Uma associação de interesses
levou ao golpe político que destitui Dilma Roussef do poder. De um lado, os
integrantes da classe política inconformados com a resistência (ou
incapacidade) da presidenta eleita em atuar para “estancar a sangria” ou
salvá-los da Operação Lava Jato. De outro, os interesses em torno do projeto
econômico neoliberal, fortalecidos pela crise econômica e por um sentimento de
insatisfação generalizado.
Michel Temer assume para atender
a esses dois grupos de interesse: governa para “estancar a sangria” e
terceiriza a gestão econômica para os porta-vozes do novo projeto econômico.
Assim, em um acordo frágil, as elites golpistas aceitaram o escárnio e a
impunidade em troca da implementação de uma agenda para desmontar o Estado
social e o Estado indutor do crescimento.
O desastre econômico e político
em que se encontrava o Brasil em 2016 abriu espaço para o que chamou de
“doutrina do choque”, uma filosofia de poder que sustenta que a melhor
oportunidade para impor as ideias radicais é no período subsequente àquele de
um grande choque social.
É exatamente o que acontece hoje
no Brasil: no momento da maior retração da renda da história, em pleno “Estado
de calamidade institucional”, quando há claramente uma desarmonia entre os
poderes da República, ocorre a imposição de uma agenda neoliberal, de caráter
radical, cujo objetivo é transformar rapidamente os princípios e a natureza do
Estado brasileiro e da Constituição de 1988. Ao atuar em várias frentes,
imprimindo urgência e celeridade às reformas, a reação demora a se estabelecer
e não é suficiente para sensibilizar uma classe política refém das elites e
preocupada em salvar a pele.
A primeira grande reforma, que
traz consigo o DNA orientador do novo projeto, é a reforma do regime fiscal, ou
a PEC-55, que prevê a limitação constitucional dos gastos públicos por 20 anos,
fato internacionalmente inédito. Em sua essência, a PEC impossibilita ao Estado
o cumprimento das obrigações vigentes na Constituição. É o fim do Estado
garantidor de direitos, uma vez que a proposta impõe uma diminuição do tamanho
e do papel do Estado, impossibilitando o funcionamento dos serviços públicos e
da rede de proteção social.
Além disso, ao canalizar toda a
sua ação para limitar o crescimento do gasto primário, o governo deixa de
atacar alguns dos principais sorvedouros de recursos públicos nos últimos anos:
as desonerações fiscais, a sonegação e o pagamento de juros nominais que
respondeu por mais de 8% do PIB em 2015, aproximadamente o valor gasto com toda
a Previdência. Ademais, o governo se recusa a debater o injusto e ineficiente
sistema tributário, que faz com que os pobres paguem a maior parte da sua renda
em impostos, enquanto os ricos sejam desonerados e tenham a possibilidade de
contribuir com menos de 30% de sua renda em tributos.
A segunda grande reforma
estrutural apresentada por Temer é aquela da previdência, que propõe um
conjunto de mudanças draconianas nas regras do sistema, com destaque para o
aumento do mínimo de contribuição de 15 para 25 anos e dos 49 anos de trabalho
para usufruir o benefício pleno. Tal reforma é contraproducente ou hipócrita.
Contraproducente, pois diante das novas regras os contribuintes vão buscar
driblar a previdência e se juntar aos 40% da força de trabalho que não
contribui, o que vai quebrar o sistema, em vez de “salvá-lo”.
Hipócrita, pois esconde seu
verdadeiro objetivo: justamente, quebrar a Previdência social e ampliar o
espaço de atuação dos fundos privados de aposentadoria. Na verdade, os
porta-vozes da reforma escondem, por detrás das ginásticas contábeis, uma
rejeição à própria existência de um regime de previdência social de repartição,
fundado em um pacto de solidariedade social, e uma simpatia pelos sistemas
privados de capitalização, fundados na lógica individualista. Se ao menos isso
fosse explicitado, não seriam hipócritas.
O ataque sobre os direitos dos
trabalhadores não termina, porém, com a proposta de reforma previdenciária. O
governo planeja aprovar ainda em 2017 mudanças trabalhistas que reduzam ou
flexibilizem diversos direitos, avançando na terceirização e garantindo o
protagonismo da negociação direta entre empresários e trabalhadores. Em um
momento recessivo como atual, com elevadas taxas de desemprego, a conclusão
óbvia é que tal reforma, se aprovada, tende a precarizar ainda mais o mercado
de trabalho brasileiro, ampliando o recuo do salário real, que foi forte em
2016.
A orientação neoliberal do
governo Temer aparece ainda na sua relação com os bancos públicos e as
estatais. No BNDES, a orientação é a de “enxugar”, reduzir o volume de
empréstimos, extinguir a TJLP, rever a exigência de conteúdo local e reduzir o
enfoque setorial dos empréstimos.
Essa nova orientação resgata o
papel subordinado do BNDES exercido no período neoliberal da década de 1990,
como financiador de poucas áreas, menor papel social e maior participação no
processo de privatizações. Não por acaso, o banco transformou a área de
“Estruturação de Projetos” em área de “Desestatização”, onde o superintendente
remete diretamente à presidência do banco. Com o BNDES reconfigurado, o Estado
perde um poderoso instrumento de política industrial e de reação anticíclica
diante de crises como a de 2009, quando o BNDES teve um papel importante na
sustentação da produção industrial, das exportações e do investimento.
E por falar em desmonte do
patrimônio público, a forma de enfrentamento da crise dos estados da federação
tem sido marcada pelas condicionalidades do governo federal exigidas na
negociação das dívidas, dentre elas as privatizações e o enxugamento da máquina
pública. Assim, austeridade e desmonte da máquina pública se combinam reforçando
a contração da renda.
A mesma opção pelo “enxugamento”
pode ser vista na nova gestão da Petrobras, comandada por Pedro Parente.
Ex-ministro de FHC, Parente ampliou o plano de desinvestimentos da estatal,
reduzindo em 25% a previsão de novos investimentos até 2021. Essa mudança de
orientação combina perfeitamente com as seguidas vendas de ativos e campos de
petróleo por parte da Petrobras, culminando na mudança do marco regulatório do
Pré-sal, que tira o direito da Petrobras de ser operadora única destes campos.
Na prática, privatiza-se a empresa a conta gotas, com venda de ativos, retirada
de atividades e abertura de espaço para as grandes petroleiras estrangeiras
assumirem um espaço privilegiado no mercado de petróleo nacional.
A Petrobras sempre foi um
instrumento de desenvolvimento, um sistema que vai do “poço ao posto”, a
começar pela exploração do petróleo bruto até a venda e comercialização de
derivados e outros combustíveis de gasolina. O controle dessas cadeias
produtivas permite estimular a geração de renda e emprego, agregar valor à
produção, priorizar insumos locais, absorver choques de preços externos,
contribuir para soberania energética, gerar tecnologia etc. Contudo, ao
abandonar diversas áreas de atuação, como a petroquímica, os setores de
biocombustíveis e fertilizantes, a Petrobras caminha para se tornar uma mera
exportador exportadora de óleo cru e importadora de máquinas e equipamentos.
Portanto, a política econômica
do governo Temer atua em dois planos. No primeiro, desmonta-se a capacidade do
Estado de promover as políticas sociais e fragiliza-se a posição dos
trabalhadores. Nessa direção, destacam-se o novo regime fiscal que compromete o
gasto social, as reformas da previdência e trabalhista. No segundo plano,
desmonta-se a capacidade do Estado de induzir o crescimento e de transformar a
estrutura produtiva por meio do novo regime fiscal que limita o gasto com
investimento público, a privatização da gestão dos bancos públicos e da
Petrobras.
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