Em entrevista à Brasil
de Fato, Jacobo Torres, o Coordenador Internacional da Central
Bolivariana Socialista dos Trabalhadores da Cidade, do Campo e da Pesca da
Venezuela (CBST), descreve alguns dos “inúmeros avanços políticos, econômicos e
sociais conquistados durante o governo do presidente Hugo Chávez”.
Tudo muito importante para nosso conhecimento
e compreensão do que acontece na Venezuela de Chávez, tão vilipendiada pela
imprensa burguesa próimperialista, não somente no Brasil como pelo mundo afora...
Leia abaixo:
Brasil de Fato – Para a CBST, qual o
significado da Nova Lei Orgânica do Trabalho?
Jacobo Torres – A Nova Lei
Orgânica do Trabalho, dos Trabalhadores e Trabalhadoras salda uma velha dívida
que a revolução tinha com a classe operária. Afinal, transcorreram 12 anos para
começar a discussão sobre a nova lei. Era um contrassenso, porque a lei
anterior protegia os patrões contra os trabalhadores, no mesmo período em que
se estava promulgando uma lei revolucionária. É uma proposta de vida que se
insere dentro de um projeto de nação, de socialismo. Havia muitas contradições
quanto à sua interpretação, principalmente porque foram muitos os direitos que
haviam sido retirados durante os anos de neoliberalismo. Antes se aposentava
após 30 anos de trabalho, com o valor do último salário. Aí, já recebia no ato
um valor equivalente a um mês por ano, 30 meses ou 900 dias. Isso foi eliminado
no processo de aplicação das medidas do Fundo Monetário Internacional (FMI),
que determinava a retirada de direitos e privatizações, onde a flexibilização
era o método de contratação. Chávez chega, paralisa o processo neoliberal e
trabalha para a recuperação de empregos e direitos.
Com a adoção do receituário neoliberal, os
trabalhadores ficaram, literalmente, a ver navios.
Exatamente. Se acumularam passivos trabalhistas muito grandes, com
a quebra de empresas. O Estado precisou atuar. O que para os neoliberais é
gasto público, para a revolução é investimento social. Então, o governo Chávez
começou a distribuir mais equitativamente os recursos para a sociedade,
ampliando os benefícios sociais e trabalhistas.
De que forma a construção da CBST contribui
para o desenvolvimento do processo?
Foram muitas idas e vindas, onde tivemos de revisar a nossa
situação frente ao processo intersindical. Havíamos cometido muitos erros na
formação da antiga central, a União Nacional dos Trabalhadores (UNT), com
critérios a partir de correntes políticas, muitas vezes com pouca ou nenhuma
representatividade. Eram generais sem tropa. Hoje, os dirigentes têm
representatividade, são líderes do magistério, da construção civil,
petroleiros, químicos, farmacêuticos. O que nos une a todos é o apoio ao
processo revolucionário conduzido pelo presidente Chávez.
A linha de corte é o processo revolucionário.
Este é o nosso entendimento, porque se não somos capazes de
sustentar a revolução, com o comandante à frente, que tipo de organização
seremos? Durante o processo de fundação da nossa Central Bolivariana Socialista
dos Trabalhadores da Cidade, do Campo e da Pesca da Venezuela, em 10 de
novembro de 2011, lançamos as bases da nossa organização, com comitês regionais
e nacionais. Então, pela primeira vez em muitos anos, o presidente nos
acompanhou. Foi o primeiro ato público após a sua convalescença, o que é muito
simbólico. Neste evento pedimos ao presidente que dirigisse a redação da nova
Lei do Trabalho. Ele disse que iria assinar após uma ampla discussão e garantiu
um espaço de consulta e mobilização, proporcionando um rico debate que envolveu
a Comissão Presidencial, a Assembleia Nacional, os magistrados da Corte
Suprema, ministros, o Banco Central e vasta representação dos trabalhadores
para concluir a nova lei. Vale ressaltar que não houve reforma, mas a
construção de uma nova lei orgânica para pagar a dívida histórica da revolução
com a classe operária.
Como foi este processo de construção?
Somente nossa central realizou 4.700 consultas, entre reuniões e
assembleias, com muita participação. Ao longo do processo foram recolhidas
19.200 propostas para a nova lei. Depois disso, uma tarefa titânica foi
ordenar, sistematizar esta avalanche de propostas e garantir o caráter
revolucionário de seu conteúdo. É uma plataforma para que os trabalhadores se
incorporem em melhores condições ao processo. Assim como precisamos garantir o
protagonismo do Estado, temos de garantir o papel dos trabalhadores no Estado,
a participação da classe na construção da sua própria redenção.
Houve o investimento na organização, no
fortalecimento da consciência da classe. Isso tem se refletido no aumento das
taxas de sindicalização?
Reagrupamos o que existia e hoje temos seis centrais sindicais. A
nossa é a maior e reúne 17 federações e oito sindicatos nacionais e mais de 500
sindicatos regionais e locais. Temos concentrado a sindicalização nos setores
mais estratégicos, onde a taxa tem crescido, com avanços importantes em ramos
como a hotelaria e a vigilância privada. Vale lembrar que o sindicalismo
anterior, da CTV, agia como correia de transmissão do patronato. Por isso atuavam
com uma concepção tripartite, que chamávamos “trimaldita”, pois sempre abria
mão dos interesses de classe. Hoje a lei proíbe o tripartismo, não há
negociação sobre direitos. O legislado sempre vale mais do que o
negociado.
Em muitos dos nossos países, até por questões
táticas, o sindicalismo defende o tripartismo.
Mas aqui estamos em um processo revolucionário, mais avançado,
onde o trabalho tem papel preponderante sobre o capital. Na Organização
Internacional do Trabalho (OIT), em Genebra, nos olharam como se tivéssemos
lepra. Na Venezuela não há conciliação entre o explorado e o explorador, como
está claro na nova lei do trabalho, pois há um enfrentamento com a
burguesia.
Como isso se dá na prática?
Antes o trabalhador era despedido e, para defender seu retorno ao
emprego, ele precisava demonstrar que havia sido cometida uma injustiça. Agora
se presume a inocência do trabalhador e o patrão é quem tem de justificar as
razões e pagar o devido. Agora estamos debatendo os níveis de sanções que vão
desde multas até a recontratação. Para isso, o Estado mobiliza o Ministério do
Trabalho e até a polícia, impondo o cumprimento da ordem e evitando as
demissões massivas. É uma coisa maravilhosa que conseguiu deter os abusos do
patronato.
E como ficam as aposentadorias?
Enquanto nos Estados Unidos e na Europa os governos retrocedem
direitos sociais e trabalhistas, aqui avançamos. Reduzimos a idade mínima para
aposentadoria a 60 anos para os homens e 55 anos para as mulheres. Todos agora
têm seguro social, com direito ao salário integral. Antes, o Estado não
recolhia e, portanto, depois não pagava. Agora todos recebem, por uma questão
de reparar esta injustiça, independentemente de terem ou não contribuído.
Comprovada a idade da aposentadoria, todos têm direito, pois é uma necessidade
humana e uma responsabilidade do Estado. A terceira idade está
protegida.
E a política de valorização dos benefícios?
Aqui, quando se reajusta o valor do salário mínimo, sempre acima
da inflação com ganho real, todos os meses de maio e setembro, os mesmos
percentuais são repassados às aposentadorias. Antes era 80% do salário mínimo,
hoje é igual, uma questão de justiça com a terceira idade. É bom lembrar que
antes da revolução havia quatro tipos de salário mínimo: o urbano, o rural, o
de aprendiz e o de eventual. A revolução unificou e ratificou na
lei.
O sindicalismo brasileiro está na luta contra
a terceirização, por entender que ela precariza as relações de trabalho.
Esta é uma luta importante. Aqui já acabamos com a flexibilização
e a precarização. A partir de 1° de Maio deste ano, as empresas têm seis meses
para os eventuais ou subcontratados aparecerem como trabalhadores plenos de
direitos.
E o governo deu o exemplo.
O exemplo foi dado pelo governo quando nacionalizou as petroleiras
da Faixa do Orinoco, a Petróleos de Venezuela S.A. (PDVSA) absorvendo 60 mil
trabalhadores que passaram a ter os mesmos benefícios contratuais. Nossa
organização, a Federação dos Trabalhadores do Petróleo, Gás, Similares e
Derivados da Venezuela (FUTPV) passou de 40 mil para 103 mil filiados. E
fecharemos o ano com 140 mil. Nossa concepção é salário igual para trabalho
igual. Da mesma forma, foram registrados os nove mil trabalhadores da
metalúrgica Sidor e os quatro mil da empresa elétrica. O trabalho deixa de ser
um castigo e passa a ser um direito humano.
Com todos os benefícios, garantias e
estabilidade...
Perfeitamente: todos os benefícios, garantias e estabilidade. Além
dos direitos sociais e trabalhistas, a revolução avança para garantir educação,
saúde, moradia, recreação e energia, que não podem ser mercadoria, mas um
serviço comum para todos e todas. O modelo de país que estamos construindo tem
este compromisso.
A luta das mulheres também tem se refletido
em conquistas...
A equidade de gênero na Venezuela não é só formal. A nova lei do
trabalho também reconhece novos direitos: a licença maternidade agora é de seis
semanas no pré-natal e de 40 semanas, seis meses, após o parto. Para contribuir
neste momento tão importante, o pai tem 15 dias para acompanhar a companheira
após o parto, com o casal gozando de estabilidade no emprego por dois anos,
pois é uma etapa crucial para a criança.
E o trabalhador jovem?
Existiam mecanismos de exploração muito depravados como os tais
três meses de experiência, onde muitos empresários se aproveitavam para sugar
ao máximo as energias do candidato, logo substituído por outro nas mesmas
condições. Aproveitavam-se, portanto, da alta rotatividade para “reciclar” em
defesa do capital, não pagando direitos durante o período. Isso
acabou.
A redução da jornada é outro avanço
substancial, não só porque abre mais espaço para o lazer, a recreação, a
família, como também garante a abertura de novos postos de trabalho...
Claro. Além da redução da jornada de trabalho para 40 horas
semanais no setor privado e a efetivação das 36 horas no setor público, sem
diminuição de salário, garantimos em lei a obrigatoriedade de dois dias de
descanso a cada semana.
O presidente Chávez fala muito da necessidade
de “semear petróleo”, colocando-o a serviço da industrialização e do
desenvolvimento do país. Qual a sua avaliação sobre isso?
Esta é uma questão essencial para o próximo período. Temos em andamento
o Plano Guayana Produtivo e Socialista que começa a impulsionar com força as
indústrias básicas, pesadas, trabalhando o alumínio, o aço, a bauxita. De
produtores de matérias-primas e semielaborados, vamos passar para outro
patamar, também aumentando a produtividade. Existem vários contratos com o Irã
e a China para começarmos a produzir carros em nossas próprias fábricas,
incorporando novas tecnologias, por
exemplo.
A dependência externa da Venezuela no setor
agrícola sempre foi absurda. No passado, diziam que até ovos e alfaces vinham
de Miami. Como o governo vem enfrentando esta situação?
A luta pela soberania alimentar é um dos pontos centrais. Antes
chegamos a importar até 86% de tudo que se consumia no país. Hoje começamos a
reverter esta situação. Com a colaboração de países como Argentina, Nicarágua e
Uruguai, temos trazido gado para a reprodução, aumentando substancialmente o
consumo de carne e leite produzido no próprio país. Recuperamos empresas como a
Lacteos Andes, que produzia muito pouco enquanto era privada, tendo agora
ampliado em muito a sua capacidade. Também começamos a fomentar um modelo de
substituição de consumo. O venezuelano come muito pão, mas não temos trigo no
país. Então estamos já há tempos substituindo pelo milho, com o que fazemos
comidas típicas como a cachapa e a arepa. Temos também muita mandioca no
oriente do país.
O investimento na agricultura e nos
agricultores passa a ter um papel estratégico.
Sim. Antes tínhamos apenas 3% da população trabalhando a terra,
hoje, devido à recuperação de parte das terras ociosas do latifúndio, já são
30%. Em apenas um dos empreendimentos são 19 mil hectares que foram
expropriados de uma empresa britânica que tinha a terra para especulação. Agora
esse local está cheio de cooperativas camponesas. Há uma volta ao campo, o que
também nos ajuda a enfrentar os cinturões de miséria que cresciam nas
periferias das nossas cidades. A interiorização do desenvolvimento é feita com
mais investimentos, que abrem novas opções de trabalho. Uma classe antes
invisibilizada começa a ser produtiva, o que permitiu que o nível de consumo
tenha crescido exponencialmente.
Vimos o presidente Chávez falando sobre o
aumento no consumo de proteínas, de como isso está repercutindo favoravelmente
também na melhoria da saúde do venezuelano.
Precisamos sempre comparar, até para valorizar o que temos ganhado
com o processo revolucionário. Houve tempos no nosso país, particularmente no
período neoliberal dos anos de 1990, onde o governo se curvou ao FMI, que as
pessoas chegaram a comer alimento para cachorro, porque eram mais baratos.
Assim se comprava “perrarina” (ração canina) esquentava na água para os filhos
comerem “carne” com espaguete.
Passamos dez dias na Venezuela e pudemos
compartilhar uma rica experiência, infelizmente desconhecida da maior parte dos
brasileiros.
Precisamos romper com o cerco midiático que tenta manter a
desinformação sobre o que está ocorrendo na Venezuela, impedindo maiores
adesões à revolução bolivariana. Durante o processo eleitoral tentaram isolar o
nosso país a partir de uma oposição dirigida desde Washington. A Foxnews dava
Capriles como ganhador da eleição. O ABC da Espanha segue dizendo que houve
fraude, apesar da própria oposição já ter reconhecido a derrota. Felizmente a
solidariedade com a revolução e com o nosso comandante falaram mais alto.
Agradecemos muitíssimo o apoio solidário de Lula e de Dilma, que se colocaram à
frente das manipulações da mídia. A declaração de Lula foi no seu melhor
estilo, sublinhando que o Brasil e a Venezuela avançam pelo mesmo caminho.
Reunindo vários meios alternativos, a Rede ComunicaSul também cumpriu um grande
papel. Graças a pessoas como vocês, conseguimos resistire vencer. Não dá para
quantificar esta contribuição, foi uma enxurrada de carinho. Felizmente há a
compreensão comum de que caminhos no continente para a conformação de uma só
grande nação que é América, fortalecida com o exemplo da revolução bolivariana.
Há, evidentemente, uma relação dialética entre os nossos avanços e o dos demais
países. Se o conjunto não acelera o passo, também se compromete o
desenvolvimento interno do processo, pois estamos nos confrontando ao império
estadunidense, na máxima expressão da luta de classes
A máxima expressão da luta de classes?
A luta entre a nação e o imperialismo. Por isso buscamos somar as
mais amplas forças para que o país avance no desenvolvimento, na justiça,
abrindo caminho rumo ao socialismo. Sabemos que os gringos farão o humanamente
impossível para nos derrotar, para impedir mais seis anos de Chávez no poder.
Daí também a importância da solidariedade do Brasil e do mundo todo, para que
consigamos seguir em frente com a revolução que pertence a toda a Humanidade.
6 comentários:
Quando tu referes: "... não somente no Brasil como pelo mundo afora...", tens toda razão.
Chávez, cá em Portugal tambem é massacrado e ridicularizado pela grande media burguesa.
Aí estão provas do contrário. Seja: os seus acertos!
O melhor, e talvez o único grande governante nas Américas.. Inclusive a do Norte!
A entrevista é muito completa e abrangente.
Eu não sabia por exemplo que na Venezuela não há conciliação entre o explorado e o explorador, e na verdade um enfrentamento com a burguesia.
Antes o trabalhador era despedido e, para defender seu retorno ao emprego, ele precisava provar que havia sido cometida uma injustiça. Agora se presume a inocência do trabalhador e o patrão é quem tem de justificar as razões e pagar o que deve. Agora eles estão debatendo os níveis de sanções que irão desde multas até a recontratação.
Ou que a política de valorização dos benefícios estabelece que quando se reajusta o valor do salário mínimo (sempre acima da inflação) duas vezes por ano, os mesmos percentuais são repassados às aposentadorias.
Antes eram 80%, hoje em dia é igual. Uma questão de justiça com a 3ª idade.
São conquistas fantásticas, isto para citar apenas duas.
No restantre da entrevista têm outros detalhes importantíssimos.
Tem um trecho em que ele diz:
"Enquanto nos Estados Unidos e na Europa os governos retrocedem direitos sociais e trabalhistas, aqui avançamos. Reduzimos a idade mínima para aposentadoria a 60 anos para os homens e 55 anos para as mulheres. Todos agora têm seguro social, com direito ao salário integral. Antes, o Estado não recolhia e, portanto, depois não pagava. Agora todos recebem, por uma questão de reparar esta injustiça, independentemente de terem ou não contribuído. Comprovada a idade da aposentadoria, todos têm direito, pois é uma necessidade humana e uma responsabilidade do Estado. A terceira idade está protegida."
Tudo muito bom... E ainda caem de pau no governo Chávez!
O ar de felicidade da "moçoila' no início da postagem diz tudo!
Eu não gosto do Chávez, do jeitão dele, da sua cafonice..... Bom, é latino-americano no melhor estilo "Boleros Inesquecíveis"
Mas a gente tem que reconhecer que o cara tá fazendo alguma coisa.
O próprio fato de ser reeleito tantas vezes. E não é roubo não.... Até os americanos fiscalizam atentamente (cheio d delegados e fiscais) aquelas eleições.
Otávio (Tavim)
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