Jorge Vital de Brito Moreira
Dois ilustres brasileiros, o brilhante técnico e
comentarista esportivo João Saldanha e o satírico cantor e compositor Juca
Chaves, elaboraram frases ontológicas que ainda identificam, na minha opinião,
duas importantes características culturais de grande parte da população
brasileira. O inesquecível João Saldanha dizia: “Se macumba ganhasse jogo campeonato baiano terminava
empatado.”
A frase de Saldanha
mostra (de forma mordaz e contundente) que o uso da macumba, o apelo às orações
religiosas, o choro ao “Deus” católico (ou ao santo protetor), o olhar dirigido
ao céu e o sinal da cruz sobre o peito dos jogadores da seleção brasileira não
adiantaram nada quando a seleção brasileira jogou contra a seleção da Alemanha
ou contra a seleção da Holanda.
A derrota do
Brasil para a Alemanha pelo placar vergonhoso de 7x1 é um contundente indicador
de que a relação de dependência entre o futebol e a religião é uma fórmula
destinada ao fracasso; também é uma fórmula completamente inadequada para
explicar o fracasso da seleção brasileira na Copa do Mundo FIFA no Brasil em
2014.
A frase de
João Saldanha também deveria ser aplicada à parte significativa dos jogadores e
torcedores católicos da seleção argentina: aqueles que acreditavam que as
orações (e o desejo) do Papa argentino Francisco (Jorge Mario Bergoglio) seriam capazes de comover ao “Deus”
católico obtendo a ajuda “divina” para ganhar o mundial de futebol, quebraram a
cara e as pernas contra a seleção alemã. E, no entanto, devo confessar que
acredito que a decepção e a frustação dos argentinos será ignorada nos anais
“sagrados” do Papa, do clero católico e do Vaticano.
Assim, se
queremos explicar o fracasso da seleção brasileira na Copa Mundial teremos que nos enfocar atualmente na relação
que existe entre o futebol e o capitalismo: teremos que nos enfocar no papel
das multinacionais, nas negociatas, e nos bilhões de dólares de lucros das
organizações capitalistas associadas e a corrupção no nível nacional e
internacional.
Por outro
lado, o brasileiro Juca Chaves, afirmava com grande lucidez: “Sou patriota mas não
sou idiota”. Juca dizia esta frase no tempo em que as palavras “ser patriota”
era equivalente a “amar à pátria”, a “amar ao próprio país” ou a “amar o povo e
a nação brasileira”. Atualmente, a palavra “patriota” está bem próxima de ser o
equivalente da palavra ”idiota” (ou da palavra “patriotada”), pois muitos
brasileiros ainda confundem a palavra “seleção brasileira” de futebol com a
palavra “nação (“país” ou “pátria”) brasileira” e ficam revoltados quando
escutam às críticas dirigidas à seleção de futebol, aos jogadores, aos
dirigentes esportivos, às autoridades do governo brasileiro.
No entanto devemos parar de olhar pro céu e fazer o
sinal da cruz. Devemos observar os bolsos cheios de euro-dólares dos jogadores,
dos cartolas, dos técnicos, e marqueteiros brasileiros pra nos darmos conta de
que vivemos no país da mistificação e da manipulação da consciência nacional.
Devemos abrir os olhos para as transações comerciais
(as negociatas) dentro e fora do futebol brasileiro. Nestas transações podemos
nos dar conta da crua realidade: a seleção canarinha, seus jogadores
(milionários garotos propaganda das multinacionais), seus dirigentes,
autoridades governamentais estão todos associados à grande indústria do
espetáculo, à mídia corporativa nacional e internacional (lideradas por TV Globo,
Univisión, CNN, Fox Sports, ESPN e outras); todos associados às corporações
multinacionais como a FIFA, McDonalds, Coca Cola, Adidas, além das organizações capitalistas associadas à
especulação financeira dos petro-dólares provenientes dos Emirados Árabes
Unidos, Qatar Investment Authority,
Qatar Airways, Abu Dhabi United
Group e outros.
É necessário que os brasileiros ampliem e enriqueçam a
sua consciência, aprendendo a estabelecer as notáveis diferenças entre “alhos”
e “bugalhos”, para atuar inteligentemente, compreendendo a importância de nos
unirmos aos movimentos de protesto contra a mistificação, a manipulação e a
corrupção que tem dominado o país antes, durante e depois da realização da Copa
do Mundo de 2014. Devemos lutar contra a
atuação ditatorial da FIFA, da CBF, do governo brasileiro e da mídia brasileira
ao serviço e em beneficio das gigantescas corporações multinacionais tais como
Coca Cola, Adidas, Mcdonalds.
A grande mídia corporativa brasileira, por exemplo,
associada à indústria do espetáculo nacional e mundial tem colaborado
decisivamente para o processo de mistificação-manipulação da consciência do
povo brasileiro. O caso da Copa das Confederações realizada no Brasil em 2013 é
um exemplo contundente do papel alienante que a mídia tem jogado (com a
colaboração do “rei” Pelé (1) e outros ex-atletas) na desinformação de grande
parte da nação brasileira.
A mídia contribuiu decisivamente para aumentar o
numero de brasileiros iludidos pela derrota da seleção de Espanha para o Brasil
na Copa das Confederações. A vitória da
seleção brasileira e a conquista da Copa das Confederações foram propagadas
pela mídia como garantias para a futura conquista da Copa do Mundo de
2014. E no entanto certos brasileiros
(técnicos, comentaristas, analistas esportivos e torcedores) sabiam que a
vitória da seleção brasileira sobre a
seleção espanhola não deveria ser tomada
como indicador da competência (e/ou competitividade) da seleção brasileira para
a copa do mundo de 2014, pois sabiam que o time do Barcelona (cujos jogadores formavam a base da seleção
espanhola campeã do mundo) mostrava um
evidente desgaste e uma acentuada decadência futebolística na Europa.
Eles também sabiam que a história futebolística da
seleção brasileira indicava claramente que a conquista da Copa das
Confederações em 2013 pelo time de Filipe Scolari não era garantia para a
conquista da Copa do Mundo por nossa seleção, pois no passado o time formado
pelo técnico Carlos Alberto Parreira (que ganhou a Copa das Confederações em 2005) foi eliminado pela França nas quartas
de finais na Copa do Mundo FIFA de 2006 na Alemanha. Esta história repetiu-se quando a seleção
brasileira, formada pelo técnico Dunga, conquistou a Copa das Confederações na
África do Sul em 2009, sendo, um anos depois,
eliminada pela seleção da Holanda nas quartas de finais do mundial de
2010 na África do Sul.
Assim nem as conquistas anteriores das Copas das
Confederações pela seleção brasileira, nem as vitórias dos técnicos Filipe
Scolari, Carlos A. Parreira e Carlos Caetano Bledorn Verri
(conhecido como Dunga) no passado, eram garantias para a conquista da Copa Mundial da FIFA
2014.
Vejamos por exemplo o caso do técnico Filipe Scolari.
Pessoalmente não tenho nada contra a sua pessoa. Me parece um sujeito simpático,
mas claramente incompetente e decadente como técnico de futebol. Devemos
reconhecer que ele teve um grande momento futebolístico quando dirigiu a
seleção brasileira em 2002 e ganhou a Copa do Mundo no Japão/Coreia. Depois
disso, Filipão dedicou-se exclusivamente a ganhar dinheiro. Como diz o ditado:
“cria fama e deita-te na cama”. E foi o
que o Scolari fez. Este é uma das razões do porque Filipe Scolari deixou que o
time Palmeiras de São Paulo, um dos grandes times do Brasil, fosse rebaixado à
segunda divisão.
O caso do técnico Carlos Alberto Parreira é
equivalente ao caso de Scolari com uma pequena diferença: além de ser um
técnico incompetente e decadente, Parreira é um sujeito antipático. Ainda me
lembro quando o Parreira permitiu (por irresponsabilidade, incompetência e
complacência) que a seleção brasileira (composta dos melhores craques
brasileiros daquela geração) fosse desclassificada da copa do mundo pela
seleção da França.
Tampouco acredito que Dunga seja uma resposta
adequada para enfrentar os graves problemas da seleção nacional e do
futebol brasileiro. Apesar dele ainda ser um técnico jovem, de ter conseguido
importantes triunfos seja como capitão da seleção campeã do mundo em USA em
1984 seja como técnico vitorioso da seleção (ganhador da Copa América, da Copa
das Confederações, e primeiro colocado nas eliminatórias), e de ser um dos
poucos técnicos brasileiros com caráter e coragem para enfrentar e resistir a
fúria demolidora dos comentaristas esportivos pagados pela mídia corporativa,
atualmente, nem Dunga, nem Murici, nem Tite nem nenhum outro técnico da seleção
terão condições objetivas para trabalhar em prol da seleção e do povo
brasileiro dentro da estrutura corrupta e corruptora da CBF e da FIFA.
Enquanto, no decorrer desses últimos anos, as
negociatas, as transas e a corrupção capitalista vão ocupando o primeiro plano
do mundo desportivo, o futebol nacional e internacional vai sendo
sistematicamente deslocado para um nebuloso segundo plano, para um verdadeiro
banco de reservas. Neste contexto histórico, nenhum técnico esportivo (de
futebol ou de outros esportes) terá condições, por exemplo, de escolher, com
independência e autonomia, os jogadores (ou estrelas) que deverão ser incluídos
ou excluídos da seleção brasileira ou de jogos importantes.
Atualmente,
nenhum corpo técnico de uma instituição esportiva conseguirá poder para vencer os ultimatos das
corporações multinacionais que patrocinam (com milhões de euro-dólares), a vida
milionária dos estrelas do futebol, ou seja, dos garotos propaganda dos seus
produtos comerciais.
Resumo: sigo convencido de que os pensamentos e as
palavras dos dois patriotas João Saldanha e Juca Chaves revelam não somente
duas características centrais do povo e torcedor brasileiro como também
estabelecem uma “meta” que todos os torcedores da seleção brasileira deveríamos
defender, se queremos superar a decadência em que nos encontramos: Sou patriota
mas não sou idiota: se macumba ganhasse jogo, campeonato baiano terminava
empatado.
NOTAS
1) Pelé, jogador de futebol brasileiro considerado pela maioria dos
torcedores como o melhor de todos os tempos também contribuiu direta e indiretamente (com seu
talento, a popularidade, prestígio e seu discurso ) na justificação da ditadura
militar no Brasil . Um dos mais infames discursos do "rei" Pelé
naquele período (1964-1985) aconteceu quando ele tratou de legitimar a decisão
dos militares de não permitir que existissem as eleições diretas e livres no
Brasil, afirmando que "os brasileiros não deveriam ter eleições livres e
diretas, porque o povo brasileiro era analfabeto e não sabia nem como escovar
os dentes muito menos votar nas eleições. Logicamente, alguns anos após o
término da ditadura militar, Pelé teve de pagar por seus muitos erros
publicamente; por exemplo, quando a Câmara Legislativa do Distrito Federal
negou-lhe o título Cidadão Honorário de Brasília.
Mas nem todos os "astros" do futebol nacional e internacional
agiram dentro da acostumada alienação de Pelé: grande jogadores de futebol têm
mostrado. Maradona (da Argentina), Sócrates e Romário (do Brasil), por exemplo,
têm demonstrado que também existem inteligência, lucidez e sabedoria fora do
campo de futebol.
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