Muito boa esta entrevisa da Brasil Debate com Dominique Plihon que previu o desastre. Este economista
francês, presidente do Comitê Científico da ATTAC e especialista dos sistemas financeiros, sintetizou num livro
de antecipação econômica a catástrofe que tomou conta da economia mundial e que
derivou nas duas crises do século XXI: a de 2008 e a de 2009/2010, com seu
epicentro na Europa.
A ATTAC
(Association pour la Taxation des Transactions pour l'Action Citoyenne ),
em português: "Associação pela Tributação das Transações Financeiras para
ajuda aos Cidadãos"), é uma organização criada a partir de uma proposta de
Ignacio Ramonet, em 1988, na França.
Brasil
Debate – Dominique
Plihon, professor da Universidade Paris 13, em entrevista exclusiva ao Brasil
Debate: “Se um candidato neoliberal ganha no Brasil, certamente ficarei triste
pelos brasileiros, mas também triste pela ordem internacional. Precisamos de
líderes que saibam resistir às grandes potências, ao setor financeiro, e não
que sejam seus aliados”
É um dos
principais estudiosos, no mundo, do que se denomina “capitalismo com dominância
financeira” e de seus efeitos sobre a sociedade. Professor emérito da
Universidade Paris 13 (Université Sorbonne Paris Cité), ele tem longa
experiência profissional no Banque de France e é atualmente porta-voz do ATTAC.
Na semana passada, esteve no Brasil para uma curta temporada de palestras e
aulas no Instituto de Economia da Unicamp, e conversou com o Brasil Debate. As
reflexões de Plihon sobre as ideias econômicas, seus porta-vozes e interesses,
e mesmo o seu poder de pressão por meio do controle dos veículos de comunicação
são um necessário contraponto à visão quase única que domina a discussão
econômica no Brasil.
Indo além,
põe o dedo na ferida de uma questão muito explícita em alguns personagens do
debate eleitoral brasileiro: o conflito de interesses entre representantes do
setor financeiro privado e suas prioridades para as políticas públicas. Por
fim, considera um enorme retrocesso, não só para o Brasil, a eleição de um
candidato de perfil neoliberal neste segundo turno das eleições.
Confira os
principais trechos da entrevista realizada e traduzida do francês por Bruno De
Conti e Pedro Rossi.
Brasil Debate: Como você enxerga a relação do
neoliberalismo com a democracia?
Dominique Plihon: Aqui há um paradoxo. Os neoliberais nos
fazem acreditar que a liberdade concedida a todos os atores econômicos faz
prosperar a democracia e que o mercado é favorável à democracia. Como se democracia
e livre mercado caminhassem juntos.
Essa visão é
completamente equivocada. Se deixamos o neoliberalismo funcionar, isso se
traduz no surgimento de atores sociais – grupos industriais, bancários – que
dominam não somente a economia, mas também a sociedade. Esses atores investem
na mídia para difundir análises que condicionam a opinião dos cidadãos e isso
funciona como uma forma de dominação ideológica. Aqueles que divergem do
pensamento dominante são considerados heréticos, arcaicos, gente que não é séria.
Portanto, o
paradoxo é que, ao reduzir o Estado sob o pretexto de dar mais liberdade às
pessoas, dá-se poder a alguns atores sociais, concentra-se a renda e cria-se um
pensamento único. Eu vou ao limite de dizer que aqueles que defendem o
neoliberalismo são por uma sociedade totalitária. Neoliberalismo é o oposto da
democracia.
BD: O discurso
neoliberal é compatível com a construção de um Estado de Bem-Estar Social, que
garanta serviços sociais públicos e universais?
DP: Para o
neoliberalismo, o Estado Social é visto como um inimigo, como um concorrente, o
que é de certa forma verdade porque, a partir do momento em que o Estado Social
se desenvolve, é uma parte do setor econômico que escapa do setor privado, dos
investidores internacionais etc. Eles querem controlar as escolas,
controlar os hospitais, controlar as estradas, para obter lucros. É por isso
que eles defendem a privatização, sob o pretexto de que o setor privado seria
mais eficiente, mas a finalidade é o lucro.
O que
devemos defender, enquanto economistas progressistas, é que o setor público é
claramente mais eficaz do que o setor privado no que se refere à oferta de bens
sociais, ao contrário do que dizem os neoliberais. Essa é uma briga ideológica
importante. Eles dizem que se o Estado Social diminuir, todos vão ganhar, vão
pagar menos imposto, a economia ficará melhor, os hospitais, as escolas e
universidades serão melhores, o que é completamente falso.
Se pegarmos
a saúde, por exemplo, o sistema mais eficaz, menos custoso e que traz mais bem-estar
para população é o público e não o privado. O sistema de saúde americano, que é
praticamente todo privado, é muito mais custoso do que o francês, que é
principalmente público. Mas esse discurso não é ouvido pela mídia controlada
pelos grandes grupos privados.
BD: Nessas
eleições brasileiras, formou-se uma convenção na bolsa de valores segundo a
qual o bom desempenho da presidenta Dilma nas pesquisas conduz a uma queda nos
preços das ações. Como você vê o significado político dessa convenção?
DP: Keynes é
quem primeiro explorou essa noção de convenção no mercado financeiro. A
convenção é uma representação da realidade que corresponde muitas vezes aos
desejos do mercado. Quando vemos nas eleições que a bolsa sobe quando o
candidato Aécio Neves aparece com mais chances, isso significa a expectativa do
mercado de que esse candidato tomará medidas mais favoráveis a ele.
O que é
perigoso, pois significa que um candidato que queira fazer uma política de
enfrentamento aos interesses e privilégios do mercado terá a bolsa contra ele.
E isso toma uma proporção maior porque a mídia e as elites passam a mensagem de
que a opinião “correta” é aquela do mercado e não aquela das pessoas que
trabalham, que produzem, que consomem. Isso é, evidentemente, contrário à democracia.
E o que é
interessante é que Keynes mostrou a existência de componentes irracionais na
formação dessas convenções. As pessoas se comportam de maneira mimética; de uma
hora para a outra passam a agir todas da mesma forma, com base em uma
determinada ideia. Essas convenções são frágeis, às vezes irracionais e
desprovidas de uma reflexão séria e, mais do que isso, podem ser manipuladas, o
que quer dizer que alguns agentes podem forjar opiniões e condicionar a
psicologia dos mercados para fazer valer seus interesses.
BD: Nos debates
públicos, você tem chamado atenção para o conflito de interesses que envolve a
profissão dos economistas. Qual é a importância desse tema?
DP: Na
sociedade, há dois tipos de economistas. A primeira categoria é composta por
economistas independentes ou com vínculos explícitos com alguma instituição,
como um sindicato, ou um banco. Quando ouvimos um economista de um sindicato,
sabemos que ele está defendendo os interesses do sindicato, isso é normal e
transparente.
A segunda
categoria são os economistas que são pagos pelo sistema – recebem recursos de
empresas, bancos, partidos – mas não se identificam. Eles geralmente defendem
os interesses das classes dominantes e por isso são figuras muito presentes na
mídia, dominada por essas classes. Eles são os cães de guarda do sistema.
O que
estamos propondo na Europa é algo parecido com que está sendo discutido nos EUA
por Gerard Epstein: que haja regras precisas obrigando os economistas a
publicarem o nome da entidade de quem recebem financiamentos, assim, quando
eles falam na mídia, saberemos se estão defendendo o interesse de alguma
empresa, banco, sindicato. Cada um fala o que quer, desde que seja transparente
e não seja hipócrita.
BD: E no caso
de economistas de mercado que ocupam funções públicas?
DP: Se há um
candidato, como Aécio Neves, que anuncia um ministro que é um banqueiro, há um
risco de conflito de interesse. Nesse caso, talvez seja o caso de declarar
publicamente e, eventualmente, desnudar esta pessoa e os interesses que representa,
já que tem muitos laços com o setor financeiro.
Na França,
temos esse problema com os altos funcionários, por exemplo, da supervisão
bancária, que após seu período no governo vão trabalhar nos bancos. O problema
é que essas pessoas não ousam tomar medidas duras, sanções, contra os seus
futuros (ou ex) colegas. Nesse caso, deve-se proibir a pessoa de trabalhar no
setor que ela supervisionou durante três ou quatro anos, porque há conflitos de
interesse.
Esse é o
chamado fenômeno das “portas giratórias”, quando um economista vai para a
administração publica, depois volta para o setor privado como um homem de
negócio, e de novo para administração pública. Isso é muito perverso e
antidemocrático.
BD: Como
intelectual de esquerda e observador externo como você enxerga a disputa
eleitoral em curso no Brasil?
DP:
Primeiramente, vejo com bastante interesse porque o Brasil é um país muito
importante, e a política que é definida aqui tem impacto sobre a América Latina
e também sobre a construção da ordem mundial. Penso que os dirigentes europeus
atuais são uma catástrofe para a ordem econômica mundial. Eles são fascinados
pela ideologia neoliberal, pela competição, e não pela cooperação, pela
solidariedade entre os países etc. Eles têm valores que certamente não são os
meus, e que são extremamente perigosos.
Se um
candidato neoliberal ganha no Brasil, certamente ficarei triste pelos
brasileiros, mas também triste pela ordem internacional. Eu sei que a candidata
progressista tem limites e problemas, mas penso que será melhor para o Brasil,
pois ela já deu prova de independência frente aos Estados Unidos e frente a
atores financeiros.
Precisamos
de líderes que saibam resistir às grandes potências, ao setor financeiro, e não
que sejam seus aliados. Portanto, vejo as eleições no Brasil com muito
interesse e não escondo minha preferência por Dilma.
2 comentários:
Afinal, precisamos de líderes que saibam resistir às ao setor financeiro É um dos principais estudiosos, no mundo, do que se denomina “capitalismo com dominância financeira” e de seus efeitos sobre a sociedade.
Por esses e outros comentários, me sinto tão feliz com a tua volta, Joelma!
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