Agradeço a
Reinaldo Carcanholo
(1) sem o qual este artigo não teria sido possível...
A partir da década de 1980, o capital e seus ideólogos, entre eles
os seus economistas, passaram a acreditar terem encontrado uma fórmula mágica
para garantir a geração de riqueza econômica, sem necessidade de utilização do
trabalho humano. Alguns chegaram a pensar que o capital terminaria não mais
necessitando da força de trabalho para produzir riqueza e excedente. A
tecnologia, a informação e o domínio do conhecimento foram alçados à categoria
de poderosas magias capazes de tudo e objeto de adoração. Finalmente o capital
não precisaria mais sujar as mãos na produção para realizar-se como capaz de,
por si só, gerar lucros... E lucros elevados.
O capital
se lançou loucamente à especulação e encontrou aí o remédio para a baixa
rentabilidade que foi forçado a suportar durante os anos 1970. Durante algum
tempo, a mágica funcionou e houve uma real e significativa recuperação da taxa
de rentabilidade do grande capital. Mas, no que deu? A crise capitalista atual
é o preço que se está pagando pelo período de orgia especulativa, e esse preço
é, e continuará sendo muito alto, embora seja pago principalmente por aqueles
que em nada se beneficiaram dela.
O
que assistimos atualmente no mundo capitalista é muito mais do que uma simples
crise financeira, apesar da burguesia continuar batendo nesta tecla. Não é uma corriqueira
crise cíclica, das que em algum tempo o sistema se recompõe, voltando a
funcionar normalmente. Não se trata do resultado de um período de desregulação
do capital especulativo, em que alguns governos poderosos do mundo praticaram
uma política irresponsável. Estamos frente a algo muito mais importante.
Assistimos ao início do colapso de uma etapa específica do capitalismo. A crise
financeira iniciada nos Estados Unidos, no setor imobiliário e que se estendeu
a todo o sistema financeiro e ao setor da economia real, é só o a “ponta do iceberg” desse processo. A análise a seguir pretende
basear-se sobre a perspectiva marxista e explicitamente sobre sua “teoria do
valor”.
Isto significa distanciar-se das interpretações que destacam como causa da crise o defeito que teria o sistema de, em certos momentos, apresentar uma excessiva voracidade por parte de capitais, o que comprometeria o normal funcionamento do mercado. Ao lado desse defeito se somaria, no entender deles, uma política permissiva por parte dos governos ao não regular suficientemente os movimentos e a lógica desse capital especulativo.
Isto significa distanciar-se das interpretações que destacam como causa da crise o defeito que teria o sistema de, em certos momentos, apresentar uma excessiva voracidade por parte de capitais, o que comprometeria o normal funcionamento do mercado. Ao lado desse defeito se somaria, no entender deles, uma política permissiva por parte dos governos ao não regular suficientemente os movimentos e a lógica desse capital especulativo.
Uma
interpretação keynesiana clássica padece de um defeito de tipo similar ao do
próprio neoliberalismo... Só que de sentido inverso. Enquanto este último
apresenta uma fé cega no mercado, como se ele fosse capaz de tudo, o
keynesianismo, no extremo oposto, joga toda sua convicção teórica na capacidade
todo poderosa do Estado.
A
perspectiva de Marx, ao contrário, sustenta não só a existência de contradições
internas existentes na sociedade capitalista, como, ao mesmo tempo, que essas
contradições agravam-se com o tempo; que seu antagonismo inevitavelmente
torna-se cada vez mais agudo. Assim, a intervenção do Estado, como instância
contraditória, mas capaz de representar os interesses globais do capital,
embora possa atenuar a intensidade e as consequências das crises para o
capital, especialmente nos seus momentos mais agudos, não é suficientemente
poderosa para evitar o processo de agravamento do antagonismo das contradições
inerentes ao sistema.
Entender a
atual crise desde uma perspectiva marxista pressupõe identificar as
contradições presentes na atual etapa do capitalismo e especialmente destacar a
contradição principal que explica o desenvolvimento dessa etapa. Para isso, não
temos mais remédio do que nos utilizar da teoria dialética do valor, entendida
não como uma simples teoria dos preços (o que não passa de um erro elementar, mas como uma teoria da riqueza capitalista
e, em sentido mais amplo, como uma teoria científica do funcionamento dessa
sociedade. Exige também, e isso é fundamental, uma compreensão adequada da
dialética dos conceitos de capital fictício e lucros fictícios, conceitos esses
que não são mais do que derivações necessárias da mencionada teoria do valor.
Uma questão
central para entender o capitalismo em geral, desde este ponto de vista, é a
contradição produção versus apropriação
de riqueza. E isso não só no que se refere à relação entre capital e trabalho,
mas também em relação à redistribuição do valor excedente (do qual a mais-valia é uma parte) entre os não
trabalhadores e entre as diversas frações ou formas autonomizadas do capital. E
é justamente isso que nos permite caracterizar a atual etapa capitalista como
especulativa e parasitária, presidida pela insuficiente capacidade do capital
produtivo de gerar o necessário excedente econômico real para atender às
exigências de remuneração do chamado capital “financeiro” e do capital em seu
conjunto. E isso apresenta consequências na relação entre o capital e o
trabalho.
(continua)
1. Reinaldo Carcanholo é Professor do Mestrado em Política Social e do
Departamento de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES);
Tutor do PET-Economia / UFES (Programa de Ensino Tutorial- SESU/MEC). Graduado
e Mestre em Economia pela Universidad de Chile, doutorado em Economia pela
Universidade Nacional Autónoma do Mexico (1982), foi professor regular nas
universidades de Chile, de Costa Rica, Benemérita de Puebla (México), Nacional
Autónoma de Honduras e visitante na Universidad Nacional Autónoma de Nicarágua.
É colaborador do Movimento Sem Terra (MST) e diretor executivo da Sociedad Latinoamericana de Economia Politica y
Pensamiento Crítico (SEPLA).
3 comentários:
Putaquipariu, que texto maravilhoso! Quero ler a segunda parte.
Reinaldo Carcanholo é de fato um marxista de respeito.
Não é a toa que é diretor executivo da "Sociedad Latinoamericana de Economia Politica y Pensamiento Crítico (SEPLA)", uma entidade com sede na Argentina, composta de pensadores como Emiliano López, Paula Belloni, Mariano Féliz, Melina Deledicque, e outros, além de editar a excelente revista “Debates Urgentes”.
Para contatos: cecso.argentina@gmail.com
Certíssimo quando dizes que na perspectiva de Marx a existência de contradições internas existentes na sociedade capitalista agravam-se com o tempo e que seu antagonismo inevitavelmente torna-se cada vez mais agudo. Neste caso a intervenção do Estado, embora possa atenuar a intensidade e as consequências das crises, especialmente nos seus momentos mais agudos, não é suficientemente poderosa para evitar o processo de agravamento da situação em si.
Certíssimo mesmo!
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