O romance “Mortos Incomôdos, Falta o que
falta” do Subcomandante Marcos (EZLN) e do escritor mexicano Pablo Ignácio
Taibo II
Jorge Vital de Brito Moreira
Para aqueles que viveram no
México no período entre o assassinato massivo (o massacre) dos estudantes
mexicanos pelo governo do presidente Gustavo
Díaz Ordaz Bolaños na Plaza de Tlatelolco em 2 de outubro de 1968 (1), e
a assinatura do Tratado de Livre Comercio (NAFTA) entre os EUA, Canadá e o México
em 1 de janeiro de 1994, nada mais esclarecedor que ler a representação dessa
recente história mexicana no romance Muertos
Incomodos escrito pelo Subcomandante Insurgente Marcos (do Ejército Zapatista de Liberación Nacional,
EZLN) e pelo escritor mexicano Paco Ignácio Taibo II.
Para
os jovens leitores de Novas Pensatas
devo informar-lhes que no mesmo dia (1 de janeiro de 1994) em que os
presidentes Salinas de Gortari (Mexico) e George Bush (o pai) assinaram o
Tratado mencionado, o Subcomandante Marcos e o Ejército Zapatista de Liberação Nacional (EZLN) anunciaram a
invasão e a tomada militar de sete cabeceiras municipais no estado mexicano de
Chiapas, exigindo democracia, liberdade, terra, pão e justiça para os indígenas
mexicanos.
O
romance Muertos Incómodos foi escrito
a "quatro mãos" pelos dois autores mencionados. A ideia de escrevê-lo
se originou quando o Subcomandante Marcos enviou uma carta ao escritor Paco
Ignácio Taibo II para propor a realização do projeto (2). Quando Taibo II
aceitou a proposta de Marcos, ele enviou para o subcomandante as regras que
deveriam ser seguidas pelos dois para escrever o romance a quatro mãos. Em
resumo, as regras estabeleciam que os escritores deveriam escrever o romance
alternando os capítulos; e o enredo deveria se concentrar simultaneamente em
dois personagens: em Elias Contreras (o investigador da comissão de inquérito
do EZLN criado por Marcos) e em Hector Belascoarán Shayne (o reconhecido
detetive independente criado por Taibo II faz muitos anos). Os dois
protagonistas, Elias e Hector, deveriam encontrar-se pela primeira vez no
Monumento da Revolução Méxicana na Cidade do México.
O Subcomandante Marcos escreveu o primeiro
capítulo, e Taibo II escreveu o segundo, e assim, sucessivamente. Cada capítulo
do romance Muertos Incomodos foi
publicado semanalmente pelo jornal mexicano La
Jornada e atualmente se encontra disponível online gratuitamente em espanhol para os leitores no mesmo jornal.
O romance também se encontra disponível gratuitamente em espanhol online nas páginas de Rebelion.org online (http://www.rebelion.org/noticia.php?id=10692)
Tempo depois, o romance foi publicado
comercialmente, na forma de livro, pela Editorial
Joaquín Mortiz, e todos os rendimentos obtidos na venda do livro foram
doados à ONG Enlace Civil A.C. para
realizar obras sociais no estado de Chiapas, México. O romance também foi
publicado em português pela Editora Planeta.
O
romance Muertos Incomodos pode ser
incluído dentro do gênero da novela negra, na versão latinoamericana do gênero "hard-boiled" dos Estados
Unidos, mas também poderia ser classificado como um romance do subgênero
denominado "neopolicial". Como
se sabe, a novela negra é diferente do romance policial clássico porque a
motivação econômica na novela negra tem prioridade sobre o mistério, enquanto
as causas sociais são removidas do romance policial clássico para melhor servir
ao mistério da sua trama. São características importantes do gênero novela
negra (ou romance negro): o realismo crítico e a revelação do submundo do crime
nas sociedades representadas pelas narrativas policiais. Na América Latina,
onde a corrupção é parte do sistema político, os autores tendem a se concentrar
na corrupção como um dos temas dos seus romances. Dentro de um regime político
corrupto e corruptor, a escritura de "ficção policial” funciona geralmente como um veículo para a
crítica política.
Assim,
no romance Muertos Incomodos, o
leitor poderá observar simultaneamente tanto a crítica social como as
revelações do submundo mexicano. Neste romance, a crítica social se baseia numa
visão de mundo contra o neoliberalismo e a globalização que imperializa o
planeta terra. Nesse sentido a crítica social é equivalente à crítica de outros
romances da série do detetive Hector Belascoarán Shayne de Paco Taibo II,
tornando-se mais ampla e mais rica com a inclusão da visão crítica indigenista
do Subcomandante Marcos no universo romanesco.
Além
do Massacre de Tlatelolco, outros bárbaros acontecimentos que foram deflagrados
no México pela violência política do grande partido burguês oficialista que se
encontra faz mais de 80 anos no poder, o Partido Revolucionário Institucional
(PRI), também são referidos direta ou indiretamente no romance: a) os
acontecimentos ligados ao roubo das vítimas do terremoto do México de 1985; b)
os acontecimentos associados ao roubo das eleições presidenciais de 1988 (cujo vencedor foi Cuauhtémoc Cárdenas o
filho do general e ex-presidente Lázaro Cárdenas) por Salinas de Gortari, (3) o candidato de PRI; c)
o massacre de Acteal, executado por forças paramilitares associadas ao
ex-presidente prista Ernesto Zedillo.
Esta chacina resultou no assassinato de 45 indígenas tzotziles (incluídos meninos e mulheres grávidas) por serem
simpatizantes do EZLN.
O romance sucede em dois locais diferentes: em Realidad, no estado de Chiapas, e, no Distrito Federal da cidade do México. A trama acompanha a trajetória dos dois detetives Elias Contreras e Hector Belascoarán Shayne nesses espaços perseguindo homens - vivos ou mortos? homens reais ou mero fantasmas?- ao tentar descobrir quem é o verdadeiro “Morales”, o inimigo demoníaco dos pobres e dos oprimidos.
A luta zapatista está sempre presente nos
capítulos assinados pelo Subcomandante Marcos: o primeiro capítulo, por
exemplo, narra una história do investigador rural Elias Contreras, a quem se
encomenda encontrar uma mulher casada, Maria/Abril, que desapareceu de uma
comunidade local, pois existe o temor de que ela tenha sido sequestrada por
grupos paramilitares com o objetivo de assassiná-la. A surpresa se manifesta
quando Elias descobre que a história de Maria/Abril é una história de violência
de género, pois a mulher fugiu da comunidade para se libertar do domínio do
marido; para se estabelecer como líder numa outra comunidade que reivindica os
direitos femininos da mulher. No plano discursivo, o romance também
utiliza o movimento zapatista como uma metáfora para a resistência ao mundo
machista e ao processo de globalização capitalista.
No romance Muertos Incomodos, “escrito a quatro mãos”, as tradicionais
fronteiras genéricas são ultrapassadas por um conjunto híbrido de elementos do
suspense, do testemunho e até do
panfleto. É um romance de pessoas desaparecidas, de detetives marginais, de vítimas e fantasmas, e de crítica
contundente à sociedade patriarcal e a todas as formas de subjugação, de
exploração e de opressão aos seres humanos dentro do modo de produção
colonial-imperialista.
1) Desembarquei no México
em Setembro de 1978 (10 anos depois do “Massacre da Plaza Tlatelolco)
para estudar uma mestrado em Sociologia na Universidad Nacional Autónoma de Mexico:
dez anos depois do “Massacre de Tlatelolco”, o bárbaro acontecimento continuava
sendo lembrado pelos mexicanos e era contado
frequentemente para mim e outros estudantes estrangeiros tanto pelas vítimas
que sobreviveram ao acontecimento como por seus familiares, parentes, amigos.
Outro acontecimento, que era frequente e tristemente lembrado pelos mexicanos:
o assassinato de Leon Trotsky (líder,
junto com Lenin, da Revolução russa de 1917) em 1940 por Ramón Mercader no
México, com a ajuda do pintor David Alfaro Siqueiros e dos membros do partido comunista mexicano, a
mandado do ditador Joseph Stalin.
2) Inicialmente, o projeto de escrever um romance a quatro
mãos, contava com a participação do subcomandante Marcos e do escritor espanhol
Manuel Vázquez Montalbán. Porém, devido ao falecimento de Montalbán, em 18 de
outubro de 2003, o escritor Paco Ignácio
Taibo II aceitou substituí-lo na empreitada.
3) Vejam o livro “Vecinos Distantes: un Retrato de los Mexicanos”
do jornalista brasileiro Alan Riding. Vejam também as denuncias feitas pela Revista
Proceso (de México) ao ex-presidente Salinas de Gortari. Em 13 de maio de 2010,
o blogue Mexicanos
al Grito publicou a seguinte informação:
“La vida de Carlos Salinas de Gortari está marcada por la tragedia, entre
sus tremendas hazañas ciertas (aunque parezcan rumores, no lo son) se
encuentra: matar a una sirvienta a los 5 años de edad, robar las elecciones
presidenciales de México, empujar un desfavorable tratado de libre comercio
para México con sus vecinos Estados Unidos y Canadá, robos y fraudes con PEMEX,
robos y fraudes en su gobierno, robos por sus hermanos Raúl y Enrique -de los
cuales, uno, Raúl, estuvo en la cárcel por lavado de dinero y el otro, Enrique,
murió en 1996, probablemente por un asunto ligado al narco- y que decir de la
privatización de varias empresas nacionales a sus compadres.” Vejam o
link abaixo:
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