Nesta excelente matéria o Jornal do Brasil levanta práticas criminosas
registradas no país desde a chegada dos europeus. Como é muito extensa, a
postei em duas partes.
O Brasil sofre com a corrupção desde antes de
ganhar este nome. Junto com as caravelas, chegou e se desenvolveu também a
prática que ajuda a manter o status da elite e as amarras do povo, sempre à
mercê dos mais diversos esquemas, em uma herança corruptora passada de geração
a geração. Talvez o país nunca tenha a real dimensão dos crimes praticados, que
garantiriam manchetes muito mais arrepiantes do que as que costumam
escandalizar a sociedade brasileira. E as relações promíscuas não se limitam ao
poder público, na esfera privada também é comum. O JB levanta
alguns casos para ilustrar a quincentenária pilhagem do bem público.
Apesar de não ser de exclusividade do Brasil, a
corrupção teve um desenrolar específico nestas terras. Como a Corte precisa
convencer pessoas a trabalhar em um desconhecido Brasil, oferecia privilégios
em funções desempenhadas sem vigilância e definição de papeis, para garantir a
ocupação das terras e criação de instituições. Práticas de corrupção passaram a
permear diversos níveis do funcionalismo público, passando do governador,
tabeliães e oficiais de justiça para chegar até os cargos mais baixos da Câmara
- funcionários que tinham a prática de favorecer ou prejudicar comerciantes,
sob pagamento de propina, por exemplo, indicam documentos históricos. Vide
também o tráfico de escravos africanos, que era visto sem maiores
problemas apesar de denúncias de autoridades internacionais.
A corrupção se tornava frequente até nos locais
em que a Coroa prestava maior atenção, como no litoral do país, mas em locais
menos notados, como Minas Gerais e Goiás, devido à distância e dificuldades de
transporte, as coisas aconteciam de forma ainda pior. A Coroa, inclusive,
estimulava que os fidalgos fizessem o que quisessem para mandar e garantir a
posse de territórios.
A corrupção eleitoral e a relacionada a obras
públicas surgiram logo com a proclamação da Independência, em 1822. Visconde de
Mauá, por exemplo, que fundou a indústria naval brasileira em 1846 ao construir
estaleiros da Companhia Ponta da Areia, em Niterói, recebeu licença para a
exploração de cabo submarino e a transferiu a uma companhia inglesa da qual se
tornou diretor. Projetos de grande porte para o país recém-liberto do império
se tornavam fonte de dinheiro fácil para grupos oligárquicos.
Mais à frente, com a proclamação da República em
1889, veio a Política dos Governadores, a influência dos
coronéis e o voto de cabresto. Acabava o "voto
censitário", que definia renda mínima para qualificar o eleitor, mas
vinham outras formas de controlar quem poderia chegar ao poder. Entre 1894
e 1930, o país teve o governo de presidentes civis ligados ao setor agrário,
que controlavam as eleições mantendo-se no poder de maneira alternada.
O professor e autor de livros didáticos de
história Roberto Catelli Jr., no artigo A República do Voto, relata
que, como o voto não era obrigatório nem secreto, o coronel oferecia dinheiro,
roupas e chapéus para que os eleitores comparecessem às urnas, e os capangas
verificavam o preenchimento da cédula. Ao apurar os votos, eleitores eram
inventados e atas com resultados eram adulteradas. Ainda havia a Comissão de
Verificação de Poderes, para criar argumentos para não empossar candidatos da
oposição (degola) e diplomar representantes da oligarquia. Muitos outros
casos foram surgindo ao longo do século seguinte, como o caso de corrupção
eleitoral que levou Getúlio Vargas ao seu primeiro ciclo de poder e os casos de
corrupção e desvio de verbas na construção de Brasília no governo JK. Da
ditadura, também não faltam histórias.
Práticas de corrupção e casos na história
recente
Corruptione é a palavra em latim que
dá origem ao termo em português, e dá ideia de decomposição, desmoralização,
putrefação, suborno. Para o Escritório das Nações Unidas para Combate ao Crime
Organizado e às Drogas, trata-se de um "complexo fenômeno social, político
e econômico que afeta todos os países do mundo”. Em um ranking deste ano de
percepção da corrupção, da Transparência Internacional, o Brasil aparece em 69º
entre 175 países.Separar apenas casos na Assembleia legislativa ou nas forças
policiais do Rio de Janeiro, por exemplo, já garantia uma extensão considerável
a este texto. Jornal do Brasil destaca os principais, ou pelo menos os que
ganharam maior destaque na opinião pública.
A corrupção envolve práticas como o tráfico de
influência, corrupção eleitoral, inserção de dados falsos em sistemas de
informação, corrupção ativa ou passiva, emprego irregular de verba ou renda
pública, crimes de responsabilidade de prefeitos e vereadores, facilitação de
contrabando, entre outras ações proibidas por lei.
"A sociedade brasileira, apesar de arcar com
uma alta carga tributária, recebe em troca serviços públicos precários e
ineficientes. Obras inacabadas, estradas esburacadas e hospitais em situação
precária poderiam ter outra cara se o dinheiro arrecadado com os impostos fosse
aplicado corretamente. Em outros termos, o cidadão paga mas não leva", diz
o Ministério Público Federal (MPF) em um portal criado para o enfrentamento da
prática.
Em 1987, o jornalista Jânio de Freitas
denunciou na Folha de S. Paulo o caso da Ferrovia Norte-Sul,
esquema de corrupção montado para a construção da ferrovia que ligaria o
Maranhão a Anápolis, em um investimentos de US$ 2,4 bilhões e 1.600 quilômetros
de obras. Na licitação, venceram as empresas integrantes do esquema, que haviam
combinado os preços entre si (...). Na mesma época, surgiram o Caso
Banespa e a CPI da Corrupção.
O Caso Banespa envolvia dois escândalos no
governo de Orestes Quércia em São Paulo, um deles descoberto pouco depois de
sua posse, em 1987. Otávio Ceccato, secretário da Indústria e Comércio,
envolveu-se em uma fraude que provocou um rombo de 1 bilhão de cruzados na
corretora do Banespa. O outro explodiu quando Quércia estava prestes a encerrar
seu mandato, também envolvendo o banco, por meio dos empréstimos especiais
chamados “antecipação de receita orçamentária”, ou ARO. Em dois deles, o
governo pegou 674 milhões de dólares.
Já a CPI da Corrupção envolveu o genro do então
presidente José Sarney, Jorge Murad, acusado de intermediar o repasse de verbas
federais para o Maranhão. O esquema envolvia membros do alto escalão do
governo. O titular do Planejamento, Aníbal Teixeira de Souza, quando pediu
demissão, transferiu as acusações para o presidente Sarney e o secretário geral
do Ministério, Michal Gartenkraut.
No ano passado, os imóveis da maior fraudadora da
Previdência Social que se tem notícia foram a leilão, no Rio de Janeiro
- dois apartamentos no Rio de Janeiro, um no Leblon, de frente para o mar,
e outro na Barra da Tijuca. O caso, que ficou conhecido também pelo nome
dela, Jorgina de Freitas, veio à tona nos anos 1990: a Máfia do INSS.
Ela foi apontada como a responsável pelo esquema de corrupção que
envolvia juízes, advogados e procuradores, gerentes de bancos e doleiros
para realizar fraudes. Entre 1988 e 1990, o esquema sugou a Previdência Social
no Rio de Janeiro.
De acordo com as investigações, Jorgina, Ilson
Escóssia da Veiga, Armando Avelino Bezerra e Roberto Cardoso Pontes de Miranda
tinham contas bilionárias nos bancos Itaú, Banerj, Nacional, Safra, Dimensão e
Bamerindus. Calculava-se que mais de US$ 50 milhões foram desviados e levados a
Miami e paraísos fiscais, com apoio logístico de gerentes de banco, que usavam
a legislação do próprio Banco Central, que facilitava a evasão de divisas.
Conforme apontava matéria do Jornal do Brasil,
assinada por Carlos Nobre, o que mais espantava era o amparo legal do esquema
criminoso. "O que mais surpreende é que o esquema de lavagem de dinheiro
da máfia do INSS tinha aspecto legal. Era feito através da compra de cheques
administrativos de empresas que tinham sedes no exterior. O dinheiro era então
depositado nas contas destas empresas nos Estados Unidos ou paraísos
fiscais", apontava a reportagem, que informa ainda que Escóssia teria sido
sido o autor do maior golpe individual contra a Previdência, de US$ 88 milhões.
"Meu cliente nunca obteve qualquer espécie
de indenização sem que fossem obedecidos os trâmites legais", chegou a
dizer o advogado de Ilson Escóssia, em agosto de 1991.
De acordo com a justiça, Jorgina desviou
cerca de R$ 1,2 bilhão do INSS. Logo após sua condenação, em 1992, fugiu
do Brasil. Passou por países como Estados Unidos, Nicarágua e Costa Rica, onde
foi presa, em 1997. Ela ainda tentou, sem sucesso, fazer um acordo: aceitaria a
rendição se pudesse ficar com um milhão de dólares. Quando foi solta, em uma
tarde de sábado de 2010, a justiça informou que ela teria que
ressarcir R$ 200 milhões aos cofres públicos e que 57 imóveis dela iriam a
leilão.
Em 1992, foi a vez do Caso Collor, esquema
operado no governo com a anuência do então presidente Fernando Collor de Mello,
pelo economista Paulo César Farias, o PC, ex-tesoureiro da campanha de Collor à
presidência. PC recebia propina de empresários, ficava com 30% e repassava o
restante ao presidente, com a ajuda de firmas fantasmas para emissão de notas
fiscais frias. Foram as denúncias de Pedro Collor, irmão do presidente, que
fizeram o caso explodir.
No ano seguinte, veio o Caso Paubrasil,
quando a Receita Federal descobriu que a empresa Paubrasil havia recebido
doações clandestinas para as campanhas eleitorais de Paulo Maluf nos anos 1990
para o governo do São Paulo. Surgiu ainda o caso dos Anões do Orçamento,
que revelou que um grupo de deputados federais tinha criado um
esquema de aprovação de emendas na Comissão de Orçamento do Congresso para
desviar dinheiro público. Os envolvidos recebiam comissões para favorecer
empreiteiras e desviavam recursos para entidades de assistência social fantasmas. Seis
parlamentares foram cassados e quatro renunciaram.
Mesmo com a repercussão negativa das declarações
de Recupero, Fernando Henrique Cardoso conseguiu se eleger, e logo no primeiro
ano de governo viu surgir o caso da Pasta Rosa, descoberto durante
a intervenção do Banco Central no Banco Econômico. Um dossiê com documentos que
mostravam uma contribuição de US$ 2,4 milhões de dólares do Banco Econômico, de
Ângelo Calmon de Sá, para a campanha de 25 candidatos nas eleições de 1990,
quando a lei eleitoral brasileira proibia empresas financiar campanhas. Outros
24 candidatos teriam recebido doações da Federação Brasileira de Bancos
(Febraban). Como nenhuma das contribuições foi registrada como verba eleitoral,
a prática de caixa 2 ficou configurada. Integravam a lista nomes como o do
ex-governador da Bahia Antônio Carlos Magalhães, de José Sarney, Renan
Calheiros, Ricardo Fiúza e Benito Gama.
(continua)
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