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Imagem do evento com Isaias falando ao microfone |
O texto a
seguir foi-me enviado por Isaias Neto, autor de Memória Urbana – Poética para uma cidade e resume o
acontecimento Conversas
Plugadas ocorrido em 31 de outubro último:
A reunião foi aberta pelo diretor do Teatro Castro Alves/TCA
Moacyr Gramacho, com breve apresentação dos participantes da mesa e dos
objetivos do encontro. Em seguida, fui convidado a me apresentar, com o pedido para
justificar as razões que me levaram a escrever o livro. Assim fiz.
Um fato ocorrido em 2006 me perseguiu durante algum tempo, sem que
eu percebesse que era o detonador mais visível do processo que me levou a
escrever o livro: uma aluna, de nome Regina Azevedo e conhecida e tratada como
Lala, me pediu que eu falasse algo sobre a cidade dos anos 70 ou 60. Atendi com
prazer ao pedido. Dias depois, ela voltou com outras interrogações e semanas foram
passando nesse pingue-pongue, até que ela virou-se para mim e decretou: – “Você
é um Google ambulante, precisa estar disponível”.
Aquilo foi um desafio e uma sugestão. Ficou claro para mim que ela
dizia que se eu não transformasse aquela oralidade em um texto, nada ficaria
como memória após a minha morte.
Claro que o livro não é somente isso, havia interesse em contar a
saga das duas famílias, que, mesmo eu estando dentro delas, conseguia perceber
que continha fatos que interessariam ao leitor. Além disso, a minha condição de
arquiteto e de professor por certo me concedia também o papel de crítico da
cidade atual.
Dito isso, fiz breve comentário sobre as razões que me levaram a
convidar aquelas pessoas a participarem comigo das “Conversas”, na condição de
debatedores do livro. Eles foram apresentados por mim como cúmplices do livro,
e, em seguida, expliquei os motivos.
José Antonio Saja é filósofo, velho amigo e professor da disciplina Estética, para
os alunos de Arquitetura. Conheci Saja nos idos dos anos 80 e desde então
firmamos um pacto acadêmico: eu fui aluno dele e ele, meu aluno. Passei a
frequentar as aulas de Estética, e ele tornou-se aluno de Teoria da
Arquitetura, o que resultou em riquíssimas discussões sobre a natureza da Arte
e da Arquitetura, sobre o processo gerador e os condicionantes das
manifestações artísticas, sobre Espaço, sobre Tempo, enfim um período letivo muito
instigante, que invadia as horas vagas após as aulas (que terminavam às 18
horas e não havia turno noturno), já sem compromissos acadêmicos, que permitiam
estender o bate papo em uma pizzaria ou equivalente.
O comentário dele (não poderia mesmo ser outro, não é?) foi com a
cidade na condição de Ágora. Mas não a Ágora primitiva, mas a moderna, que
reúne as pessoas de modo virtual e que, segundo ele, poderiam ou deveriam
encontrar um ponto ou referência física, espacial, para a troca de mensagens.
Um lugar público e, mais que isso, republicano. Uma festa? Uma passeata? Um
culto à esperança?
Ele “leu” no meu texto o que chamou de mensagem de esperança
contra a atual crise de identidade pela qual passa a capital baiana.
Naia Alban, e também Moacyr, que
foram colegas como alunos junto a Nino e
a Flávio (posso estar omitindo algum
nome que me escapa agora) são os responsáveis pela colocação da inscrição “Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate”
(retirada da Divina Comédia, de Dante) sobre a porta do Auditório 2 da
Faculdade de Arquitetura, episódio que aparece na página 333 do meu livro.
Essa atitude deles e mais outras manifestações marcaram muito os
tempos na escola durante mais que os cinco anos em que eles estavam ali. Eles
se formaram e a inscrição continuou lá, despertando a curiosidade dos que
chegavam e a manutenção da perplexidade e do estranhamento que deve estar
presente no ato criador.
Talvez por isso Moacyr tenha enfatizado a importância que o meu
texto dá às gerações que valorizam o trabalho coletivo. Esse foi o toque que
sustentou a sua fala, encorajada pela presença expressiva de público de todas
as idades. Havia gente de 14 anos, despertada pela notícia do lançamento
publicada nos jornais A Tarde e Correio da Bahia, e de 95 anos, que se dispôs a
sair de casa à noite para se incorporar a essa missão lúdica de jogar conversa
fora (no bom sentido).
Mas a cumplicidade de Moacyr está também no incentivo que ele me
deu desde o momento em que soube que o meu livro tratava da revolução cultural
dos anos 50, porque o TCA é uma das consequências. Foi graças a ele que a ideia
do lançamento público com a ampliação da tiragem ganhou fôlego, contando também
com a ajuda de Rose Lima, diretora artística do TCA.
Da mesma maneira, Naia
Alban, agora como Diretora da Faculdade de Arquitetura, me incentivou a
ampliar os contatos ao ponto de me convencer a procurar a professora Flávia
Rosa, diretora da Editora da UFBA, fechando o circuito de apoio para a edição
de “Memórias”.
Na sua participação em “Conversas”, Naia se referiu ao fato de meu texto ressaltar a importância de nós
perguntarmos, sempre que possível, sobre as razões ou motivações de atitudes
tomadas. Não por insegurança, mas para convencimento e referência. Assim, cabia
perguntar se a atual cidade é mesmo a que nós queremos, ou então perguntar o
que estamos a fazer para mudar a situação. Em lugar de certezas, dúvidas.
Perguntas, em lugar de respostas prontas e definitivas.
Citou como exemplo uma expressão que eu usava enquanto professor,
a alunos recém-chegados e ansiosos por ter respostas prontas para tudo. Quando
me perguntavam sobre a origem da arquitetura, eu, sem qualquer constrangimento,
respondia: começou quando alguém disse –“É ali atrás da bananeira”...
O quarto do grupo, Chango
(Alberto Rafael Cordiviola), citado
no livro como autor da melhor crítica que conheço sobre as transformações dos
anos 70, é um velho cúmplice. Desde quando colegas como alunos, nos idos dos
60, ou como colegas no corpo docente, ou como companheiros de trabalho no
mercado profissional, é um fraternal amigo, um irmão adotivo.
O caso dele é especial, por ser um dos migrantes da cidade. Ele
nasceu na Argentina e veio para o Brasil no início dos anos 60 para completar a
sua formação em Arquitetura iniciada em Córdoba, aqui ficou e hoje, estou
seguro, deve ser mais baiano que eu.
A participação dele enfatizou exatamente a sua condição de
estranho, que chega a uma cidade “aberta”, que lhe deu chances de trabalhar sem
censuras ou desconfianças prévias. De fato, até chegar a dureza da ditadura e a
ideia de prevalência do homogêneo sobre o heterogêneo, Salvador era mesmo um
bom lugar para se viver. Ele conta que chegou ao escritório de Diógenes
Rebouças, por intermédio de outro arquiteto e imediatamente recebeu trabalho
para executar. Havia adversários, não inimigos.
Mas o melhor ficou para o fim, quando as pessoas presentes se
sentiram encorajadas a falar sobre a crise atual da cidade. Foi um momento
épico, em que surgiam compromissos, vontades, desabafos, promessas, um manifesto
muito forte que impressionou a todos.
Cheguei em casa impactado e pouco dormi.
Depois das “Conversas”, foi servido um coquetel e eu pouco vi ou
participei, envolvido que estava por aqueles que pediam uma assinatura no livro
ou que queriam simplesmente se apresentar, que queriam conversar ou saber um
pouco mais de mim, algo muito forte que me deixou emocionado.
Atendi a todos, e senti que o melhor que poderia acontecer com o
meu trabalho eu havia conseguido. Antes de ler o texto, eles já tinham gostado
do livro, isto é, o sentimento que aflorou em todos nós criou o clima ideal
para o congraçamento com fortes emoções. Mesmo que eles leiam e vejam que o
livro não é exatamente aquilo que eles pensavam. Estarão tomados pelo
compromisso de entender que não se trata de gostar ou não gostar de algo, mas
de se comprometer em não permitir mais que a omissão, por inércia, continue a
governar os seus destinos.
3 comentários:
Que barato!
Pelas informações postadas, parece que foi de fato um sucesso.
Concordo. Acho que deve ter sido uma noite "rica"!
L.P.
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