Como tive problemas no computador no fim
de semana passado e somente agora foi corrigido, estou postando a Pensata do
último domingo.
Lembrei-me
de um filme que assisti há tempos, e, na época achei surrealista, nunca
pensando que fosse se tornar tão real. Trata-se de Pequenos Assassinatos (Little
Murders), de 1971, dirigido por Alan Arkin, e estrelado por Eliot Gold,
além do próprio diretor.
O
filme retrata o terror que se instala em uma cidade dos Estados Unidos a partir do momento em que as pessoas, na “santa paz” de
seus lares, começam a receber tiros, sabe-se lá de onde ou por que. Vivemos,
hoje, uma situação, se não exata, pelo menos muito semelhante. Outro dia,
assistindo a um telejornal, o locutor afirmava que, saímos de casa, mas não
sabemos se vamos voltar.
Incrível,
mas o mundo transformou-se num campo de batalha. A “barbárie” em que vivemos,
nos levou a, por vezes, ter medo de sair de casa. À noite, nem se fala.
Estava
eu, algum tempo atrás a trocar e-mails com um primo em Salvador, e nos
recordávamos do tempo em que vagávamos pelas tortuosas ruas daquela cidade, ao
voltar do cinema ou de encontros com amigos. A pé, e à noite. Não havia o menor
receio de coisa alguma. Na verdade, nem olhávamos se tinha alguém parado na
próxima esquina. E se tivesse nem era conosco.
Aliás,
na mesma época, aqui no Rio de Janeiro, cansei de voltar de Copacabana, também
a pé, atravessando o Túnel Velho, bem embaixo de uma favela, após tomar mais
chopes do que meu bolso permitia, naqueles tempos em que era estudante e vivia
de mesada.
Vai
fazer uma coisa dessas hoje em dia!? Aliás, as pessoas nem pensam na hipótese.
Quem está de carro, fica fechado, mal parando nos sinais de trânsito. Às vezes,
não saem de carro à noite, preferindo um táxi. Ali, ficam mais seguras e
incógnitas. Seu padrão de vida não fica tão evidente.
O
pior é que se fala muito em repressão, em reforço policial, UPPs, nisso e
naquilo. Mas, e as origens do problema? E os quinhentos anos de colonização, de
pobreza versus ostentação? Obviamente é mais fácil matar, é mais seguro
eliminar o sujeito, não a causa.
Os
governantes sempre usam uma retórica demagógica, que até parece que se
preocupam com o fato. Mesmo os governos Lula e Dilma, prometem uma “redistribuição”
de renda, mas fazem uma política apenas paternalista, como a de Getúlio Vargas,
o “Pai dos Pobres”. Bolsa-família e outras ações, não passam de paliativos.
Enquanto isso, beneficiam o grande capital financeiro dando continuidade à
estratégia criminosa de outros governos ao longo da história.
Até
admito que a eleição do “operário” Lula,
foi um fato inédito na história brasileira. Mas, concretamente, ele não rompeu
o estigma que nos assola desde o início. O Brasil não tem, ao longo de seus
cinco séculos de existência, movimentos de massas relevantes. Os que teve, e
que sempre foram escondidos ao máximo do domínio público, estão entre as
toneladas de arquivos queimados na velha república sobre os quilombos, por
ninguém menos que o “ilustre” Senhor Doutor Ruy Barbosa [1].
Elite
e contaelite são a dicotomia ao longo de nossa história. Isto quer dizer que a
elite se degladia entre os que estão e aqueles que querem chegar ao poder. O
“fenômeno” Lula não fugiu a essa
realidade. Trocando em miúdos, o fato de ter sido operário não quer dizer que
continue como tal, nem lute por sua classe. Hoje, faz parte da elite. Com ela,
e por intermédio dela, chegou ao poder.
Além
do mais, o seu próprio partido, o PT, foi fundado com o total apoio do governo
estadunidense e da CIA, para combater aquele que eles viam como o “perigo real
e imediato”: Leonel Brizola. E a prova maior disso é que quem destruiu (ou
desconstruiu) a imagem dele – Brizola –, foi nada mais, nada menos que a Rede
Globo, um dos maiores braços – e que braço! – do império no Brasil. Alguém, não
me lembro quem, definiu este poderoso veículo da mídia como “o produto mais bem
acabado da ditadura”.
Nesse
ínterim, vamos vivendo a novela do dia-a-dia, o clima surrealista de Pequenos Assassinatos, um filme
profético... uma antevisão de nossos tempos, realizada trinta e seis anos atrás.
1. Ruy Barbosa foi incumbido de queimar
todos os documentos arquivados sobre os movimentos sangrentos. Principalmente
quilombos e revoltas de escravos, tendo como finalidade reforçar a idéia de que
o povo brasileiro tem uma “índole pacífica”.
Um comentário:
Há algo surrealista na pensata de domingo fora do domingo. Mas, você tem razão: a paz e a tranquilidade de se poder transitar na 'urbis' desapareceram. Nos anos 60, lembro que íamos aos cinemas no centro da cidade na 'paleta', como se dizia na época. Não por falta de dinheiro para pegar ônibus, mas porque andar a pé era muito agradável, ia-se conversando, o tempo passava sem que fosse notado. Vivia-se uma outra cultura, uma outra época.
Postar um comentário