 outra loja em Ipanema.
Ao contrário da Travessa, a Saraiva Mega Store assume muito mais a característica de um hipermercado. Sendo extremamente claras, modernas e bem sinalizadas, suas lojas têm semelhanças com lanchonetes de fastfood. A Saraiva, em algumas das suas filiais, também oferece serviços de internet para seus clientes. A loja situada na Rua do Ouvidor é muito grande e completa, ocupando três andares. A sede do grupo é em São Paulo, onde a Saraiva foi fundada em 1914, por Joaquim Inácio da Fonseca Saraiva, imigrante português de Trás-os-Montes.
A gerente de Comunicação do Grupo Saraiva Vera Esaú, explicou, por telefone, não ser permitido o depoimento de funcionários à imprensa por uma questão de política da empresa. No entanto, liberou à reportagem entrevistar os clientes.
Tomando um café numa mesa, no bar da Saraiva do Rio Sul e folheando um volumoso livro (que ressalta ser de sua propriedade), Mary Moreno, médica, 36 anos, acha que este tipo de livraria, além de muito boa, é realmente uma tendência para o futuro. "Hoje em dia, até compro mais livros do que antigamente", finaliza.
Já o estudante Felipe Souza Ramos, 17 anos, é mais motivado em suas visitas à Saraiva, pela papelaria, pelos cadernos e "canetinhas" que encontra ali. "Sempre que venho ao shopping dou uma passada por aqui, porque tem sempre uma novidade", afirma ele com entusiasmo.
Em Botafogo, encontra-se a Livraria Prefácio, bem no início da rua Voluntários da Pátria. O seu "café" fica logo na entrada. Contudo, várias mesas se espalham por dentro da loja, inclusive num jirau. O acervo da loja é bem completo, e ela ainda possui uma tabacaria. A Prefácio fica muito próxima aos cinemas do Espaço Unibanco, que, aliás, também tem um bar e a pequena, porém decente Livraria do Espaço, esta voltada em grande parte (embora não exclusivamente) para literatura ligada à sétima arte.
Pequena também é Livraria do Museu da República, que, a exemplo da Livraria da Estação Unibanco, não tem um café no seu interior, embora o possua no perímetro do seu espaço cultural. Aliás, bem ao seu lado, e também ao lado do cinema (Estação Museu da República). Ali também se encontra o Museum, restaurante de primeira grandeza que se inclui no complexo do Museu, antigo Palácio do Catete, que, muito embora não tenha sido a única, foi a principal sede do Poder Executivo desde a República Velha até a sua transferência para Brasília no início dos anos 60. Complementam este complexo o teatro, o espaço multimídia e o vasto jardim do palácio, que, constantemente é o cenário de exposições e perfomances de artistas plásticos ou músicos.
Mas até os "sebos" têm seus "cafés". No Paço Imperial - outro importante centro cultural da cidade -, no mesmo local em que existiu a Livraria Dazibao, funciona hoje a Livraria Imperial, especializada em livros usados e que possui um bar bastante movimentado.
É certo que existem outras livrarias pela cidade que não constam nesta matéria. Até porque, estão presentes nesta reportagem apenas algumas das lojas que oferecem serviços complementares de bar ou restaurante aos seus clientes. Provavelmente, a cada dia surgirão mais e mais livrarias que ofereçam este tipo de serviço. É um atrativo, uma tendência e um sintoma de renovação e modernidade no comércio de livros, que, certamente abre uma nova dimensão a esse tipo de negócio. E, sem dúvida alguma, um novo sabor.
8 comentários:
Excelente reportagem que oferece uma visão bastante detalhada dos "novos sabores da leitura" na maravilhosa cidade que é o Rio de Janeiro.
Mas sem querer destoar dos "novos sabores", e fazendo questão de ressaltar o prazer da leitura desse 'post' dominical, gostaria, 'data venia', de dizer que as livrarias se tornaram 'butiques'. Vejo, aqui em Salvador, nos shoppings, grandes livrarias (Saraiva, Cultura, Siciliano...) que possuem cafés nos quais são vendidos coxinhas de galinha, pão de queijo mineiro, pasteis, pão com manteiga etc. E reparo, para a minha surpresa e minha estupefação, que os clientes preferem comer suas coxinhas e, com as mãos gordurosas, folhear livros ilustrados em papel 'cuchê', dando a eles as impressões digitais de suas mãos gordurosas.
O aparecimento de tais 'butiques' livrescas é mais uma maneira de atrair clientes cada vez mais desinteressados pela leitura. Se há algum interesse, este recai nos abomináveis livros de auto-ajuda e nos sub-Paulos Coelhos. Em Buenos Aires ainda encontramos boas e excelentes livraras à antiga. Posso estar parecendo ser uma pessoa do tempo da onça. Talvez o seja mesmo.
A verdade é que gosto mais de livrarias cheias de escadas, com um amontoado de livros, gerenciadas por homens mais velhos que conhecem os ossos de seu ofício. Se possível empoeiradas. Prefiro um sebo em casa de pardieiro do que uma 'butiques' nas quais as atendentes, mocinhas ignaras, não sabem nada sobre literatura ou livros em geral.
Noutro dia, chuvoso, entrei num shopping para passar o tempo e o temporal, e, com um amigo, brincando, entrei na espaçosa Saraiva. Aproximei-me de uma 'vendedora' e perguntei:
- Tem aqui 'Teoria e estética do cinema', de André Setaro, em cinco volumes?
Ela, olhando-me, respondeu:
- Acabei de vender a última coleção hoje de manhã.
Na verdade,tal coleção não existe, pois nunca escrevi sobre isso.
Na verdade estes nove sabores já não são tão novos assim, posto que esta reportagem foi realizada em 2002 quando isso tudo era meio que novidade.
Mas é claro que o sistema iria decompor o que inicialmente era um "charme" e transformá-lo em consumo pesado e em certo sentido degradante com uma "popularização" gordurosa e descaracterizante em que a cultura cederia lugar a uma mera coxinha de galinha. Coisa que já aconteceu com o cinema, conforme você tem falado sempre.
O verbo “shopinguetar” ou nome parecido, criado por você, André, é simplesmente o resumo de toda esta distorcida veia do comportamento humano após o estabelecimento definitivo desta monstruosa criação dos ‘shopping centers’ pelos tarados estadunidenses em sua sede de concentrar o consumo num “macro sistema” com “giga possibilidades” de faturar cada vez mais.
Houve mesmo uma homogenização do comportamento social e uma ‘parternização’ de todos, que me lembram certos ‘sci-fi’ nos quais as pessoas ficavam circulando em cidades cuja maior característica eram justo ser locais muito parecidos como os shoppings do ponto de vista arquitetônico.
E que hoje, seja em Lisboa, Paris, Salvador ou Miami, quando se entra num ‘shopping’ adentra-se num mundo globalizado pela semelhança total... Sem nenhuma característica regional.
Mas, resumindo a ópera: de 2002 para cá os cafés meio que charmosos então, transformaram-se e degradaram-se, fruto do lucro ganancioso de uma burguesia –como os vampiros-- sedenta de vidas humanas sem cabeça pensante. Porque essas os incomoda sobremaneira...
Muito boa a reportagem. E melhor ainda as análises, tanto a sua quanto a do André.
Falou Mário!
Não sabia de seus dotes jornalísiticos. Nem que você cursou uma Faculdade de Jornalismo.
Para mim foi um surpresa. E mereceu mesmo um 10, nota 10!
A gente sempre tenta fazer as coisas com o maior capricho. Creio que a linguagem é correta.
Mas aparentemente a achei grande, muito embora a tenha escrito dentro do tamanho estabelecido pela professora.
E ainda tinha um 'box' que não está aqui. Tudo, porém, ocupou uma página de tablóide com o referido 'box', e as ilustrações.
Grande reportagem, E um pouco extensa mesmo!
L.P.
Mas foi feita exatamente nos parâmetros estabelecidos pela professora, caro Luis... Previa uma página de tablóide do jornal da faculdade, como a foi.
Postar um comentário