Ary Barroso imortalizou a Baixa
do Sapateiro e outros pontos iconográficos de uma Bahia maravilhosa e poética.
É claro que isso não se perdeu de todo, mas o fato é que, após 30 anos longe da
minha terra, da chamada “Boa Terra”, a decepção foi muito grande!
O fato é que o crescimento
absurdo e incontrolável de Salvador a descaracterizou, tornando-a, por um lado
uma metrópole. Mas por outro igualando-a a tantas outras grandes cidades
estandartizadas que se multiplicam pelo mundo afora. Poder-se-ia afirmar
seguramente que a Bahia perdeu o seu charme, a sua poesia... Aquela poesia que
inspirou não somente Ary Barroso, mas Caymmy e tantos outros que a cantaram e a
imortalizaram com suas palavras e músicas, tambem imortais.
Mas vamos começar pelo começo.
Nada melhor do que isso! Nasci naquela terra, naquela “Boa Terra”. E, muito
embora tenha vindo para o Rio de Janeiro muito cedo, sempre mantive um contato
particular com aquela cidade; suas ladeiras, seus casarios, suas ruas
tortuosas, as surpresas coloniais que surgiam a cada esquina, num lugar em que
se andava livremente, noite e dia, sem medo, sem preocupações. Para mim,
Salvador era sinônimo de longas caminhadas com meus primos e amigos nas férias
que lá ia passar nos anos de minha juventude. Íamos aos cinemas a pé e fazíamos
nossas farras adolescentes gastando os calcanhares.
O que reencontrei, senão uma
cidade assolada pelo medo de assaltos, pelos engarrafamentos permanentes, pelas
distâncias possíveis de serem percorridas apenas por carros, numa cidade sem
metrô¹ e com um precário sistema de transportes de massas em geral. Mas a velha
e boa Bahia continua lá... A Rua Chile, o Pelourinho, todo o chamado “Centro
Histórico”. Mas apenas como cartões postais esquecidos pelo tempo. Algo para
inglês ver, mesmo! E quando digo “esquecidos pelo tempo”, é porque realmente o
tempo os esqueceu, os abandonou, os largou à sua própria sorte. O comércio da
Avenida Sete de Setembro (outrora ponto “chique” da cidade), por exemplo, é visivelmente
de péssima categoria.
Sinal dos tempos. Sim, o mundo,
todo ele, mudou muito. A voracidade do capitalismo em sua fase de “barbárie” liquidou
indivíduos e caracteres. E Salvador é um exemplo marcante desta cruel
realidade. Acontece que em São Paulo, segundo li ontem uma das 10 cidades mais
feias do mundo, nada disso é novidade. Mas em Salvador? Em Salvador acaba sendo
muito triste! Como Marx já dizia em 1845: “No desenvolvimento das forças
produtivas chega um estágio em que surgem forças produtivas e meios de troca
que, com as relações existentes, só causam malefícios, e não são mais forças
produtivas, e sim destrutivas.”
A belíssima orla de outrora,
acabou. É apenas um amontoado de areia e mar, cercado de construções de mau
gosto ou degradadas, sem aquele ar bucólico que a caracterizava. E os novos
bairros que surgiram ou cresceram muito – como a Pituba –, são apenas um
amontoado de concreto e vidro, sem personalidade, sem alma, sem nenhum tom
poético. Algo patético, homogeneizado em excesso! E o pior: a vida da cidade
mudou-se para estes novos locais, esquecendo o que havia antes.
Minha viagem não foi de todo perdida,
primeiro porque minha intenção era visitar e reencontrar parentes e amigos,
entre estes uma tia de 106 anos de idade, ainda lúcida, algo surpreendente e
fora do comum. Segundo porque passei as últimas horas (tarde, noite e manhã) na
casa de um casal amigo em “Vilas do Atlântico”, um condomínio fora de Salvador,
que tem todo o encanto das praias e da beleza da “Boa Terra” de outros tempos.
Mas o reencontro com a Soterópolis²
foi muito decepcionante; uma verdadeira frustração. Afinal, eu queria ver uma Bahia
que já não existe mais!
1. O metrô de Salvador, alem de insuficiente para o tamanho da cidade
está para ser inaugurado faz uma década, e é uma fonte de corrupção e desvio de
verbas públicas, numa das maiores bandalheiras escancaradas de corrupção neste
país.
2. Salvador iria chamar-se Soterópolis. Daí, até hoje os que nascem lá
serem soteropolitanos.
4 comentários:
Sobre ter revisto seus familiares após exatos 21 anos de 'jejum' baiano, a sua viagem, porém, em busca do tempo perdido de uma velha província, foi importante, no entanto, para constatar o 'kaos' no qual se encontra a outrora chamada Boa Terra. Este nome, hoje, soa falso, é um 'non sense'. Excelente a descrição e a pensata dominical.
As cidades brasileiras passaram por mudanças significativas e quase sempre para uma piora acentuada neste particular. E sem dúvida que Salvador está inserida neste quadro.
Gostei bastante desta postagem. Mas achei ótimo o duplo sentido do título. Demais!
Em outras palavras: A Boa Terra escafedeu-se.....
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