O ciúme e o bolero
como gênero musical na realidade sócio-histórica.
Jorge Vital de Brito Moreira
Falando sobre a crítica cultural, o cineasta Glauber Rocha
afirma: “Necessitaríamos algumas considerações sobre características formais’ e
‘linguagem cinematográfica’. Isso se faz indispensável por não entendermos como
mistério e sim esclarecimento; somos partidários da crítica didática.”
O assunto é música. Este texto aspira realizar uma breve
análise dos usos do gênero musical para expressar simbolicamente os sentimentos
de amor e/ou desamor no relacionamento entre indivíduos. O texto procura
enfatizar, especificamente, os três modos diferentes de entender e expressar culturalmente
os sentimentos de ciúme entre pessoas enamoradas e destacar algumas relações
ideológicas entre os gêneros musicais e a dominação emocional, ideológica,
social e politica. Para tanto, tomaremos como amostra, o exemplo de três
músicas mexicanas amplamente reconhecidas, intituladas “O preso número 9”, “Sabrá Dios” e “No me pratiques más”.
A música “El preso número 9” pertence ao gênero mexicano ranchera e foi
composta num ritmo ternário (3/4) pelo compositor Roberto Cantoral (autor dos famosos boleros “El Reloj” e “La Barca”); a música “Sabrá
Dios” pertence ao gênero músical bolero e foi composta pelo extraordinário
Alvaro Carrillo (autor dos destacados boleros “Sabor a mí”, “Um minuto de amor”); a música “No me pratiques más” pertence ao gênero bolero e foi composta por
Vicente Garrido, considerado o pai do bolero mexicano moderno.
Acredito
que é necessário informar aos jovens leitores brasileiros que a música ranchera
(a que pertence “O preso numero 9”) é
um gênero da música mexicana tradicional proveniente do meio
rural. Tem sido considerada como reação ao gosto da classe social alta e para
muitos tem se transformado num símbolo da nacionalidade mexicana.
Também devo informar que o bolero (1) (a que
pertencem as músicas “Sabrá Dios” e “No me platiques más”) tem sido descrito
como um gênero musical que catalisa o romanticismo latinoamericano e que é utilizado
para expressar predominantemente o amor e/ou o desamor no relacionamento entre
indivíduos; o bolero também serve para expressar outros sentimentos
relacionados tais como: o ciúme, a inveja, o rompimento amoroso, a ansiedade, a
angustia, o despeito. Historicamente, o bolero é um
ritmo musical de origem cubana que tornou-se mais conhecido como o rotulo “a
canção romântica mexicana” que tem desenvolvido, ao longo da sua historia,
temas românticos num ritmo lento dentro do compasso quaternário 4/4 ou binário
2/4. No decorrer do século XX, as melodias, as harmonias, o ritmo e as
letras dos boleros se expandiram desde Cuba e México por quase toda América
Central, América do Sul e pelo Brasil (2).
Como se pode observar na letra da ranchera “El preso número 9” (3), o protagonista da história é um
camponês ciumento (4) que matou a sua mulher e ao seu melhor amigo devido a
traição amorosa. O camponês, aprisionado na prisão local, está a ponto de ser
fuzilado pelo crime que cometeu. Antes da execução do ato final, o camponês
diante de um padre católico, afirma veementemente que não se arrepende e que os
voltaria a matar se os encontra na eternidade de uma outra vida. Ele diz ao seu
ao seu confessor:.. “Los maté sí señor, Y si vuelvo a nacer. Yo
los vuelvo a matar”. (Eu lhes maté
sim senhor, e se volto a nascer, eu volto a matar-lhes). E no final da ranchera
diz: Padre no me arrepiento ni me da
miedo la eternidad... Voy a seguir sus pasos voy a buscarlos al más allá.
Como se pode
observar no início da letra do bolero “Sabrá
Dios “(5), o protagonista da história, um individuo ciumento, se encontra
na dúvida se a mulher lhe está sendo fiel ou se está lhe enganando, mas no
final da letra ele admite que ele pode estar louco duvidando da mulher, criando
uma mentira para justificar os seus ciúmes y que vai lutar honradamente para
tirar os ciúmes do seu coração. “Y debo
estar loco para atormentarme sin haber razón pero voy a luchar hasta arrancar
esta ingrata mentira de mi corazón.” (E devo estar louco para me atormentar
sem haver razão mas eu vou lutar até arrancar esta ingrata mentira do meu
coração...).
Como se puede
observar no inicio da letra do bolero “No
me platiques más” (6), o protagonista da história, um sujeito ciumento,
pede a mulher amada, que já não lhe conte o seu passado amoroso, pois escutá-la
representa um grande sofrimento para ele “No me platiques más lo que debió pasar antes de
conocernos, sé que has tenido horas felices aun sin estar comigo.” (Já
não me conte o que deve ter passado antes de nos conhecermos, sei que você teve
horas felizes mesmo sem estar comigo). E no final da letra do bolero, para
obter uma certa tranquilidade, o sujeito pede à mulher que lhe permita imaginar
que o passado não existe e que os dois
nasceram no mesmo momento em que se conheceram (“déjame imaginar que no existe el pasado y que nacimos el mismo
instante en que nos conocimos”).
Se colocamos as analises das três
músicas acima numa dimensão diacrónica, poderemos admitir que elas sugerem três diferentes momentos do desenvolvimento
históricos das sociedades latino-americanas em geral e da sociedade mexicana em
particular. Dentro de uma perspectiva sócio histórica os diferentes momentos do
ciúme nas músicas mexicanas estariam relacionados com a transformação das sociedades tradicionais
baseadas na agricultura para sociedades modernas baseadas na produção
industrial e de serviços.
E se colocamos as analises das três
músicas acima numa dimensão sincrônica poderíamos também admitir que elas
sugerem três tipos de mentalidades que coexistem simultaneamente no mesmo espaço-tempo
da produção cultural das sociedades latinoamericanas como nos ensinou a
estética do realismo mágico ou do realismo fantástico.
Mas dentro da relação entre o gênero bolero e a realidade
histórica e social (assim como nas relações
entre produção cultural-artística e a
realidade histórica-social) também se poderia sugerir que o momento culminante do bolero (a
denominada «era dourada») coincide com o período das ditaduras militares nos anos
trinta, quarenta e cinquenta na América Latina. Assim, no plano do poder
politico, o sucesso do bolero serviu aos
interesses de estes regímes militares, já que promovia certa forma alienação romântica
num público que queria permanecer à margem
das questões políticas.
Embora o bolero (e
outros gêneros de música, literatura e cinema) ainda possam ser usados como veículos
para a alienação social e politica do público consumidor, podemos constatar que
o futebol substituiu o bolero durante o período das ditaduras militares da
segunda metade do século XX. Neste período, o futebol foi uma das formas mais
utilizadas pelos regimes militares para promover alienação politica e social na
população, como se pode verificar claramente com o uso que o ditador Garrastazu
Médici fez da vitória da seleção brasileira (e do “rei” Pelé) na Copa do Mundo
de 1970, no México.
Atualmente, o futebol,
continua sendo o instrumento esportivo preferido pelo poder politico para a
alienação (o pão e o circo) emocional e social dos milhões de espectadores da
população mundial. E a infame realização sócio-econômico-politica e cultural da
Copa do Mundo no Brasil (o país do futebol) foi planejado para enaltecer os governos populistas de Lula
da Silva e Dilma Rousseff; como uma das formas mais eficientes para justificar
e legitimar o sistema de exploração e dominação da população sob o capitalismo.
Assim, o bolero não
morreu, ainda continua tendo forte influencia no século XXI: o bolero continua
a produzir e reproduzir o imaginário social dos mexicanos (e de outros povos
latinoamericanos) repercutindo sobre as emoções de milhões de consumidores como
podemos comprovar através da permanência do alto número de gravações e
regravações de novos e velhos boleros por jovens artistas como Luis Miguel,
Tania Libertad, José Luís Guerra e muitos outros.
Em resumo, enquanto o
gênero bolero continuar sua existência, existirá sempre a tendência de
utiliza-lo como instrumento ideológico para adormecer a consciência individual
sobre a realidade histórica dos conflitos sócio-econômico-culturais e da
necessidade do questionamento e participação politica.
1)
No âmbito músical, a palavra bolero tem diferentes significações. Em geral refere-se
a três realidades: 1) o bolero é uma dança de ritmo ternário (3/4) em tempo
moderado, que é dançada por um individuo, um casal ou vários casais; 2) o
bolero é uma obra musical (sinfônica) de um único movimento escrita para
orquestra por Maurice Ravel.
2) Em muitos países desta área, podemos
encontrar grandes compositores e intérpretes representativos do gênero (e subgênero) bolero tais como, por exemplo, Cesar Portillo
de la Luz e Beni Moré em Cuba; Agustin Lara, Alvaro Carrillo e Trio Los
Panchos, no México; Lucho Gatica, no Chile; Gregorio Barrios, no Uruguai); e
Trio Irakitan e Altemar Dutra no Brasil, entre outros. Nesse plano, o bolero Besáme mucho tem sido um dos mais
cantados, interpretados e gravados em todo mundo. No Brasil, foi interpretado e
gravado por João Gilberto, o criador do
novo gênero musical brasileiro conhecido como “a bossa nova”.
O bolero também se desenvolveu na área da
interpretação e instrumentação incluindo desde os iniciais instrumentos de
cordas (requinto, violão, etc.) a posterior instrumentação de grandes
orquestras com a inclusão de diversos instrumentos de percussão e instrumentos
de sopro. Apesar de que o bolero sofreu uma notável queda de popularidade desde
o final dos anos 50 com a penetração no mercado musical de novos gêneros
musicais tais como o rock e nomes como Elvis Presley e os Beatles, o bolero não
morreu, continua sendo prestigiado em composições recentes de compositores
mexicanos que se dedicam ao gênero e desde os anos 80 do século passado, a
bachata, um dos subgêneros do bolero, tem obtido atualmente grande popularidade
através das composições e performances de Juan Luis Guerra de Republica
Dominicana.
3 ) El preso
número 9
Al preso número nueve ya lo
van a confesar.
Está rezando en la celda con el cura del penal.
Porque antes de amanecer la vida le han de quitar.
Porque mató a su mujer y a un amigo desleal.
Dice así: al confesor
Los maté sí señor
Y si vuelvo a nacer.
Yo los vuelvo a matar.
Padre no me arrepiento ni me da miedo la eternidad.
Yo sé que allá en el cielo el ser supremo me ha de juzgar.
Voy a seguir sus pasos voy a buscarlos al más allá.
El preso número nueve era hombre muy cabal.
Iba en la noche del duelo muy contento a su jacal.
Pero al mirar a su amor en brazos de su rival.
Sintió en su pecho un dolor y no se pudo aguantar.
Al sonar el clarín
Se formó el pelotón.
Y rumbo al paredón.
Se oyó al preso decir.
Padre no me arrepiento ni me da miedo la eternidad.
Yo sé que allá en el cielo el ser supremo me ha de juzgar.
Voy a seguir sus pasos voy a buscarlos al más allá.
Está rezando en la celda con el cura del penal.
Porque antes de amanecer la vida le han de quitar.
Porque mató a su mujer y a un amigo desleal.
Dice así: al confesor
Los maté sí señor
Y si vuelvo a nacer.
Yo los vuelvo a matar.
Padre no me arrepiento ni me da miedo la eternidad.
Yo sé que allá en el cielo el ser supremo me ha de juzgar.
Voy a seguir sus pasos voy a buscarlos al más allá.
El preso número nueve era hombre muy cabal.
Iba en la noche del duelo muy contento a su jacal.
Pero al mirar a su amor en brazos de su rival.
Sintió en su pecho un dolor y no se pudo aguantar.
Al sonar el clarín
Se formó el pelotón.
Y rumbo al paredón.
Se oyó al preso decir.
Padre no me arrepiento ni me da miedo la eternidad.
Yo sé que allá en el cielo el ser supremo me ha de juzgar.
Voy a seguir sus pasos voy a buscarlos al más allá.
4) Por
falta de tempo não consideraremos o tema do ciúme dentro da hipótese social da
luta de classes de Fredric Engels, ou seja, a de explicar o ciúme como uma
manifestação emocional resultante da possessão, do domínio e do controle da
propriedade privada da terra, dos meios de produção e de vida, nas origens da
família e do estado na nossa sociedade.
Tampouco teremos tempo para considerar o tema do ciúme dentro da
hipótese dual de Freud conformado pelo ciúme normal e o ciúme paranoico aquele
que é resultante da projeção do desejo
homossexual pelo outro.
5) Sabrá Dios...
Sabrá
dios...
Si tu me quieres o me engañas.
Como no adivino, seguiré pensando que me quieres,
solamente a mi.
No tengo derecho en realidad
para dudar de ti y para no vivir feliz,
pero yo presiento
que no estas conmigo aunque estas aquí.
Si tu me quieres o me engañas.
Como no adivino, seguiré pensando que me quieres,
solamente a mi.
No tengo derecho en realidad
para dudar de ti y para no vivir feliz,
pero yo presiento
que no estas conmigo aunque estas aquí.
Sabrá Dios...
uno, uno no sabe nunca nada
moriría de pena,
si este amor fracasara jamás
por mi equivocación.
Y debo estar loco
para atormentarme si una razón
pero voy a luchar hasta arrancarme
esta ingrata mentira de mi corazón.
Y debo estar loco
para atormentarme sin una razón
pero voy a voy a luchar hasta arrancarme
esta ingrata mentira de mi corazón.
uno, uno no sabe nunca nada
moriría de pena,
si este amor fracasara jamás
por mi equivocación.
Y debo estar loco
para atormentarme si una razón
pero voy a luchar hasta arrancarme
esta ingrata mentira de mi corazón.
Y debo estar loco
para atormentarme sin una razón
pero voy a voy a luchar hasta arrancarme
esta ingrata mentira de mi corazón.
6) No me platiques más
Vicente Garrido
No
me platiques más
lo que debió pasar
antes de conocernos,
sé que has tenido horas felices
aun sin estar conmigo.
No quiero ya saber
que pudo suceder
en todos estos años
que tú has vivido con otras gentes
lejos de mi cariño.
Te quiero tanto que me encelo
hasta de lo que pudo ser
y me figuro que por eso
es que yo vivo tan intranquilo.
No me platiques ya
déjame imaginar
que no existe el pasado
y que nacimos el mismo instante
en que nos conocimos.
No quiero ya saber
que pudo suceder
en todos estos años
que tú has vivido con otras gentes
lejos de mi cariño.
Te quiero tanto que me encelo
hasta de lo que pudo ser
y me figuro que por eso
es que yo vivo tan intranquilo.
No me platiques ya
déjame imaginar
que no existe el pasado
y que nacimos el mismo instante
en que nos conocimos.
lo que debió pasar
antes de conocernos,
sé que has tenido horas felices
aun sin estar conmigo.
No quiero ya saber
que pudo suceder
en todos estos años
que tú has vivido con otras gentes
lejos de mi cariño.
Te quiero tanto que me encelo
hasta de lo que pudo ser
y me figuro que por eso
es que yo vivo tan intranquilo.
No me platiques ya
déjame imaginar
que no existe el pasado
y que nacimos el mismo instante
en que nos conocimos.
No quiero ya saber
que pudo suceder
en todos estos años
que tú has vivido con otras gentes
lejos de mi cariño.
Te quiero tanto que me encelo
hasta de lo que pudo ser
y me figuro que por eso
es que yo vivo tan intranquilo.
No me platiques ya
déjame imaginar
que no existe el pasado
y que nacimos el mismo instante
en que nos conocimos.
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