domingo, 8 de maio de 2011

Pensatas de domingo. Lembranças de uma Bahia que não existe mais

Vista da Praça Castro Alves em finais dos anos 1960
Outro dia li que Salvador alcançou o lugar de terceira cidade mais populosa do Brasil, e juro que fiquei preocupado com o fato, pois é muito divulgado que a violência tem crescido assustadoramente na Bahia.
Bahia. Assim, nós baianos sempre nos referimos á capital do estado do mesmo nome. Não sei como a população que migrou de outros locais do Brasil se refere a ela. Mas nós, da terra, creio que continuamos a falar desta forma. É como uma marca registrada, uma prova de identidade de maior valor do que qualquer documento legal. O resto talvez fale Salvador mesmo, atraídos pelo Carnaval “massificado” e descaracterizado de hoje.
Mas a questão é que ao ler a tal notícia, passei a lembrar-me dos bons tempos que passei na “boa terra” nos idos dos 1960, quando ainda estudante, viajei diversas vezes àquela cidade. Isto devido ao fato que minha família tem muitas ramificações por lá. E houve ocasiões em que até me transferia e estudava lá.
Amava andar pelas ruelas tortuosas da velha Bahia, com menos de um milhão de habitantes, pois naquela época a população devia beirar, no máximo os 700 mil habitantes. E as pessoas ainda habitavam a cidade velha, os bairros de Nazaré, Saúde, Piedade, Canela, Graça e tantos outros. O que facilitava a andança, pois se descia de um lado e subia-se do outro cortando caminho pela Avenida J.J Seabra, a famosa Baixa do Sapateiro. Pituba? Era um bairro longínquo e meio desabitado onde se podia contemplar em passeios uma curiosa casa no formato de um navio...
Quantas e quantas vezes, meus primos e eu saíamos do bairro de Nazaré –onde morava praticamente a família toda– e íamos assistir um filme no “Tupi”, no “Excelsior”, no “Tamoio” ou no “Guarani” a pé? Ou mais ousadamente, mas também andando chegávamos ao Corredor da Vitória para, no ICBA (instituto Cultural Brasil Alemanha) rever obras de arte importantes em filmes do expressionismo alemão! Mas muitas das vezes íamos mesmo ao “Nazaré”, cineminha de bairro, com aquele cheiro característico dos cinemas de bairro, que Walter da Silveira transformou em Cinema de Arte.
E perigo? Não havia algum. Trafegávamos as ruas desertas e por vezes estreitas sem a menor preocupação com algum assalto ou qualquer outra forma de violência. Até porque diversas daquelas noites voltávamos bastante tarde para casa; como nas noites em que íamos aos bailes em clubes ou às casas noturnas da cidade, estudantes duros que éramos, apenas por farra, já que não tínhamos nada para gastar.
Hoje, no entanto veem de lá as mais graves informações de violência que a classificam como uma das cidades recordistas na área em nível nacional. Ficam as boas saudades daqueles tempos ingênuos em que nos domingos pela manhã folheávamos os jornais locais em busca de uma “pré estréia” às 10 da matina dos filmes que passariam na semana seguinte. Em seguida íamos comprar o “Correio da Manhã” em frente ao Elevador Lacerda, pois os jornais do Rio e São Paulo só chegavam à Bahia depois do meio dia.
Recordações que nunca morrem...

8 comentários:

André Setaro disse...

Sempre estou a acordar com as galinhas, mas, hoje, ao acessar seu blog, não vi a dominical pensata. Vejo-a agora, quase meio-dia. Uma recordação importante de um tempo vivido na velha província da Bahia, quando assim se podia chamá-la.

A Salvador atual é, por assim dizer, a antípoda daquela cidade calma, pacífica, acolhedora, que você descreve tão bem. Os engarrafamentos são constantes e ninguém mais, se em sã consciência, anda a pé pela sua 'urbis'. Existia até uma gíria para aqueles que se deliciavam em ir sempre aos lugares a pé: 'paleta'. "Vamos paletar até o Icba? Nunca mais ouvi ninguém falar assim. Ou, então, para indicar que alguém gostava de andar a pé, e em tom de elogio: "Este é o maior paleteiro que conheço."

Faço, 'data venia', uma observação: não foi o Nazaré que Walter da Silveira transformou em cinema de arte, mas o Popular, que ficava 'atrás' do Liceu. O Nazaré se transformou também em sala especializada nos chamados 'filmes de arte', mas por um grupo inimigo de Walter da Silveira, liderado, se não me engano, por José Augusto Berbert de Castro.

Sei que está passando por grande infortúnio. Daqui a minha plena solidariedade e sentimentos.

Jonga Olivieri disse...

Sim, como "paletamos" pela Bahia inteira. Hajam pés!
Mas, engraçado... Não falei do "Popular" não porque o tenha esquecido, mas porque pensava mesmo que Walter também havia transformado o Nazaré em cinema de arte.
Mas você, melhor do que ninguém conhece os cinemas da Bahia e sua história.

Mário disse...

Belas as suas recordações de uma Salvador que não existe mais. Creio no entanto que todas as cidades do Brasil sofreram esta transformação, fruto da urbanização radical por que passou este país.

Joelma disse...

Vejo que a imagem de Salvador, ou Bahia, como queiras, não reflete a beleza da cidade com o seu azul brilhante, tanto na terra quanto no céu (ompare com a de Vigo na postagem anterior).
Mas noto que a Bahia de outrora refletia um espelendor e uma "ingenuidade" como bem o disse.
Mas Salvador continua tão bela quanto sempre foi, esta é a verdade.
Para quem nunca foi à cidade e a visita o encanto e o deslumbramento, são o principal motivo que as atrai, pode ficar certo disso.
A Bahia é linda até hoje!

Jonga Olivieri disse...

Sim, todas elas sofreram as alterações apontadas por você, Mário. Mas é o tal caso, sentimos mais naquelas em que vivemos...

Jonga Olivieri disse...

Bom sentir o seu entusiasmo pela beleza da Bahia. Sim, até hoje ela é bela.
Também concordo que o postal da década de 60 não exprime a beleza do céu e do mar daquela cidade. mas as fotos eram (ou ficaram) desbotadas.
Um brinde à beleza de Salvador, Bahia que perdura até hoje, apesar da violência e da queda na qualidade de vida...

Anônimo disse...

"Bahia,
Terra da Felicidade,
Morenaaaaa,
Eu ando Cheio de Saudades
Meu Senhor do Bonfim..."
Mais que isto? Ari Barroso imortalizou a Bahia e a Baixa do Sapateiro.

António

Jonga Olivieri disse...

António, anónimo, ó pá!
Inclusive (dizem) que ele foi quem lançou a definição para a Avenida J. J. Seabra.