sábado, 6 de dezembro de 2008

Dicas de linguagem

Escrevi essas dicas para um casal amigo que ia alugar um carro e rodar Portugal de cabo a rabo, e tinham que saber pelo menos pedir informações aos gajos, ó pá.

Algumas dicas de linguagem são boas para se estar em terras lusitanas. Eu sei que já saíram até livros sobre isso, como “Se faz favoire” entre outros, mas é sempre interessante estar a par do que vai se falar... ou se ouvir. Afinal, é preciso se entender ou se fazer entender minimamente (eles usam muito esta palavra) com quem se fala.
Pra começar, e já que se falou na expressão “Se faz favoire” que também é conhecida como SFF. Há lugares onde se vai encontrar esta sigla em placas. Como elevadores e outros locais que tenham filas, notoriamente conhecidas como “bichas”.

Bicha mesmo é “paneleiro”.

Bom, bonde é “elétrico”, mas a pronúncia certa é “ilétrico”, com “i” mesmo!

Já ônibus é “autocarro”.

Metrô é “metro”. Trem é “comboio” e vagão é “carruagem”.

Se alguém falar com um de vocês: “Pode desencostar o cu daí...”, não se ofendam. A expressão é chula aqui mas não é lá. Significa apenas traseiro, ou bunda mesmo.

“Berma” é acostamento.

Em estradas tem também a famosa placa com várias cidades, distâncias e em baixo: “outras direções” (???). Bem, nunca segui essas estranhas e incógnitas direções. Sei lá aonde levam.

Ainda em estradas é muito comum se encontrar outro tipo de placas com os seguintes dizeres: “Troço em obras”. Não se assustem, troço (pronuncia-se trôço) significa apenas trecho em obras.

Pedágio é “portagem”.

Quando se atende o telefone diz-se: “Tó, tó...istó!” Algo que significa mesmo Tô, tô, estou! Aliás todo acento circunflexo nosso lá é agudo. Tipo António, sinónimo, antónimo ou mesmo anónimo.

Celular é “telemóvel”. Pronuncia-se telmóvel, como também telvisão (televisão).

“Registo” é registro. “Equipa”, equipe. Uma empresa, “Lda.” no lugar de Ltda. Parece que faltou alguma coisa, não é mesmo?

A “Baixa” é o Centro da cidade, o Comércio.

Como na Bahia, “de hoje a oito” é daqui a uma semana. “Nove e um quarto” é nove e quinze. “Vai sempre lá?”, significa perguntar se você vai mesmo a um lugar antes anunciado. Mesmo que seja só uma vez.

As mulheres podem pedir “Bacalhau com grelos” sem susto. É tão somente um vegetal que acompanha brilhantemente o nobre peixe.

Falar em peixe (eu tinha que chegar na tal da “cultura gastronômica”, né?), nunca peçam o Menu nem o Cardápio. O correcto é a “Ementa”.

Garçom é “Senhor”. Simplesmente. Também não chamem ninguém de moço. É ofensivo.

Se forem pedir um bolo inglês, peçam um “quéque”. Vem exatamente do inglês cake.

Chopp no Porto é “Fino”, em Lisboa é “Imperial”.

Sanduíche é “sandes”. Além de ser no feminino. Exemplo: “Senhor, quero uma sandes de fiambre”. “Fiambre” é o nosso presunto. Presunto para eles é semelhante ao Jámon espanhol ou ao Parma italiano.

Pimentão é “pimento”. E pimenta que é “píri píri”?

Café da manhã é “pequeno almoço”. Aliás, a expressão é muito melhor que a nossa. Nem sempre se toma café pela manhã.

Bolinho de bacalhau é mais conhecido como “pastel” de bacalhau.

Local é “sítio”. Influência castelhana.

Falar em castelhano, no Porto é muito comum os finais em “ão” serem pronunciados em “óm”. “Ocasióm, patróm, cartóm”, e por aí afora. Mas não são todos, Somente no Porto existem mais de seis sotaques diferentes. Que eu conheça...

Se alguém disser: “... olha, aquilo lá não é famoso...”, não significa que aquilo lá não tem fama no sentido que utilizamos. É somente a forma de dizer que aquilo lá não é bom. Quando “é famoso”, é o vice-versa, uma coisa boa. Ou bem feita.

Por acaso alguém chega perto de você e diz que sua roupa é “engraçada”, não se ofenda. Eles não estão pensando que você é um palhaço, mas apenas que aquela roupa tem graça, charme, etc.

Da mesma forma a expressão “sabe mais a isso ou aquilo”. A tradução é que tem mais sabor daquilo a que querem se referir. Exemplo: quando morei lá tinha um comercial na TV que dizia que um certo produto “sabe mais a chocolate”. Era um achocolatado; que lá, aliás, é chamado de “chocolatado”.

Se for chamado de “sutor” (“sutora” para as mulheres), lembre-se que está sendo respeitado e colocado sob o título de doutor. Ou melhor, senhor doutor (su = senhor, tor = doutor).

Pelo menos no Porto, café expresso é “simbalino”, por causa da marca de uma máquina italiana. Café com leite é “bica”.

Biscoito é sempre “bolacha”. A gente até usa, mas pouco. Bolacha para nós é mais um tapa.

E por falar em tapa. Em algumas regiões tira-gosto é “tapa”, tal e qual na Espanha.

Isopor é “esferovite”. Faca olfa é “xisato”. Da mesma forma que a nossa, também vem de uma marca japonesa (X-Ato).

Xerox é “fotocópia”. Xerox lá é a Rank Xerox. Que também faz fotocópias, claro.

Nunca peçam durex. É camisinha! Originalmente uma marca inglesa. Uma vez, logo que cheguei fui pedir um e todo mundo (lá falam toda a gente) ficou rindo. Aliás a rir, porque ninguém usa o gerúndio por aquelas bandas. A propósito, durex é “fita-cola”.

Apartamento de quatro quartos é “T4”, de três quartos é “T3”, de dois é “T2”.

Pedreiro é “trolha”.

Meninos são “miúdos” ou “putos”. As meninas também. Já as putas são putas mesmo. Passou um filme lá cujo título era: “Querida, ampliei o miúdo”. Teria sido mais engraçado se tivesse sido: “Querida, ampliei o puto”. Já o coletivo de putos (ou miúdos) é “canalhada”. Coitadinhos!

Apesar do natal estar longe, vale a pena lembrar que Papai Noel é “Pai Natal”. Tradução ao pé da letra de Father Christmas, como é conhecido o bom velhinho na Inglaterra.

“Tu”, só para os íntimos. “Contigo” ou “para ti” também. Geralmente as pessoas vão se dirigir a vocês usando “consigo” ou “para si”, por ser mais cerimonioso.

É bom prestar atenção às palavras que começam com “a”, pois quase sempre têm um “i” acrescentado na linguagem falada, não na escrita. E aquelas com “sc”, cuja pronúncia é “x”. Exemplos: “iágua” é água. Piscina é “pixina”, adolescente é “iadolxente”.

Também elevador é “ascensor”. Melhor dizendo “iaxinsoire”. “RC” é “rés-do-chão”. No Brasil mais conhecido como térreo.

“Malta” é turma, cambada.

Ao assistir um noticiário na TV, a legenda “em directo” corresponde à nossa “ao vivo”.

“Facto” é fato. “Fato” é terno. Mas também qualquer roupa. Como “fato de banho” (short), “fato de treino” (treanning) ou “fato macaco” (macacão).

E por falar em roupa, camiseta é “camisola”.

Pior ainda, calcinha é “cueca”. E cueca é “sleep”. Podem procurar numa loja. Ou mesmo numa “montra” (vitrine).

Uma coisa bacana, é “fixe” ou “gira”.

Marrom não existe. É sempre “castanho”. Nós só usamos para a cor dos olhos. Já eles só usam marrom para, marrom glacê.

Xícara é “chávena”.

Via de regra o “a” tem som de “e” e vice-versa.

Na mesma linha, e claro que mais uma vez não na linguagem escrita, costumam de vez em quando trocar o “b” pelo “v”. Como “bice-bersa” por exemplo.
Para finalizar, e por falar em linguagem escrita ou falada, às vezes elas podem se confundir, obviamente dependendo do nível cultural de quem escreve. Uma vez, assistia a um “teljornal” (tele jornal) e numa reportagem sobre uma explosão numa fábrica de fogos de artifício em Braga, apareceu o vigia – um gajo típicamente pouco instruido – sendo entrevistado por um repórter bem na frente de uma tosca placa feita à mão, que certamente foi escrita por ele e que dizia: “Prigo – Explosivos”. A prova de que eles não só falam esquisito como também ouvem errado. Ora, pois!
Bom, não sei se lembro mais. De qualquer maneira espero que estes exemplos ajudem a entender um pouco mais o que se vai ouvir além maire.

9 comentários:

Ieda Schimidt disse...

Muito fixe.

André Setaro disse...

Há alguns meses tive a oportunidade de ver uma mostra de filmes portugueses e, para ser sincero, não entendi nada dos diálogos. Cheguei, inclusive, a falar com o representante diplomático que os filmes portugueses apresentados no Brasil deveriam ser devidamente legendados como os estrangeiros. E os títulos são terríveis, não têm nenhuma graça, não 'chamam' o espectador. Para citar apenas dois exemplos: "Mortinho para chegar em casa" e "Até amanhã, Mário!" Mortinho, informaram-me, queria dizer 'louco', 'apressado', entre outros, assim como 'Louco para chegar em casa'. Antológicas são as denominações de filmes estrangeiros em Portugal. Tenho um livro que contém muitas aberrações de denominações de fitas de outras países. É um livro, na verdade, para ler e dar risadas. "A mulher que era homem" (para "Psicose"), "E o trem apitou três vezes" (a denunciar o final de "Matar ou morrer"/"High noon"), et caterva. Se for colocar aqui os títulos ridículos, encheria o espaço dos comentários.

Jonga Olivieri disse...

"Ó deus, ih, ué..."
Como diria Gil Vicente.

Jonga Olivieri disse...

Eu era garoto e fui assistir "O cerro os enforcados". Trata-se de um filme português de 1954, mas o que importa é que entrei no antigo "Star" (depois Botafogo e hoje Estação Unibanco), numa tarde de chuva e o filme correndo e eu a não entender necas de pitibiribas, e achar que era um filme estadunidense ou cois no gênero.
O certo é que à época o som dos cinemas era ainda pior. Mas lá pras tantas eu ouvi uma palavra qualquer que identifiquei. Daí em diante outra, e outra e de repente caiu a ficha: era um filme português, ora pois!
Quanto ao "Comboio apitou três vezes" é berdade ó pá! Isso eu vi em VHS numa locadora no Porto. E ri-me muito...
Mas o pior é "Querida, ampliei o miúdo". Que coisa!

Anônimo disse...

Ai Jesus, macacos me mordam, e ora pois pois! Não é Joaquim? É Manuel.
Otávio

Stela Borges de Almeida disse...

"Tu não estás cega, disse a rapariga dos óculos escuros, por isso tens sido a que manda e organiza, Não mando, organizo o que posso, sou, unicamente, os olhos que vocês deixaram de ter, Uma espécie de chefe natural, um rei com olhos numa terra de cegos, disse o velho da venda preta, Se assim não é, então deixem-se guiar pelos meus olhos enquanto eles durarem, por isso o que proponho é que, em lugar de nos dispersarmos, ela nesta casa, vocês na vossa, tu na tua, continuemos a viver juntos, Podemos ficar aqui (...)"

Não vou continuar por restrição de espaço, mas vá brincar com a linguagem....O trecho acima do José Saramago, mostra um tiquinho da verve portuguesa.

E mudando um pouco, o ano passado em La Ricoleta, numa sala de cine, entregaram-me um bilhete, estava assinalado a expressão _butaca, tive que usar de criatividade para descobrir meu assento. Esses nossos irmãos...O pái ò!

Jonga Olivieri disse...

Engraçado, mas não conheci um Joaquim em Portugal. Não que não tenha, mas acho que é questão de nome da moda. Manuel tem alguns, mas talvez na década de 40 e 50, quando proliferaram piadas de portugas devessem ter muitos os Joaquins e Manuéis.
E ninguém diz "ora pois, pois". Apenas "pois..." e prontos!

Jonga Olivieri disse...

Saramago é motivo de orgulho para a língua que nos fala.
É motivo de orgulho também para o cérebro que nos conduz, pois passamos a acreditar que a humanidade ainda possa raciocinar e evoluir.
E, principalmente me orgulham seus princípios políticos, pois penso o quanto certa parte dos habitantes deste planeta terão que aprender para chegar onde ele já chegou.

Jonga Olivieri disse...

E nós também... graças aos deuses!