domingo, 27 de outubro de 2013

Pensatas de domingo... O quê que a Bahia teve?



Ary Barroso imortalizou a Baixa do Sapateiro e outros pontos iconográficos de uma Bahia maravilhosa e poética. É claro que isso não se perdeu de todo, mas o fato é que, após 30 anos longe da minha terra, da chamada “Boa Terra”, a decepção foi muito grande!
O fato é que o crescimento absurdo e incontrolável de Salvador a descaracterizou, tornando-a, por um lado uma metrópole. Mas por outro igualando-a a tantas outras grandes cidades estandartizadas que se multiplicam pelo mundo afora. Poder-se-ia afirmar seguramente que a Bahia perdeu o seu charme, a sua poesia... Aquela poesia que inspirou não somente Ary Barroso, mas Caymmy e tantos outros que a cantaram e a imortalizaram com suas palavras e músicas, tambem imortais.
Mas vamos começar pelo começo. Nada melhor do que isso! Nasci naquela terra, naquela “Boa Terra”. E, muito embora tenha vindo para o Rio de Janeiro muito cedo, sempre mantive um contato particular com aquela cidade; suas ladeiras, seus casarios, suas ruas tortuosas, as surpresas coloniais que surgiam a cada esquina, num lugar em que se andava livremente, noite e dia, sem medo, sem preocupações. Para mim, Salvador era sinônimo de longas caminhadas com meus primos e amigos nas férias que lá ia passar nos anos de minha juventude. Íamos aos cinemas a pé e fazíamos nossas farras adolescentes gastando os calcanhares.
O que reencontrei, senão uma cidade assolada pelo medo de assaltos, pelos engarrafamentos permanentes, pelas distâncias possíveis de serem percorridas apenas por carros, numa cidade sem metrô¹ e com um precário sistema de transportes de massas em geral. Mas a velha e boa Bahia continua lá... A Rua Chile, o Pelourinho, todo o chamado “Centro Histórico”. Mas apenas como cartões postais esquecidos pelo tempo. Algo para inglês ver, mesmo! E quando digo “esquecidos pelo tempo”, é porque realmente o tempo os esqueceu, os abandonou, os largou à sua própria sorte. O comércio da Avenida Sete de Setembro (outrora ponto “chique” da cidade), por exemplo, é visivelmente de péssima categoria.
Sinal dos tempos. Sim, o mundo, todo ele, mudou muito. A voracidade do capitalismo em sua fase de “barbárie” liquidou indivíduos e caracteres. E Salvador é um exemplo marcante desta cruel realidade. Acontece que em São Paulo, segundo li ontem uma das 10 cidades mais feias do mundo, nada disso é novidade. Mas em Salvador? Em Salvador acaba sendo muito triste! Como Marx já dizia em 1845: “No desenvolvimento das forças produtivas chega um estágio em que surgem forças produtivas e meios de troca que, com as relações existentes, só causam malefícios, e não são mais forças produtivas, e sim destrutivas.”
A belíssima orla de outrora, acabou. É apenas um amontoado de areia e mar, cercado de construções de mau gosto ou degradadas, sem aquele ar bucólico que a caracterizava. E os novos bairros que surgiram ou cresceram muito – como a Pituba –, são apenas um amontoado de concreto e vidro, sem personalidade, sem alma, sem nenhum tom poético. Algo patético, homogeneizado em excesso! E o pior: a vida da cidade mudou-se para estes novos locais, esquecendo o que havia antes.
Minha viagem não foi de todo perdida, primeiro porque minha intenção era visitar e reencontrar parentes e amigos, entre estes uma tia de 106 anos de idade, ainda lúcida, algo surpreendente e fora do comum. Segundo porque passei as últimas horas (tarde, noite e manhã) na casa de um casal amigo em “Vilas do Atlântico”, um condomínio fora de Salvador, que tem todo o encanto das praias e da beleza da “Boa Terra” de outros tempos.
Mas o reencontro com a Soterópolis² foi muito decepcionante; uma verdadeira frustração. Afinal, eu queria ver uma Bahia que já não existe mais!

1. O metrô de Salvador, alem de insuficiente para o tamanho da cidade está para ser inaugurado faz uma década, e é uma fonte de corrupção e desvio de verbas públicas, numa das maiores bandalheiras escancaradas de corrupção neste país.

2. Salvador iria chamar-se Soterópolis. Daí, até hoje os que nascem lá serem soteropolitanos.


4 comentários:

André Setaro disse...

Sobre ter revisto seus familiares após exatos 21 anos de 'jejum' baiano, a sua viagem, porém, em busca do tempo perdido de uma velha província, foi importante, no entanto, para constatar o 'kaos' no qual se encontra a outrora chamada Boa Terra. Este nome, hoje, soa falso, é um 'non sense'. Excelente a descrição e a pensata dominical.

Misael disse...

As cidades brasileiras passaram por mudanças significativas e quase sempre para uma piora acentuada neste particular. E sem dúvida que Salvador está inserida neste quadro.

Joelma disse...

Gostei bastante desta postagem. Mas achei ótimo o duplo sentido do título. Demais!

Tavim disse...

Em outras palavras: A Boa Terra escafedeu-se.....