Hoje (1), Nelson Rodrigues completaria 100 anos de vida. O grande “reacionário”, que não era tão reacionário assim, mas um revolucionário do teatro brasileiro que gostava de fazer estilo, polêmica e criar frases que ficaram no folclore cultural brasileiro como "toda unanimidade é burra" e tantas outras merece uma homenagem. E ela segue neste blogue com um “caso” que publiquei em outro blogue no qual eu conto alguns “casos” e relembro fatos dos meus mais de 50 anos a trabalhar em publicidade.
Este texto foi publicado no Jornal do CCRJ (Clube de Criação do Rio de Janeiro) em 1998 e eu considero um dos melhores do blogue “Casos” da Propaganda, sendo que fazia parte do projeto inicial do livro que pretendia lançar até que tive a ideia deste blogue.
A campanha
de TV do Banco Nacional naquele ano de 1979 ficou inédita. Quer dizer, na
verdade entrou no ar uma colcha de retalhos com cenas - nada inéditas, se bem
que inesquecíveis - de filmes que marcaram época na história do banco. Até aí
tudo bem. Afinal era uma campanha de aniversário e o que foi pro ar não deixou
a gente envergonhado não. Mas é que a campanha original, a que o Favilla e eu
tinhamos bolado era simplesmente do caralho. Tinha depoimentos de pessoas que
estiveram de alguma forma envolvidas com um banco que sempre apoiou a cultura,
os esportes, etc. Entre elas João Saldanha, Grande Otelo e Nelson Rodrigues. E
com um detalhe: a gente produziu parte da campanha em vídeo para mostrar ao
cliente.
A gravação
do Grande Otelo por exemplo foi tão emocionante que deixou gente chorando e
arrepiada. Foi desses momentos inesquecíveis. A do Saldanha teve uma característica
marcante que foi o seu cronômetro mental. A gente dizia fala aí 10 segundos e
ele falava 10 segundos. Depois a gente pedia para ele falar 35 segundos e ele
falava os 35 segundos cravados. Foi uma coisa fantástica.
Mas o
melhor mesmo foi o dia em que nós fomos fazer o vídeo com o Nelson Rodrigues.
Fora tudo marcado no apartamento dele, lá no Leme. Chegamos pontualmente, na
hora marcada. Aquele clima de se estar na casa de um gênio era uma coisa
emocionante. Entramos e lá estava o dito cujo sentadão numa poltrona, com
aquela voz que ninguém igualou até hoje. Aquele falar compassado, aquele tom
cavernoso. O pessoal da produtora montando toda a parafernália de som e luz. Um
puta dum reboliço no ar.
De repente
Nelson, o próprio, o dito cujo, himself,
diz que queria ver o texto do comercial. E ele enfiou a cara no texto. Leu,
releu, parou, olhou em todas as direções e perguntou: “De quem é esse texto?”.
Favilla levantou-se e encaminhou-se à mesa da sala de jantar, onde o mestre
estava sentado. Humildemente, encolhidinho, tal qual fosse um aluno na sala de
aula levantou o dedo e disse que era dele. Ele virou-se lentamente na sua
direção e retrucou: “Esse texto tem um problema grave...”. - Todos gelaram
atônitos. Favilla cada vez diminuindo de tamanho - “...Nelson Rodrigues não é
um dos maiores autores de teatro do Brasil... Nelson Rodrigues é o maior autor
de teatro do Brasil!”. Finalizou, olhando em torno com ar desafiante. Foi um
tal de conserta daqui, pigarreia dali, até que o silêncio instalou-se por alguns
infindáveis segundos na sala.
O que se
seguiu foi um tentar desfazer o que se tinha feito, um jogar panos quentes, uma
sucessão de sorrisos amarelos, “não é nada disso” e por aí afora. E a gente
vendo a hora do cara falar “não ga-ra-vo” no melhor estilo Alberto Roberto. O
que afinal de contas e graças aos deuses, ou sei lá o quê, acabou não
acontecendo. Ufa!
Bom, a
verdade é que o comercial foi gravado e ficou supimpa. Como aliás ficou
toda aquela campanha que acabou não saindo. Well,
as a matter of fact eu sei lá quantas campanhas do cacete a gente cria e
não vão para o ar. Faz parte da vida da gente. A Y&R tem até uma premiação interna em Nova Iorque para esse
tipo de trabalho. Mas a verdade é que dói quando eu me lembro desta inédita na
minha vida. E na do Favilla, do Eugênio e sua produtora. Enfim... Coisas da
propaganda.
1. Ainda bem que ainda consegui postar esta matéria hoje!
1. Ainda bem que ainda consegui postar esta matéria hoje!
2 comentários:
De acordo, o grande reacionário dizia isto para provocar polêmica.
Como quando atacava as mulheres.
Será que ele pensava aquilo mesmo de nós?
Ou era para aparecer, virar o centro de suas próprias vaidades.
Uma figura realmente muito doida! Mas indubtavelmente um grande autor não somente do do teatro brasileiro como do latino-americano.
L.P.
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