segunda-feira, 1 de outubro de 2012

O capitalismo já faliu? (Parte 1)


Agradeço a Reinaldo Carcanholo (1) sem o qual este artigo não teria sido possível...

A partir da década de 1980, o capital e seus ideólogos, entre eles os seus economistas, passaram a acreditar terem encontrado uma fórmula mágica para garantir a geração de riqueza econômica, sem necessidade de utilização do trabalho humano. Alguns chegaram a pensar que o capital terminaria não mais necessitando da força de trabalho para produzir riqueza e excedente. A tecnologia, a informação e o domínio do conhecimento foram alçados à categoria de poderosas magias capazes de tudo e objeto de adoração. Finalmente o capital não precisaria mais sujar as mãos na produção para realizar-se como capaz de, por si só, gerar lucros... E lucros elevados.
  
O capital se lançou loucamente à especulação e encontrou aí o remédio para a baixa rentabilidade que foi forçado a suportar durante os anos 1970. Durante algum tempo, a mágica funcionou e houve uma real e significativa recuperação da taxa de rentabilidade do grande capital. Mas, no que deu? A crise capitalista atual é o preço que se está pagando pelo período de orgia especulativa, e esse preço é, e continuará sendo muito alto, embora seja pago principalmente por aqueles que em nada se beneficiaram dela.
  
O que assistimos atualmente no mundo capitalista é muito mais do que uma simples crise financeira, apesar da burguesia continuar batendo nesta tecla. Não é uma corriqueira crise cíclica, das que em algum tempo o sistema se recompõe, voltando a funcionar normalmente. Não se trata do resultado de um período de desregulação do capital especulativo, em que alguns governos poderosos do mundo praticaram uma política irresponsável. Estamos frente a algo muito mais importante. Assistimos ao início do colapso de uma etapa específica do capitalismo. A crise financeira iniciada nos Estados Unidos, no setor imobiliário e que se estendeu a todo o sistema financeiro e ao setor da economia real, é só o a “ponta do iceberg” desse processo. A análise a seguir pretende basear-se sobre a perspectiva marxista e explicitamente sobre sua “teoria do valor”. 
  
Isto significa distanciar-se das interpretações que destacam como causa da crise o defeito que teria o sistema de, em certos momentos, apresentar uma excessiva voracidade por parte de capitais, o que comprometeria o normal funcionamento do mercado. Ao lado desse defeito se somaria, no entender deles, uma política permissiva por parte dos governos ao não regular suficientemente os movimentos e a lógica desse capital especulativo.
  
Uma interpretação keynesiana clássica padece de um defeito de tipo similar ao do próprio neoliberalismo... Só que de sentido inverso. Enquanto este último apresenta uma fé cega no mercado, como se ele fosse capaz de tudo, o keynesianismo, no extremo oposto, joga toda sua convicção teórica na capacidade todo poderosa do Estado.
  
A perspectiva de Marx, ao contrário, sustenta não só a existência de contradições internas existentes na sociedade capitalista, como, ao mesmo tempo, que essas contradições agravam-se com o tempo; que seu antagonismo inevitavelmente torna-se cada vez mais agudo. Assim, a intervenção do Estado, como instância contraditória, mas capaz de representar os interesses globais do capital, embora possa atenuar a intensidade e as consequências das crises para o capital, especialmente nos seus momentos mais agudos, não é suficientemente poderosa para evitar o processo de agravamento do antagonismo das contradições inerentes ao sistema.
  
Entender a atual crise desde uma perspectiva marxista pressupõe identificar as contradições presentes na atual etapa do capitalismo e especialmente destacar a contradição principal que explica o desenvolvimento dessa etapa. Para isso, não temos mais remédio do que nos utilizar da teoria dialética do valor, entendida não como uma simples teoria dos preços (o que não passa de um erro elementar, mas como uma teoria da riqueza capitalista e, em sentido mais amplo, como uma teoria científica do funcionamento dessa sociedade. Exige também, e isso é fundamental, uma compreensão adequada da dialética dos conceitos de capital fictício e lucros fictícios, conceitos esses que não são mais do que derivações necessárias da mencionada teoria do valor.
  
Uma questão central para entender o capitalismo em geral, desde este ponto de vista, é a contradição produção versus apropriação de riqueza. E isso não só no que se refere à relação entre capital e trabalho, mas também em relação à redistribuição do valor excedente (do qual a mais-valia é uma parte) entre os não trabalhadores e entre as diversas frações ou formas autonomizadas do capital. E é justamente isso que nos permite caracterizar a atual etapa capitalista como especulativa e parasitária, presidida pela insuficiente capacidade do capital produtivo de gerar o necessário excedente econômico real para atender às exigências de remuneração do chamado capital “financeiro” e do capital em seu conjunto. E isso apresenta consequências na relação entre o capital e o trabalho.
  
(continua)

1. Reinaldo Carcanholo é Professor do Mestrado em Política Social e do Departamento de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES); Tutor do PET-Economia / UFES (Programa de Ensino Tutorial- SESU/MEC). Graduado e Mestre em Economia pela Universidad de Chile, doutorado em Economia pela Universidade Nacional Autónoma do Mexico (1982), foi professor regular nas universidades de Chile, de Costa Rica, Benemérita de Puebla (México), Nacional Autónoma de Honduras e visitante na Universidad Nacional Autónoma de Nicarágua. É colaborador do Movimento Sem Terra (MST) e  diretor executivo da Sociedad Latinoamericana de Economia Politica y Pensamiento Crítico (SEPLA).
  

3 comentários:

Joelma disse...

Putaquipariu, que texto maravilhoso! Quero ler a segunda parte.

Manuel Pinto disse...

Reinaldo Carcanholo é de fato um marxista de respeito.
Não é a toa que é diretor executivo da "Sociedad Latinoamericana de Economia Politica y Pensamiento Crítico (SEPLA)", uma entidade com sede na Argentina, composta de pensadores como Emiliano López, Paula Belloni, Mariano Féliz, Melina Deledicque, e outros, além de editar a excelente revista “Debates Urgentes”.
Para contatos: cecso.argentina@gmail.com

Mário disse...

Certíssimo quando dizes que na perspectiva de Marx a existência de contradições internas existentes na sociedade capitalista agravam-se com o tempo e que seu antagonismo inevitavelmente torna-se cada vez mais agudo. Neste caso a intervenção do Estado, embora possa atenuar a intensidade e as consequências das crises, especialmente nos seus momentos mais agudos, não é suficientemente poderosa para evitar o processo de agravamento da situação em si.
Certíssimo mesmo!