Conhecido por influenciar a opinião pública
brasileira antes do golpe de 1964, o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais,
o Ipês, fundado em 1961 por ricos empresários brasileiros, fez muito mais do
que imprimir panfletos, editar livros e veicular propaganda para desestabilizar
o governo do presidente João Goulart. A ação foi bem mais direta do que se pode
imaginar: entre 1961 e 1964, período de alta instabilidade política no Brasil,
o Ipês atuou energicamente em Brasília, dentro do Congresso Nacional.
Trabalhava como emissário ipesiano um poderoso banqueiro carioca responsável
por operacionalizar no coração do Poder Legislativo o pesado lobby do instituto, cujo financiamento
era sustentado por doações de grandes empresas brasileiras e multinacionais aqui
instaladas. Sua função era clara: coordenar uma rede suprapartidária de
parlamentares arregimentados pelo Ipês para barrar os projetos do governo no
Congresso. Dessa forma, Jango se veria cada vez mais isolado na cena política
nacional, criando um clima de instabilidade que o levaria a radicalizar o
discurso e a ação.
O braço do Ipês no Congresso Nacional era
chamado GAP (Grupo de Assessoria Parlamentar). Conforme identificam
historiadores que se debruçaram sobre o período, com especial atenção para o
caráter civil-empresarial do movimento golpista, o GAP — ou “Escritório de
Brasília”, como a diretoria ipesiana, preocupada com a discrição, recomendava
que fosse chamado — desempenhava a coordenação política da campanha anti-Jango.
Sua liderança era exercida por meio da ADP (Ação Democrática Parlamentar), constituída
basicamente de deputados da UDN (União Democrática Nacional), de direita, e do
PSD (Partido Social Democrático), de centro-direita. A atuação dessas
instituições, capitaneadas pelo Ipês, foi marcante no Congresso Nacional. O
próprio líder ipesiano do Escritório de Brasília recomhecia que a ADP “era o
braço principal” do Ipês, responsável por fazer “bastante lobby” entre os parlamentares.
O historiador Hernán Ramírez afirma, em sua
tese, que não faltam documentos indicando as inúmeras tentativas de manter
essas incursões do Ipês na cena política “no maior sigilo possível”. Por esse
motivo — discrição —, uma carta da diretoria do Ipês de dezembro de 1962 ditava
a seus membros as diretrizes: “Toda menção ao GAP deve ser suprimida. Talvez
deva-se falar em termos de Escritório de Brasília, sem mais explicações”.
Este cuidado por parte do Ipês indica que
suas lideranças estavam cientes de que essa relação direta do Instituto com a
classe política era, no mínimo, mal vista — para não dizer ilegal. Não se sabe
ao certo de que maneira o Ipês, por meio do GAP, assegurava a lealdade dos
parlamentares arregimentados pela ADP, mas Ramírez escreve que o Instituto
“patrocinava e até certo ponto controlava” os deputados da ADP.
O homem forte do Ipês em Brasília era o
banqueiro Jorge Oscar de Mello Flores. Além de ipesiano graúdo e diretor da Sul
América Seguros, o banqueiro do Chase
Manhattan Bank foi nome de relevância no setor de seguros privados do
Brasil. Ajudou a fundar na década de 1940 a FGV (Fundação Getúlio Vargas) e,
mais tarde, a Consultec (Companhia Sul Americana de Administração e Estudos
Técnicos), firma idealizada por Roberto Campos que emitia pareceres sobre
solicitações de empréstimos de empresas estrangeiras perante o BNDE. No GAP,
Mello Flores era assessorado pelo escritor Rubem Fonseca. Como Mello Flores
relata, seus principais contatos no parlamento eram os deputados João Mendes
(UDN-BA), presidente da ADP; Herbert Levy (UDN-SP), presidente da UDN; Amaral
Peixoto (PSD-RJ) e Antônio Carlos Magalhães (UDN-BA), um “baiano que ajudava
muito”, nas palavras dele.
Também em Brasília, quem atuava em função
semelhante — porém mais aberta — no Legislativo era o integralista Ivan
Hasslocher, que chefiava o Ibad (Instituto Brasileiro de Ação Democrática).
Hasslocher manejou vultosos fundos na campanha eleitoral de 1962, promovendo os
candidatos da ala conservadora junto a rádios, jornais, revistas e emissoras de
TV por todo o país. A relação entre Ipês e Ibad era bem próxima; as
instituições compartilhavam ideais, objetivos e métodos de ação. O pleito de
1962 foi o momento de convívio mais intenso entre os institutos; o Ibad, porém,
teve atuação mais descarada do que o Ipês, cuja diretoria era bem mais
preocupada com a discrição das ações.
As chamadas “Reformas de Base” eram a
principal bandeira política de João Goulart. Sob esse guarda-chuva estavam
profundas mudanças nos sistemas bancário, fiscal, urbano, administrativo,
agrário e universitário; todas com o objetivo de produzir avanços sociais e
reduzir as desigualdades no país. O Ipês, representante das forças
conservadoras, era firmemente contrário a essas mudanças, dando início a uma
forte campanha para frear o avanço da proposta janguista.
Se João Goulart tinha um plano de governo, o
Ipês também possuía o seu próprio. E fez de tudo para impô-lo sobre o governo:
o Instituto dividiu-se em comissões, setorizou as áreas temáticas, encomendou
estudos e publicou incontáveis artigos em jornais para mobilizar a opinião pública.
E também contra atacou com o Escritório de Brasília: “por volta de março de
1963, o Ipês havia submetido à análise do Congresso 24 projetos de lei” sobre o
tema, conforme escreve Hernán Ramírez.
A ação mais ostensiva de campanha política de
1962 era feita por Ivan Hasslocher no Ibad, utilizando-se de altas somas de
dinheiro vindo de doações empresariais e estrangeiras, como o próprio
embaixador estadunidense Lincoln Gordon confirmaria posteriormente, em
entrevista de 1977 à revista Veja:
“Havia um teto por candidato. O dinheiro era para comprar tempo no rádio,
imprimir cartazes. E você pode estar certo de que eram recebidos muito mais
pedidos do que podíamos atender”.
Embora tenha negado em na década de 1990,
Jorge Oscar de Mello Flores foi incumbido pelo Ipês de atuar nas eleições. Em
atas de reuniões do instituto, o banqueiro aparece compartilhando com colegas
ipesianos seu temor pela sua exposição pública. Ele acreditava que talvez
tivesse que se desligar do Ipês para preservar sua discrição, razão pela qual
disse que precisava de uma sala para atuar fora do espaço físico do Congresso
Nacional.
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